A atuação executiva dos direitos: perfis comparados

AutorMichele Taruffo
CargoProfessor Catedrático da Universidade de Pavia e Titular da Cátedra de Cultura Jurídica da Universidade de Girona
Páginas17-40

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1. Introdução

A discussão que nos últimos anos se desenvolveu na Itália sobre vários temas atinentes à tutela executiva, e com especial referência à atuação das obrigações de fazer, deu lugar — como é sabido — a polêmicas vivas e por vezes excessivas1. Essa se caracterizou, no entanto, por uma orientação fortemente redutiva, que se manifesta por vezes negando que exista um problema de e?cácia da tutela executiva ou a?rmando que esse pode ser resolvido exclusivamente à luz do direito vigente2, nada obstante interessantes e raras exceções3. Em geral, admite-se algum ajustamento interpretativo ou alguma tímida integração à base de exemplos trazidos, normalmente de modo casual, de ordenamentos que se supõem mais próximos ao nosso4. Daí deriva igualmente a difundida tendência de enfrentar os problemas sobre o plano da estreita técnica processual, sem levar em adequada consideração as situações substanciais carentes de tutela ou pressupondo apenas alguma abstrata catalogação de tais situações. Isso implica subtração da temática da execução de qualquer consideração em

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termos de efetividade da tutela jurisdicional dos direitos e a frequente incidência no círculo vicioso dos dogmatismos que se autojusti?cam e acabam por legitimar sempre a imutabilidade do jus conditum e das suas interpretações já e mais consolidadas5.

A substancial esterilidade dessa orientação reducionista é facilmente verificável e não existe necessidade de articular demonstrações. Parece-me, no entanto, igualmente evidente que não se pode sair da discussão do tema por meio de isolados golpes de fantasia interpretativa e que é preciso, ao invés, uma profunda remeditação, conduzida à base de métodos menos estreitos e capazes de recuperar a complexidade do problema da tutela executiva como momento essencial da tutela jurisdicional dos direitos. Para semelhante escopo, a análise comparada é essencial, desde que não se a entenda — como infelizmente ocorre normalmente por parte dos não comparatistas — como exótico adorno cultural (orpello culturale) ou como busca de “receitas prontas” a serem buscadas super?cialmente em outros ordenamentos. É necessário, ao invés, dar-se conta de que o problema da tutela executiva não se reduz ao caso crucial da ordem de reintegração ao trabalho (rein-tegrazione nel posto di lavoro), nem a disputas interpretativas a respeito do art. 612, Codice di Procedura Civile (esecuzione forzata di obblighi di fare e di non fare). É preciso, sobretudo, dar-se conta que não se trata de um problema de mera técnica processual típico do nosso ordenamento. Esse, ao contrário, constitui há tempo e representa ainda o banco de prova de todos os ordenamentos referente à capacidade dos instrumentos jurisdicionais de assegurar uma tutela e?caz dos direitos, não limitada à sua simples declaração por parte do juiz. Desse ponto de vista, trata-se de um problema de grande complexidade, porque o diferente comportamento das formas de tutela executiva retroage, por um lado, sobre a individualização das situações substanciais efetivamente tuteláveis e, por outro, é condicionado na medida em que os remédios executivos devem adaptar-se às necessidades de atuação ligadas às várias situações substanciais. Além disso, tem-se idêntica complexidade naquilo que concerne ao papel dos órgãos jurisdicionais, variando o âmbito das escolhas que o legislador reserva a si mesmo ou remete ao juiz no momento do emprego do remédio executivo no caso concreto. Ainda, é complexa a individualização das várias técnicas executivas, que não só são diferentes nos diversos sistemas, mas que atuam com diversas modalidades conforme a intensidade com que vem realizado o valor da atuação dos direitos ou vem ?xado o ponto de equilíbrio entre esse e outros valores, como o da liberdade individual ou da autonomia das escolhas econômicas privadas. Não é por acaso, portanto, que temas como esse tenham há muito tempo grande repercussão nos ordenamentos mais evoluídos e tenham constituído objeto de importantes congressos internacionais: é cada vez mais evidente, de fato, que a e?cácia da tutela jurisdicional em geral e a própria existência dos “novos direitos”, que vão enriquecendo o catálogo das situações de vantagem, estão estreitamente condicionadas pela estrutura e pela operatividade do sistema da tutela executiva.

No que concerne à riqueza e à complexidade da experiência comparada sobre o tema da tutela executiva dos direitos, essa exposição não tem e não pode ter qualquer pretensão de completude, porque esses temas demandariam, diversamente, uma análise bem ampla e aprofundada. Essa pretende, porém, absorver uma função, assaz mais modesta, de sugestões para evitar reduções estéreis e para colocar os problemas da tutela executiva na dimensão ampla e articulada que a sua importância exige.

