A biopolítica do controle penal contemporâneo: a mutação do leviatã rumo ao subsistema da exceção

AutorJosé Francisco Dias da Costa Lyra
CargoPossui especialização em Direito Público pelo Instituto Cenecista de Ensino Superior de Santo Ângelo ? IESA (1997)
Páginas137-166
A BIOPOLÍTICA DO CONTROLE PENAL CONTEMPORÂNEO: A
MUTAÇÃO DO LEVIATÃ RUMO AO SUBSISTEMA DA EXCEÇÃO1
THE BIOPOLITICS OF THE CONTEMPORARY PENAL CONTROL: THE
LEVIATHAN'S MUTATION TOWARD THE EXCEPTION SUBSYSTEM
José Francisco Dias da Costa Lyra2
Resumo: Busca-se apr esentar o conceito de biopolítica moderna, cunhada, especialmente, por Foucault
e Agamben, para tentar demonstrar que, na modernidade, a vida, na sua totalidade, é atravessada pela
política, que se apodera do c orpo vivente. Para tanto, a presenta-se um conceito de biopolítica e, ao
depois, demonstra-se que a biopolítica , nas mãos do soberano, que detém o poder de declarar a guerra (e
o estado de exceção), pode converter-se nu m excepcional direito de matar.
Palavras-chave: Biopolítica. Vida nua. E stado de exceção. Controle penal. Guerra.
Synopsis: An attempt to pre sent the concept of modern biopoliti cs, shaped especially by Foucault a nd
Agamben, t o try to prove that, in modernity, life, as a whole, is permeated by politics, which take s
control over the living body. For that, we present a concept of biopolitics, which later shows that the
biopolitics, in the hands of the sovereign, who hold s th e power to declare war (and the state of
exception), can become an exceptional ri ght to kill.
Keywords: Biopolitics. Bare life. State o f exception. Criminal control. War.
NA FORMA DE UMA INTRODUÇÃO
Nas guerras preventivas de combate ao ter rorismo, que ganharam especial
destaque após o atentado de 11 de setembro de 2001, e combate à criminalidade,
“intervenções humanitárias”, defesa da liberdade e dir eitos humanos etc., está no
centro do debate a “preocupação” com a manutenção da vida3 (vitalismo positivo),
o que confere destaque ao t ermo biopolítica4. Assim, da guerra ao terrorismo, das
políticas sanitárias em prol de uma segurança global e medidas preventivas,
conferindo extensão ilimitada à l egislação de emergência, sobressai uma crescente
superposição entre o âmbito da política e do Direito, da vida e seu vínculo estreito
com a morte. Essas questões são car as à modernidade, que fez da autoconservação
do indivíduo o centro da política estatal. É nessa idade que a biopolítica, ou política
1 Confor me ESPOSITO, Roberto. Bios, política y filosofía. Buenos A ires: Amorrortu, 2006. p. 53 e
seguintes, a biopolítica produz subjetividade ou produz morte. Ou torna o sujeito seu próprio objeto, ou
o objetiva definitivamente. Dito de outro modo, no pensam ento de Esposito, pode haver uma
“biopolítica da vida” (que pr eserva a vida humana. Aqui a política é frenada pela vida, que encadeia u m
insuperável li mite natural à política, não sendo, portanto, soberana), ou “política sobre a vida” (que é
própria da modernida de, que se especializou na produção massiva da morte, funcionan do como um
poder de vida que é exercido contra a pr ópria vida, constituindo uma política soberana). Ver p. 53-72.
2 Possui especialização em Dir eito Público pelo Instituto Cenecista d e Ensino Superior de Santo Ângelo
– IESA (1997), especialização em Direito Priva do pela Universida de Regional do Noroeste do Estado
do Rio Grande d o Sul – UNIJUÍ (2002), mestrado em Desenvolvimento, Cidadania e Gestão pela
Universidade Regional do Noroeste do Estado do Ri o Grande do Sul – UNIJUÏ (2004), doutor em
Direito pela Universidade do Vale do Rio dos Sinos - UNISINOS (2011). Atualmente é juiz de direito -
Tribunal de Justica do Estado do Rio Gra nde do Sul e profes sor de Direito Penal no Instituto Cenecista
de Ensino Superior -IES A e na Universidade Regional I ntegrada do Alto Uruguai e das Missões – URI,
atuando principalmente na área do Dir eito Penal Contemporâneo. Instituição: URI – Santo Ângelo/RS.
