Benefícios Acidentários e Procedimento Administrativo

AutorFrancisco Rossal de Araújo - Fernando Rubin
CargoJuiz do Trabalho/TRT-4a. Região. Mestre em Direito Público/UFRGS - Advogado/RS. Mestre em Processo Civil pela UFRGS
Páginas13-23

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O estudo dos processos e procedimentos relacionados a acidentes de trabalho deve ser iniciado pela análise da estrutura administrativa de requerimento dos benefícios previstos em lei.

Isto porque muitas das provas utilizadas em processos contra a empresa empregadora, as seguradoras privadas e o próprio órgão previdenciário decorrem de informações documentais vindas do procedimento administrativo - levando-se, inclusive, em conta que especialmente para a demanda acidentária contra o INSS pode-se fazer imprescindível a negativa da solicitação na via administrativa.

Eis a razão do estudo que se projeta nas linhas seguintes, em que devem ser apresentadas as hipóteses de percepção dos benefícios acidentários (auxílio-doença, auxílio-acidente e aposentadoria por invalidez), o momento de utilização de serviço da Previdência Social denominado Reabilitação Profissional e as

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circunstâncias em que passa a ser viável o ingresso judicial para requerimento de prestação vinculada à perda de capacidade laboral do obreiro.

  1. Ocorrendo um acidente no trabalho (acidente típico, doença ocupacional) ou no trajeto para o trabalho (acidente in itinere) é possível que o trabalhador (celetista1) necessite de um maior período de afastamento para recuperação adequada do quadro infortunístico2.

    Nesse caso, deverá permanecer afastado de suas atividades habituais por mais de quinze dias - pequeno período esse em que cabe ao empregador o ônus de arcar com a remuneração do obreiro, mesmo que não haja prestação de serviço3. A partir do 16° dia de afastamento, cabe ao órgão previdenciário (INSS) conceder benefício aci-dentário ao empregado lesionado, realizando perícias de rotina para avaliar o desenvolvimento do quadro clínico e as perspectivas de retorno do acidentado ao mercado de trabalho, para a prática da mesma atividade profissional ou para outra compatível com as suas atuais limitações funcionais4.

    Permanecendo o obreiro por mais de quinze dias afastado do trabalho, será determinada pelo INSS a concessão de um benefício provisório - o auxílio-doença, sendo realmente improvável que se faça a opção imediata pela concessão de um benefício de natureza definitiva - o auxílio-acidente ou até mesmo a aposentadoria por invalidez. Em casos acidentários mais graves, é de praxe a concessão pelo INSS de certo período para análise das peculiaridades do problema de saúde (quando mantido o segurado em benefício provisório), para um posterior encaminhamento da melhor solução definitiva (quando então cogitada a possibilidade de transformação do benefício provisório em definitivo).

  2. O requerimento de benefício acidentário, como aludido a partir do 16° dia de afastamento, deve ser feito junto à agência do INSS, sendo comum que o empregador tenha estrutura interna capaz de intermediar a relação segurado/ órgão previdenciário, auxiliando nesse primeiro contato com a autarquia federal para fins de afastamento do trabalhador por prazo indeterminado do ambiente de trabalho. Por certo, não é possível qualquer participação do poder judiciário em estágio anterior à negativa de benefício na via administrativa, devendo ser oportunizado que perícia, a cargo dos médicos do INSS, avalie primeiramente a condição de saúde do trabalhador e se manifeste sobre os dois grandes objetos de questionamento: a extensão da incapacidade contemporânea (concluindo se o segurado está ou não inapto para o trabalho ao tempo da perícia) e o nexo causal (concluindo se o problema de saúde está ou não realmente vinculado ao trabalho). A partir daí, existindo inconformidade do segurado com a decisão administrativa tomada, poder-se-ia admitir o ingresso na via judicial para discussão de lesão a direito (art. 5°, XXXV CF/88), mesmo sem o exaurimento das instâncias recur-sais administrativas (Súmula 89 STJ5).

  3. O benefício acidentário a ser requerido junto ao órgão previdenciário vem previsto na Lei de Benefícios (Lei 8.213/91) no artigo 59, in verbis: "o auxílio-doença será devido ao segurado que, havendo cumprido, quando for o caso, o período de carência exigido nesta Lei, ficar incapacitado para o seu trabalho ou para a sua ativida-de habitual por mais de 15 (quinze) dias consecutivos".

    Trata-se de benefício provisório, concedido por prazo indeterminado, mantido até que seja formada conclusão segura sobre a estabilização do quadro infortunístico. É um benefício que substitui a renda do trabalhador, tendo renda mensal inicial (RMI) de 91% do salário-benefício, razão pela qual se percebe, nesse momento, proventos um pouco abaixo daqueles auferidos "na ativa". Em sendo acidentário, o auxílio-doença leva do sistema o código 91, sendo usualmente conhecido como "B91"; diferenciando-se assim do benefício de natureza não acidentária (rectius: natureza previdenciária), o qual leva do sistema o código 31, sendo usualmente conhecido como "B31".

