Benefícios fiscais: limites à sua invalidação

AutorMarcelo Fortes - Fernando Munhoz Ribeiro
CargoMestre em Direito Tributário pela PUC-SP. Advogado - Especialista em Direito Tributário pelo IBET. Advogado
Páginas71-80

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1. Introdução

No presente trabalho, discorrer-se-á acerca dos efeitos decorrentes de ato administrativo voltado a retirar do mundo jurídico norma editada por autoridade competente e alcançada a partir da interpretação sistemática de diplomas legais vigentes, concessivos de benefício fiscal.

A primeira regra jurídica a ser posta em foco reconheceu o direito ao benefício fiscal decorrente da interpretação conjunta e sistemática de dispositivos da Medida Provisória n. 2.199-14/20011com os da de n. 2.156-5/2001.2Importante destacar que tais Medidas Provisórias foram editadas no mesmo dia: (i)

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a de n. 2.199-14/2001, dentre outros assuntos, criou o benefício fiscal de redução do Imposto sobre a Renda, que poderia ser concedido às empresas instaladas na área de atuação da extinta SUDENE; enquanto que (ii) a de n. 2.156-5/2001 extinguiu a SUDENE e criou a ADENE, bem como estabeleceu um novo plano para o desenvolvimento regional.

O racional da norma jurídica concessiva do benefício fiscal às empresas instaladas também no sul do Espírito Santo é o de que a ADENE sucedeu a SUDENE como promotora do desenvolvimento regional3 (Medida Provisória n. 2.156-5/2001) e, pois, o incentivo previsto na Medida Provisória n. 2.199-14/2001 poderia ser deferido a todas as empresas instaladas na área de atuação daquela (ADENE).

Esclareça-se que o benefício fiscal foi reconhecido, durante determinado período de tempo, a várias empresas localizadas no sul do Estado do Espírito Santo, após a tramitação de regular processo administrativo na ADENE e, posteriormente, na Receita Federal do Brasil. Noutros termos, a norma concessiva do benefício, válida ou inválida, foi construída após a prática de vários atos administrativos e aquiescência de diversas autoridades.

Portanto, tem-se por indubitável o ingresso da regra jurídica no sistema e sua aptidão para produzir efeitos, visto que decorrente de uma das interpretações possíveis dos diplomas legais concernentes ao tema.

Não obstante, anos após o início da fruição do benefício fiscal pelas empresas situadas no sul do Estado do Espírito Santo, a Administração - via ADENE e Receita Federal do Brasil - resolveu alterar o entendimento anterior e anular (expulsar no sistema) a norma jurídica concessiva do benefício. Argumentou-se que, muito embora a ADENE tenha sucedido a SUDENE como promotora do desenvolvimento regional, o benefício fiscal da Medida Provisória n. 2.199-14/2001 não poderia ser concedido às empresas localizadas em toda a área de atuação da primeira - por exemplo, o sul do Espírito Santo. Nesta óptica, apenas as empresas instaladas na área de atuação da SUDENE (antes de sua extinção) teriam direito ao incentivo.

Com essa linha argumentativa, atribuiu-se às normas jurídicas reconhecedoras do direito ao benefício fiscal a pecha de inválidas, devendo elas ser expurgadas do ordenamento com efeitos ex tunc, possibilitando com isso a cobrança retroativa dos valores que deixaram de ser recolhidos. Noutros termos, os atos administrativos veiculadores dessas normas concessivas foram tidos como nulos.

Todavia, ver-se-á que os atos administrativos de anulação veicularam regras

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jurídicas que não encontram fundamento de validade no ordenamento, especialmente diante da rigidez necessária no trato dos atos administrativos tributários, os quais passam longe da infiuência da discricionariedade administrativa.

2. As Medidas Provisórias ns 2.199-14/2001 e 2.156-5/2001 e os dispositivos constitucionais que impõem a redução da desigualdade e o incentivo ao desenvolvimento regional

Por inteligência da Medida Provisória n. 2.156-5/2001, todos os Municípios do Estado do Espírito Santo estavam abrangidos pela área definida como sendo beneficiária do Plano de Desenvolvimento Regional do Nordeste, que era de responsabilidade da SUDENE até a sua extinção, e passou a ser da responsabilidade da ADENE com a sua criação.4Numa dada interpretação, o benefício fiscal de que trata o art. 1º, da Medida Provisória n. 2.199-14/2001, poderia (e deveria) ser concedido a todos os projetos localizados no sul do Espírito Santo. Essa fundamental inovação "topográfica", isto é, do âmbito material de validade do incentivo, não deveria ser desconsiderada pelo intérprete e aplicador da legislação respectiva.