2. A adequabilidade da execução: os sistemas de Common Law

A complexidade do problema da atuação coativa dos direitos, entendida no sentido de

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que as formas e as técnicas executivas são um aspecto do sistema da tutela, compreensível somente se se tem em conta a individualização das situações substanciais tuteláveis e dos remedies processuais a essas ligados, encontra a sua manifestação mais evidente nos ordenamentos de Common Law. Isso é facilmente constatável seja do ponto de vista histórico, seja do ponto de vista atual, dos mais recentes desenvolvimentos desses ordenamentos.

Do ponto de vista histórico, a estreita cone-xão entre determinação das situações tuteláveis, formas processuais de tutela e técnicas executivas percorre a distinção fundamental entre Common Law e equity, particulariza a decisiva evolução dessa e, nada obstante a sua abolição no plano da diversidade das jurisdições, permanece seja no contexto das situações que continuam tuteláveis at law, seja naquele em que persiste a recondução à área dos equitable remedies6.

At law, os direitos tradicionalmente tuteláveis são essencialmente os de conteúdo econômico, isto é, que se traduzem na pretensão (pretesa) a uma coisa ou ao pagamento de uma soma em dinheiro (como pretensão originária ou como pretensão substitutiva, quando, não sendo tutelável o direito com a sua speci? c performance, esse se converte no direito ao ressarcimento do dano)7. São, portanto, essas as situações tuteláveis nas formas ordinárias do processo civil de Common Law e é com base nessas situações que se constituíram as formas de execução forçada at law: são essencialmente formas de execução direta para entrega ou desocupação (consegna o rilascio) de bens móveis ou imóveis, de execução por expropriação e venda para satisfação de créditos pecuniários8. Aqui a estreita conexão entre formas de execução e natureza das situações substanciais tuteláveis aparece de modo particularmente evidente9.

Como é sabido, o rigor e os limites do sistema de Common Law criam, e justi?cam por muitos séculos, a necessidade e a relevante extensão de um sistema paralelo e complementar de tutela, que aparece sob o nome de equity. A razão essencial da equity está na oportunidade de oferecer remedies a situações não tuteláveis at law, à medida que essas situações despontem como economicamente relevantes e carentes de formas de tutela jurisdicional10. Por assim dizer, a equity nasce e expande-se com base na necessidade de dar tutela aos “novos direitos” que surgem ao longo da história, constituindo assim um potente fator de adequabilidade do sistema jurisdicional às necessidades reais de tutela.

Também os institutos da equity, portanto, são criados, aproveitando os larguíssimos poderes discricionários pertencentes à Chancery Court11, em direta conexão com as exigências

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de tutela das especí?cas situações substanciais para as quais é concedido o equitable remedy. Isso ocorre por meio de muitíssimos institutos, mas, sobretudo, mediante um instituto que tem enorme importância no que agora interessa, isto é, a injunction. Trata-se, como é sabido, de uma ordem de fazer (mandatory) ou de não fazer ou cessar um comportamento lesivo (prohibitory), que pode ter natureza cautelar ou ?nal12, mas que tem como característica proeminente a adaptabilidade, no seu conteúdo especí?co, a qualquer situação carente de tutela13. Com a injunction, o sistema da tutela dá um salto decisivo em direção à completude, porque se tornam judiciáveis (giustiziabili) todas as situações que não o eram at law14, sendo moldadas ainda à base da exigência particular de atuação que resulta do caso concreto15.

Também o problema das formas de execução vem resolvido em conexão com essas linhas evolutivas. De um lado, onde é possível individualizar situações típicas, são criadas formas executivas particulares (da execução na forma especí?ca por sub-rogação à receivership)16, idôneas para assegurar a atuação coativa do equitable decree. De outro lado, diante da extrema variabilidade de conteúdos que a injunction pode ter, constata-se a impossibilidade de criar um repertório completo de formas de execução direta. Recorre-se, então, à tradicional ideia de inherent jurisdiction17, daí derivando o instrumento coercitivo mais e?caz e mais atípico, isto é, o contempt of Court18, para então aplicá-lo aos injunctive decrees19.

Que o problema das formas de tutela executiva não pode ser considerado isoladamente nos ordenamentos de Common Law, mas deve ser compreendido em direta conexão com o problema das situações substanciais tuteláveis, é um elemento facilmente veri?cável também considerando a situação atual.

Por um lado, de fato, diferenças na evolução do sistema da execução, ou “lacunas” que nesse se encontram, derivam de limites ínsitos ao direito substancial. Assim, por exemplo, na Inglaterra não existem...

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