A discriminação na fase de admissão ao emprego: a exigência de atestado de antecedentes criminais, civis, creditícios e similares

AutorVitor Salino de Moura Eça - Rúbia Zanotelli de Alvarenga
Páginas51-67

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Introdução

Este artigo traz à baila algumas práticas impróprias e ilícitas adotadas por empresas na sua relação de poder com os trabalhadores, na fase de admissão ao emprego. Trata-se da conduta discriminatória adotada pelo empregador com vistas a inviabilizar o acesso à relação de emprego porque o candidato a emprego é ex-infrator ou porque tem o seu nome registrado em instituições privadas de proteção ao crédito.

Ressalta-se, no presente trabalho, o caráter abusivo e violador da intimidade e da dignidade do trabalhador quando a empresa restringe o acesso à relação de trabalho, quando a função a ser exercida pelo candidato ao emprego não está relacionada com o delito praticado.

Defende-se, ainda, nesta oportunidade, o caráter discriminatório da pesquisa empresarial, relativa ao atestado de antecedentes creditícios, caso seja inserido como pressuposto à contratação trabalhista.

1. A discriminação na fase de admissão ao emprego

Apesar de todas as conquistas sociais do último século, alguns direitos básicos dos cidadãos carecem de uma base mais sólida para serem incorporados pela população em geral, pelas esferas do governo e pela iniciativa privada. Um desses direitos é a garantia do acesso livre ao trabalho sem discriminação.

Segundo Gurgel (2010, p. 61), a relação de trabalho é campo fértil para a discriminação. O tomador de serviços possui a faculdade de escolher o trabalhador que irá contratar para exercer atividades conforme sua orientação, de acordo com o seu

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jus variandi. Com isso, diversas pessoas são discriminadas antes de apresentarem suas qualidades essenciais ao cargo.

A fase pré-contratual é o momento no qual mais se presencia a discriminação nas relações de trabalho, em virtude da opção de escolha que o empregador possui em relação aos candidatos ao emprego que ocuparão o posto de trabalho ofertado.

Então "não há dúvida de que o princípio da igualdade, especialmente sua vertente negativa - não discriminação -, cerceia o direito de liberdade desenvolvida sob o prisma da autonomia da vontade das partes no Direito do Trabalho" (GURGEL, 2010, p. 61).

Segundo Nascimento (2009, p. 98), a proibição de discriminar "se aplica à relação de emprego em todo o seu contexto e abrange o contrato de trabalho em todas as fases, desde a pré-contratação, vigência até a sua extinção".

O procedimento da não discriminação é consectário do princípio da igualdade. O art. 3º, IV, da Constituição Federal de 1988 assinala que é objetivo fundamental da República Federativa do Brasil promover o bem de todos, sem preconceitos de origem, raça, sexo, cor, idade e quaisquer formas de discriminação.

Discriminação é o nome que se dá para conduta, ação ou omissão em que se estabelecem diferenças que violam o direito das pessoas com base em critérios ilegítimos e injustos, tais como a raça, o sexo, a idade, a opção religiosa e sexual, entre outros. Trata-se de um tipo de conduta que vai contra o princípio fundamental de justiça e liberdade.

De acordo com Britto (2004), discriminar significa:

Distinguir negativamente, negativando o outro. É isolar, separar alguém para impor a esse alguém um conceito, uma opinião desfavorável por motivos puramente histórico-culturais, jamais lógicos, jamais racionais, por defecção, por distorção, por disfunção de mentalidade ao longo de um processo histórico cultural. E isso implica humilhação: humilhar o outro. E o humilhado se sente como que padecente de um déficit de cidadania, de dignidade, acuado pelo preconceito. O discriminado se sente como sub-raça ou subpovo ou subgente, falemos assim, sentindo-se desfalcado não do que ele tem, mas do que ele é. E a sua autoestima fica ao rés do chão.(BRITTO, 2004, p. 54)

No magistério de Delgado (2010, p. 42), o princípio da não discriminação compreende "a diretriz geral vedatória de tratamento diferenciado à pessoa em virtude de fator injustamente desqualificante".

Consoante Delgado (2010), discriminação, portanto, consiste:

[...] na conduta pela qual se nega a alguém, em função de fator injustamente desqualificante, tratamento compatível com o padrão jurídico

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assentado para a situação concreta vivenciada. O referido princípio nega validade a essa conduta discriminatória. (DELGADO, 2010, p. 43)

Relata também Delgado (2010):

A causa da discriminação reside, muitas vezes, no cru preconceito, isto é, um juízo sedimentado desqualificador de uma pessoa em virtude de sua característica, determinada externamente, e identificadora de um grupo ou segmento mais amplo de indivíduos (cor, raça, sexo, nacionalidade, riqueza, pobreza, etc.).(DELGADO, 2010, p. 775)

É imperioso observar que a proteção antidiscriminatória nas relações de trabalho erigiu dos princípios da não discriminação e da igualdade, proclamados em diversos instrumentos normativos no âmbito nacional e internacional.

