Benefícios Assistenciais e Geração de Renda por Meio do Trabalho: Reflexões Preliminares

AutorFátima Regina de Saboya Salgado
Páginas92-99

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Introdução

A grande demanda por benefícios assistenciais, em face da crise financeira que atingiu o mundo em 2008, foi o que levou a pesquisar sobre o tema proposto, bem como sobre as formas de amenizar o impacto econômico decorrente das necessárias concessões de tais benefícios. O pós-guerra fez surgir o estado de bem-estar social, tendo por fundamento as catástrofes sociais advindas daquele período. Nos dias atuais, não persiste o mesmo fundamento bélico, mas não pairam dúvidas de que a ausência de fronteiras econômicas gerou um contingente de pessoas em situação de carência social que demanda a participação do Estado. O valor despendido pelo poder público para pagamento de benefícios assistenciais às pessoas que não dispõem de renda mínima para sobrevivência é tão alto que faz voltar à discussão o tema da manutenção, unicamente pelo poder público, do estado de bem-estar social, abordando-se aqui apenas a parte referente à concessão de benefícios assistenciais.

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A vida em sociedade baseia-se em um contrato social que tem como pressuposto o equilíbrio entre direitos e deveres por parte de seus cidadãos. O pacto social idealizado por Rousseau1 prevê "a alienação total de cada associado, com todos os seus direitos, em favor de toda a comunidade". Assim é que toda a sociedade tem o dever de participar da busca de soluções para a redução de desigualdades sociais, de acordo com suas possibilidades. Nesse sentido é que se insere o dever público (de toda a sociedade, em última análise) de prestar auxílio a quem necessita de recursos mínimos para sobreviver. Em contrapartida, e considerando a existência de direitos e deveres recíprocos, a mesma sociedade tem o direito de ver tais beneficiários envolvidos na busca de soluções para a redução das desigualdades próprias e alheias. Olhando-se a mesma questão sob o ângulo dos beneficiários, esses têm o direito a receber do poder público prestações que lhes permitam sobreviver, ao mesmo tempo em que têm o dever de participar, dentro de suas possibilidades, da solução de tais problemas que afiigem não só a si mas também a outros beneficiários.

É, portanto, nesse contexto de pressão econômica e social que tem início este trabalho de investigação, que se desenvolve em relação à análise das legislações de Espanha e Brasil no tocante aos benefícios assistenciais/sociais existentes e suas práticas atuais. Esta investigação servirá como preparação para o desenvolvimento de tese relacionada à necessidade, ou não, de se exigir retribuição aos benefícios assistenciais/sociais temporariamente concedidos pelo Estado aos cidadãos capazes em situação de carência. Tal retribuição seria cabível sempre que os beneficiários se mostrem aptos a retribuir a percepção daqueles benefícios por meio do trabalho, assim considerado o trabalho decente, digno, que promova o crescimento pessoal e a solidariedade humana ao devolver à sociedade o benefício dela recebido. Isso porque é a sociedade, em última análise, quem paga os impostos que custearão os benefícios assistenciais.

O objetivo da presente investigação é, portanto, analisar as Constituições de Brasil e Espanha, relacionando-as à exigência de concessão de benefícios assistenciais que representem mínimos de sobrevivência. Objetiva-se, ainda, verificar se as Constituições analisadas permitem que se exija contrapartida do beneficiário, na forma de trabalho.

Para a investigação serão analisados os princípios relacionados à dignidade humana, à solidariedade e ao trabalho contidos em ambas as Constituições, bem como legislações infraconstitucionais relacionadas ao mesmo tema, além da doutrina brasileira e espanhola que diga respeito à temática dos benefícios mínimos de sobrevivência confrontando-as com os princípios constitucionais acima.

A análise dos antecedentes constitucionais de Brasil e Espanha no tocante ao trabalho revela sua valorização sob o ponto de vista constitucional, a começar pelos princípios fundamentais relacionados ao trabalho e à dignidade que o trabalho pode proporcionar à pessoa humana. Os aspectos constitucionais analisados permitem

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reconhecer que o trabalho deve ser visto como fator de distribuição de renda, agregando a aquisição de novas competências e tornando visível para a sociedade a qualificação do trabalhador, de forma a potencializar sua reinserção no mercado de trabalho, além de promover a igualdade real, para além da igualdade formal destacada nos textos constitucionais.

Ao final da investigação serão apresentadas algumas considerações de ordem prática que, espera-se, sejam a semente para se repensar a atual política de concessão de benefícios assistenciais.

O trabalho na visão constitucional

ConsideraçÕes gerais

Uma das consequências da crise econômica que atingiu o mundo em 2008 foi o aumento expressivo do contingente de desempregados. Até então o índice de desemprego na Espanha era de 9,63% no 1º trimestre de 2008, chegando a 26,26% no 2º trimestre de 2013. No Brasil a variação não foi significativa, mas isso tem sua explicação: a Espanha passava por um crescente aquecimento de seu mercado, principalmente o da construção civil, o que não ocorria então no Brasil. Quanto mais desenvolvido o país mais foi ele afetado pela crise. Isso se explica porque, antes dela, era grande o aporte de investimentos e, consequentemente, menor o índice de desemprego, em razão do crescimento econômico. Após, os investimentos decresceram ou foram cancelados, resultando num...

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