Email: jfdclyra@tj.rs.gov.br.
3 FOUCAULT, Michel. Defender l a sociedad. Buenos Aires: Fondo de Cultura Económ ica de
Argentina, 2000. p. 43-47. Ver, do mesmo autor, A verdade e as formas jurídicas. 2. ed. Tradução de
Roberto Cabral de Melo Machado e Eduard o Jardim Morais. Rio de Janeiro: Nau, 1999, p. 79-126 .
4 ESPOSITO, Roberto. Bios, política y filos ofía. Buenos Aires: Amorrortu, 2006, p. 15.
138 Direitos Culturais, Santo Ângelo, v.7, n.1 2, p. 137-167, jan./jun. 2012
da vida, toma conta do corpo. O bíos (vida qualificada, diversa da zoé, vida natural
e divina) entra no cálculo do poder, pois a política tem como fim con servar e
expandir a vida. Logo, o corpo, de forma intensa, pa ssa a viver uma experiência
radical de indistinção entre a vida e a política. Por isso, importa uma reflexão nesse
âmbito, na medida em que os conflitos, guerras, feridas, sofrimentos humanos e
medos que atormentam a humanidade parecem pôr em jogo a vida, que pode estar
sujeita a uma política de vida ou sobre a vida (dar a morte ou tanatopolítica). Sob
esse aspecto, a biopolítica pode se apresentar n egativa, ou seja, propicia a
eliminação da vida5. Assim, a questão revela-se urgente, na medida em que se
vislumbra um desequilíbrio (crise política), devido à consolidação do paradigma de
uma guerra mundial permanente e o r et orn o de um certo totalitarismo de Estado,
que instaurou um estado de exceção6, que forja um con trole penal excepcional,
com a eliminação de categorias inteiras de cidadãos, convertidos em não
pessoas/inimigos que, por razões econômicas, não são mais integráveis ao sistema
político. Ora, o problema é que, face à consolidação do pensamento da guerra
permanente, o estado de exceção tende, cada vez mais, a se apr esen tar como o
modelo de governo dominante na política contemporânea, deslocando a
terminologia da excepcionalidade para o controle penal, desfigurando a estrutura e
o sentido da pr ópria Constituição e seu sistema de direitos7. Em r esumo, no limiar
da modernidade biológica, o homem está atravessado pela política, que, desde o
advento do capitalismo e seu cont role disciplinar, tem se intensificado, o que
corresponde ao ingresso da zna esfer a da pólis, com a politização da vida nua,
terreno da biopolítica. E o problema da biopolítica moderna repousa no fato de que
o soberano, no horizonte da estatalidade, é quem decide sobre a vida, podendo,
inclusive, declarar o estado de exceção, estabelecendo a emergência e a guerra para
debelar os inimigos, passando a di spor da vida8. Assim, a presente pesquisa
consiste precisamente em definir o conceito e os contornos do termo biopolítica,
isso num contexto da pós-modernidade e do trânsito do sistema fordista ao sistema
pós-fordista de produção, o que corresponde ao esgotamento do welfare state e
suas políticas keynesianas, até porque é com a m oderni dade que a palavra
biopolítica assume um protagonismo. Em um segundo momento, será observado
que a biopolítica e seu retorno à tecnologia do poder soberano possibilitou a
corporificação do estado de exceção, como a estrutura original em que o Direito
inclui o ser vivente por meio de sua própria suspensão, o que aparece claramente,
por exemplo, nas legislações de emergência (military order e USA Patriot Act),
que forjaram uma linguagem bélica que contaminou o sistema penal ordinário, o
que será focado na parte final do trabalho.
1 BUSCANDO UM CONCEITO DE BIOPOLÍTICA
O debate filosófico do moderno se inscreve dentro da alternativa
topológica entre pol ítica e Direito, poder e lei, decisão e norma na dialética entre
súditos e soberanos. Nesse sentido, importa uma reflexão de alguns aspectos
característicos da realidade cotidiana dos primeiros anos do século XXI, que é
5 ESPOSITO, Roberto. Bios, política y filos ofía, p. 15-22.
6 AGAMBEN, Giorgio. Estado de exceção. Tradução de Iraci D. Poleti. São Paulo: Boitempo, 2004.
7 Idem, p. 13-15.
8 AGAMBEN, Giorgio. Homo sacer: o poder soberano e a vida nua I. Tradução de Henrique Buri go.
Belo Horizonte: UFMG, 2007, p. 10-20.

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