Todo esse arcabouço interpretativo encontra fundamento em vários dispositivos da Constituição Federal, dentre os quais, destaca-se o art. 151, inciso I,5segundo o qual é vedada a instituição de tributo que não seja uniforme em todo o território nacional, mas é "admitida a concessão de incentivos fiscais destinados a promover o equilíbrio do desenvolvimento socioeconômico entre as diferentes regiões do País".

Ademais, a previsão do art. 151, inciso I, da Constituição Federal, é corolário do que determina o art. 3º, inciso III, do mesmo diploma, que estabelece ser objetivo fundamental da República Federativa do Brasil "erradicar a pobreza e a marginalização e reduzir as desigualdades sociais e regionais".

O princípio consistente na redução das desigualdades sociais encontra-se insculpido também no art. 170, inciso VII,6da Constituição Federal, inserindo-o no capítulo concernente à Ordem Econômica.

Pelo art. 151, inciso I, da Carta Magna, o Constituinte sopesou dois princípios que devem permear a função do legislador ordinário: o princípio da isonomia dos entes políticos e o da redução das desigualdades regionais. De fato, estabeleceu-se que os benefícios fiscais diferenciados, que acabam por mitigar o princípio da isonomia dos entes públicos, somente serão admitidos quando visarem a atender o segundo princípio, em estrita observância aos arts. 3º, inciso III, e 170, inciso VII.

Portanto, a concessão de incentivos fiscais pela União, diferenciados em relação aos Estados, Distrito Federal e Municípios, justifica-se se e somente se o seu objetivo for promover o equilíbrio do desenvolvimento socioeconômico entre as diferentes regiões do País.

Infere-se que a interpretação compatível com o elemento finalístico da norma conces-siva de incentivo fiscal regional é vinculante. Isto porque, a finalidade das normas jurídicas é fundamental para a definição de seu conteúdo, mas, especialmente, porque o art. 151, inciso I, da Constituição Federal, determina que o tratamento diferenciado de Estados, do Distrito Federal ou dos Municípios, será

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aceito apenas se tais benefícios tiverem por finalidade o desenvolvimento de determinada região. É o que ocorre na hipótese.

De acordo com a Exposição de Motivos da Medida Provisória n. 2.058/2000, que deu origem à Medida Provisória n. 2.199-14/2001, os benefícios fiscais de que tratam este diploma são incentivos regionais, que visam "à minimização dos graves desequilíbrios inter-regionais existentes no País". Não se trata, pois, de mera opinião doutrinária, mas de determinação normativa e justificativa da adoção de tratamento diferenciado aos contribuintes localizados na região indicada e que satisfaçam determinadas condições.

Por decorrência lógica, a Medida Provisória n. 2.199-14/2001 não pode se dissociar da sua finalidade, qual seja, resultar efetivamente em instrumento para redução das desigualdades de uma região específica. Esta região específica é a definida pela Medida Provisória n. 2.156-5/2001.

Portanto, o limite de aplicação espacial dessa norma deverá ser definido em função da região merecedora de uma Política de Desenvolvimento Regional. Este é o critério decisivo. Até porque o "mapa" (a definição legal da topografia abrangida) não é o território (a base fática da aplicação do incentivo). Área de atuação dos incentivos fiscais regionais é, pois, a área que o seu regime jurídico diz que é. O critério jurídico é, sob esse aspecto, formal. Sem normas jurídicas não há regime jurídico aplicável à circunscrição territorial dos incentivos fiscais.

Nessa linha, importante reiterar que o art. 1º, da Medida Provisória n. 2.199-14/2001, determina que os benefícios fiscais ali tratados serão concedidos a projetos localizados na área da extinta SUDENE. O que então, afinal, deve se entender por "área de atuação da extinta SUDENE"?

A área de atuação da extinta SUDENE sempre compreendeu a área definida pela lei como sendo a beneficiária do Plano de Desenvolvimento Regional do Nordeste. Este é precisamente o ponto de interseção que orientou o conhecimento da abrangência de atuação do órgão, não obstante inúmeras mutações geográficas quanto à sua competência, que foram se alternando ao longo dos anos. Em outras palavras, "área de atuação da extinta SUDENE", apesar de sofrer, ao longo do tempo, variações geográficas/territoriais, teve sempre um e único conteúdo semântico: área...

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