    O empregado conhecedor dos seus direitos sabe, desde esse momento de requerimento administrativo de benefício, quais são as importantes diferenças entre um "B91" e um "B31", e que motivam o pedido expresso para que haja a concessão do primeiro, a partir do reconhecimento da natureza acidentária do benefício provisório pleiteado. Ocorre que somente o auxílio-doença acidentário ("B91") confere um ano de estabilidade ao obreiro após retorno deste ao ambiente de trabalho, bem como somente o auxílio-doença acidentário ("B91") obriga o empregador a efetuar o depósito do FGTS na conta do empregado pelo período que ele se mantiver vinculado ao órgão previdenciário6.

    Esses dois grandes resultados autorizam, aliás, que se recorra administrativamente ou se ingresse judicialmente, de imediato, tão somente para conversão do benefício provisório previdenciário em acidentário, já que mesmo que a perícia administrativa acabe por

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    reconhecer a extensão da incapacidade (a "inaptidão"), se não reconhece a natureza acidentária da benesse (o "acidente de trabalho"), passa a trazer prejuízo de alguma ordem significativa ao empregado/ segurado7 , o que pode possibilitar, por si só, o ingresso com demanda judicial8 .

  4. Diversamente do auxílio-do-ença, o auxílio-acidente é benefício definitivo do sistema, concedido quando formada convicção de que a lesão acidentária é irreversível e irá trazer prejuízo definitivo ao obreiro, representando déficit funcional significativo, que embora não o impeça de desenvolver atividade laboral, é suficiente para diferenciá-lo de outro trabalhador sem qualquer tipo de sequela. É benefício concedido em caso de reconhecimento de invalidez parcial do trabalhador para as atividades habituais que exercia antes do evento infortunístico, estando previsto no art. 86 da Lei 8.213/91, in verbis: "O auxílio-acidente será concedido, como indenização, ao segurado quando, após consolidação das lesões decorrentes de acidente de qualquer natureza, resultarem sequelas que impliquem redução da capacidade para o trabalho que habitualmente exercia".

    Trata-se de benefício definitivo, concedido então a partir da alta do benefício provisório (au-xílio-doença) - nunca cumulável com este -, de natureza indeni-zatória, com renda mensal inicial (RMI) de 50% salário-benefício. O auxílio-acidente é benefício que excepcionalmente não substitui a renda do trabalhador, mas sim complementa a renda, podendo ser cumulado com a remuneração paga pelo empregador ao tempo de retorno do obreiro ao mercado de trabalho. Justifica-se pelo fato de o trabalhador acidentado, com incapacidade parcial para o trabalho, não ter condições de obter o mesmo rendimento/produtividade que teria caso sua capacidade de trabalho estivesse plena. Por tais razões menciona-se com frequência que tal benesse é uma espécie de indenização do sistema previ-denciário, que perdura até o momento em que o empregado venha a perceber a sua aposentadoria pelo Regime Geral de Previdência Social (deixando em definitivo o mercado de traba-lho)9.

    O auxílio-acidente, como benefício por incapacidade que é, pode ter a sua natureza acidentária ou previden-ciária: no primeiro caso leva do sistema o código 94, sendo usualmente conhecido como "B94"; diferenciando-se assim do benefício de natureza não acidentária (rectius: natureza previdenciária), o qual leva do sistema o código 36, sendo usualmente conhecido como "B36". Se o trabalhador se afasta do trabalho em razão de um acidente de trabalho típico grave (perde de segmento da mão, por ex.), normalmente deve requerer na via administrativa o benefício provisório (auxílio-doença) e após a verificação da consolidação do quadro, pode ter reconhecido pelo INSS a redução de sua capacidade de trabalho com a transformação do benefício provisório auxílio-doença acidentário ("B91") no benefício definitivo auxílio-acidente acidentário ("B94").

    No entanto, nota-se certa resistência do órgão previdenciário em determinar administrativamente a concessão do benefício definitivo (auxílio-acidente), a partir da alta do anterior benefício provisório (auxílio-doença), o que acarreta na injusta situação do trabalhador, com déficit funcional permanente, ser devolvido ao mercado de trabalho sem qualquer contrapartida do sistema, como se estivesse 100% apto para todo e qualquer labor. Certamente, tal medida vem incrementada pela falta de uma melhor estrutura do INSS para análise de todos os casos, principalmente devido ao grande número de segurados lesionados que ingressam em benefício acidentário todos os dias. Tal situação gera uma quantidade enorme de demandas judiciais, em que o trabalhador busca o legítimo benefício de caráter indeniza-tório (auxílio-acidente), que poderia com tranquilidade ter sido deferido na via administrativa10.

    Esta realidade determina que não seja exigida para o benefício definitivo (auxílio-acidente) a mesma formalidade exigida para o benefício provisório (auxílio-doença), qual seja, o prévio requerimento administrativo. A jurisprudência dos tribunais pátrios entende que, sendo notória a resistência do órgão...

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