Segundo Delgado (2010, p. 776), o princípio da não discriminação representa princípio de proteção, de resistência, denegatório de conduta que se considera gravemente censurável. Portanto labora sobre um piso de civilidade que se considera mínimo para a convivência entre as pessoas.

É preciso pontuar, assim, que a justiça é o reconhecimento, a defesa e a promoção da dignidade fundamental do ser humano no Direito do Trabalho.

No decorrer do exercício do seu poder diretivo, portanto, o empregador possui a obrigação de não praticar atos discriminatórios que possam ferir os direitos fundamentais do trabalhador.

1.1. A exigência de atestado de antecedentes criminais

É sabido que o ex-infrator sofre muitas sequelas em consequência de sua condenação criminal. Os presídios não possuem nenhuma infraestrutura e há uma resistência por parte da sociedade e das empresas em participar do processo de reinserção desse cidadão no mercado formal de trabalho. Por isso, os detentos costumam sair da prisão com mais problemas do que tinham antes do encarceramento.

Segundo Pastore (2011):

A disposição das empresas para contratar ex-detentos é muito pequena, mesmo se comparada com outros grupos de difícil colocação, caso dos portadores de deficiência. Neste, há preconceito. No caso de ex-detentos, há preconceito e medo. (PASTORE, 2011, p. 62)

Além disso, no Brasil, ainda não foram implementadas políticas públicas pelo Estado que sejam suficientes para propiciar a sua plena integração na vida social. O que foi desenvolvido até o momento, em termos de reinserção social do ex-infrator no mercado formal de trabalho, é o projeto "Começar de Novo", instituído pelo Conselho Nacional de Justiça em 2008.

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Conforme Pastore (2011), percebe-se que, no Brasil,

[...] domina o voluntariado, com raras exceções. Essa prática tem a vantagem de ser bem recebida pelos infratores, que veem na atitude dos voluntariados uma vontade genuína de ajudá-los a voltar à vida normal. Mas tem a desvantagem de sofrer descontinuidade e de operar em bases cientificamente limitadas. (PASTORE, 2011, p. 105)

De acordo com Pastore (2011, p. 11), a maioria dos cidadãos teme o convívio com ex-criminosos. Os egressos de presídios são geralmente vistos como pessoas não confiáveis. A resistência dos empregadores e da sociedade para reabsorver criminosos é enorme. As pessoas têm dificuldades para dar uma segunda chance a quem cometeu um delito. Ademais, os egressos dos presídios, na maioria dos casos, estão pouco preparados para entrar em uma empresa e se comportar de acordo com as regras.

Ainda consoante Pastore (2011, p. 12), é importante observar que "o trabalho produtivo é uma das medidas que mais ajudam os excluídos a reconstruir suas vidas".

De acordo com Válio (2006):

O fato de o candidato ao emprego já ter sido condenado criminalmente não afasta a presunção de que é uma pessoa que possa executar seus serviços honestamente, com até maior qualidade e eficiência do que uma pessoa que nunca tenha adentrado, na vida, em uma delegacia de polícia. (VÁLIO, 2006, p. 76)

Conforme Pastore (2011, p. 74), pesquisas demonstram que os detentos que recebem treinamento em profissões e atividades contemporâneas (digitação, programação, bancos de dados, eletrônica, projetos etc.) tendem a conseguir empregos mais bem remunerados e neles permanecer por mais tempo, o que reduz drasticamente o risco de reincidência.

Sendo assim, segundo Pastore (2011):

Quando um ex-detento não encontra formas de se sustentar, a probabilidade de reincidir é grande. A autoestima não é restabelecida, a vida fica sem atração, e a busca de um novo ilícito é tentadora. (PASTORE, 2011, p. 74)

Relata ainda Pastore (2011, p. 12) que, antes de serem condenados, os delinquentes, em sua maioria, vivem mergulhados em problemas pessoais, econômicos e sociais. O desajuste familiar e a falta de amor na infância e na adolescência são frequentes. O envolvimento com drogas acomete inúmeros infratores. Problemas de ordem mental também existem. O convívio com gangues e facções criminosas é sério agravante. O despreparo educacional e profissional é generalizado. Por isso, os ex-presidiários são duplamente deficientes, por carregarem problemas psicossociais complexos e por carecerem de instrução para o mundo do trabalho.

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Portanto o trabalho de reinserção dos ex-infratores tem de reconstruir várias dimensões de suas vidas, quais sejam: educacional, profissional, comportamental e familiar.

Existem ações que podem trazer resultados positivos no processo de reinserção do ex-infrator ao mundo do trabalho.

Eis as sugestões de Pastore (2011):

O atendimento das necessidades básicas nos primeiros dias de libertação (alimentação, moradia, higiene, locomoção etc.) revela-se crucial para evitar a reincidência e favorecer a recuperação. A oferta de emprego à altura das competências desses...

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