A Baixa Constitucionalidade como Obstáculo ao Acesso à Justiça em Terrae Brasilis

AutorLenio Luiz Streck
CargoUniversidade do Vale do Rio dos Sinos, São Leopoldo, RS, Brasil
Páginas83-108
A Baixa Constitucionalidade como Obstáculo ao
Acesso à Justiça em Terrae Brasilis1
Low Constitutionality as an Obstacle to Accessing Justice in Terrae Brasilis
Lenio Luiz Streck
Universidade do Vale do Rio dos Sinos – São Leopoldo, RS, Brasil
Resumo: O presente artigo traz a análise da
baixa constitucionalidade brasileira e de como
esse fenômeno tem sido fator preponderante
para a inefetividade da Constituição e para o
não estabelecimento efetivo de um Estado De-
mocrático de Direito, apontando para os me-
canismos de acesso à justiça, como o controle
difuso ea garantia contra a baixa constituciona-
lidade. Analisa ainda a necessidade de que haja
um órgão de controle conc entrado fora da ten-
são entre os poderes e a substancialidade cons-
titucional, questões indispensáveis para a supe-
ração das crises paradigmáticas do e no Direito.
Palavras-chave: baixa constitucionalidade;
acesso à Justiça; Estado Democrático de Direito.
Abstract: This paper brings an analysis about
low Brazilian constitutionality and how this
phenomenon has been the preponderant factor
for the ineffectiveness of the Constitution and
for noneffective establishment of Rechtsstaat
(Democratic State of Law), pointing to mecha-
nisms of access to justice, for example diffuse
control, as assurance against low constitutional-
ity. This paper analyzes the necessity of organ
of control centered outside the tension between
the powers and the constitutional substantiality,
indispensable questions for overcoming para-
digmatic crisis of and in the Law.
Keywords: low constitutionality; acessing Jus-
tice; Democratic State of Law.
1 O Que é Isto – a Baixa Constitucionalidade?
De há muito se detectou um fenômeno em terrae brasilis, decorren-
te, dentre outros aspectos, de uma compreensão do novo com os olhos do
passado. Com o advento da Constituição de 1988, o que se viu foi uma
1 Recebido em: 11/6/2014
Revisado em: 25/8/2014
Aprovado em: 8/9/2014
Doi: http://dx.doi.org/10.5007/2177-7055.2014v35n69p83
84 Seqüência (Florianópolis), n. 69, p. 83-108, dez. 2014
A Baixa Constitucionalidade como Obstáculo ao Acesso à Justiça em Terrae Brasilis
ode ao novel texto constitucional. Contudo, de um modo geral, tanto a
teoria do direito quanto as práticas judiciárias não esta(va)m preparadas
para as diversas rupturas paradigmáticas por ela estabelecidas.
Com efeito, a crise que fustiga o Direito – que, sem dúvida, causa
(ou deveria causar) um mal-estar na comunidade jurídica preocupada com
o Direito como fator de transformação social – restou obnubilada por um
imaginário dogmático refém de um sentido comum teórico2 que acaba por
ofuscar o sentido da Constituição (compreendida no seu papel constitui-
dor, dirigente e compromissário). (WARAT, 1994)
Esse senso comum sustenta(va) que vigência é “igual” à validade
e que texto é “igual” à norma,3 como se um texto carregasse consigo um
sentido próprio, em si (imanente), e que restasse ao intérprete a singela
2 Warat (1994), além de cunhar a expressão senso comum teórico dos juristas, foi
quem melhor trabalhou a relação dos juristas – inseridos numa espécie de “corpus de
representações” – com a dogmática jurídica e a lei em suas práticas cotidianas. Desde
seus primeiros escritos, Warat desvelou as máscaras do “óbvio”, mostrando/denunciando,
no âmbito da teoria do direito, que as “obviedades, certezas e verdades” transmitidas
pela dogmática jurídica não passam de construções retórico-ideológicas. Não que todo
o discurso dogmático-jurídico seja ideológico, mas parcela considerável o é, na medida
HPTXHVHFRQVWLWXL HPXPHVSDoRVLPEyOLFR GH³UHWDOLDo}HVGLVFXUVLYDV´³MXVWL¿FDo}HV
DG KRF´ H ³QHRVVR¿VPL]Do}HV´ QD PHGLGD HP TXH R MXULVWD TXDQGR FRQYpP LJQRUD
qualquer possibilidade de as palavras terem DNA. Como isso funciona? Renunciando ao
SUD]HUGHSHQVDU5HQXQFLDQGRjUHÀH[mR'HOHJDQGRSDUDXPDHVSpFLHGH³PRQDVWpULRGR
VDEHU´D³WDUHID´GHDWULEXLUVHQWLGRV&RP:DUDWpSRVVtYHOD¿UPDUTXHSDUDDWLQJLUHVVH
desiderato, a dogmática jurídica elabora um conceito de ideologia muito próprio, que Warat
tão bem chamou de “uma forma de paixão que pressupõe a renúncia ao prazer de pensar”,
isto é, o prazer de sentir que se pode enfrentar a realidade com respostas imprevisíveis
pela construção de um campo simbólico assumido como objeto de necessidade. Eis aí o
terreno em que se forja o senso comum teórico. A aposta na renúncia do prazer de pensar.
3 É por isto que não se pode falar, de forma simplista, em “textos jurídicos”. O texto
não existe em si mesmo. O texto — que só é na sua norma — só se complementa no
ato interpretativo. O texto como texto é inacessível, e isto é incontornável! O texto não
segura, por si mesmo, a interpretação que lhe será dada. Do texto sairá, sempre, uma
norma. Assim, concordo com Friedrich Muller quando diz que a norma é sempre o
produto da interpretação de um texto e que a norma não está contida no texto. Mas isso
QmR SRGH VLJQL¿FDU TXH KDMD XPD VHSDUDomR RX ³LQGHSHQGrQFLD´ HQWUH DPERV WH[WR
e norma). Com efeito — e permito-me insistir neste ponto —, do mesmo como não
há equivalência entre texto e norma (e entre vigência e validade), estes não subsistem

Para continuar a ler

PEÇA SUA AVALIAÇÃO

VLEX uses login cookies to provide you with a better browsing experience. If you click on 'Accept' or continue browsing this site we consider that you accept our cookie policy. ACCEPT