A assim chamada abertura material do catálogo de direitos fundamentais: uma proposta de aplicação às relações de trabalho no Brasil

AutorIngo Wolfang Sarlet - Rodrigo Goldschmid - Rodrigo Goldschmid
CargoPós-doutor e doutor em direito pela Universidade de Munique - Pós-doutorando em direito pela PUC/RS
Páginas25-42
Revista de Direitos e v. 17, n. 17, p. 25-42, de 2015.
ISSN 1982-0496
Licenciado sob uma Licença Creative Commons
Ingo Wolfang Sarlet
Pós-doutor e doutor em direito pela Universidade de Munique. Professor titular de
Faculdade de direito e dos cursos de mestrado e doutorado em direito da PUC/RS. Juiz
de direito do TJ/RS.
Rodrigo Goldschmid
Pós-doutorando em direito pela PUC/RS. Doutor em direito pela UFSC. Professor e
pesquisador do PPGD mestrado acadêmico em direito da UNOESC. Juiz do trabalho
TRT12/SC.
Resumo
O presente artigo discute o conteúdo e significado do conceito
materialmente aberto de direitos fundamentais na Constituição
Federal brasileira de 1988, verificando a possibilidade de sua
aplicação às relações de trabalho à luz de alguns exemplos extraídos
da legislação e da jurisprudência.
Palavras-chave: abertura material do catálogo - direitos
fundamentais direitos humanos relações de trabalho
Abstract
This paper discusses the content and significance of the so called
substantial openness of the fundamental rights catalogue in the
Brazilian Federal Constitution of 1988, trying to apply this concept to
the labor relations in the light of some examples obtained from
legislation and judicial precedents.
Key-words: substantial openness of the catalogue fundamental
rights human rights human rights labor relations.
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INGO WOLFANG SARLET / RODRIGO GOLDSCHMID
Revista de Direitos e v. 17, n. 17, p. 25-42, de 2015.
1. CONSIDERAÇÕES INICIAIS
Como decorrência da globalização da economia, o assim chamado fenômeno
da “flexibilização” do Direito do Trabalho1, que preconiza uma “relativização” da
proteção jurídica dispensada ao trabalhador, motivada pelo pretexto de diminuição
dos custos da produção e de viabilização de uma maior capacidade de
competitividade da empresa no cenário mundial, vem colocando em cheque uma
série de direitos fundamentais, designadamente os direitos dos trabalhadores, tudo a
desembocar numa efetiva (basta lançar o olhar sobre outras ordens jurídicas, onde
tal fenômeno já se instalou) ou potencial precarização de sua condição pessoal,
econômica e social, o que igualmente exige reflexão a respeito.
Nesse contexto, quando em muitos casos se busca reduzir o espectro de
direitos atribuídos aos trabalhadores, pode soar pelo menos ingênuo apostar na via
contrária, qual seja, a de que o elenco de direitos fundamentais consagrados pela
Constituição Federal de 1988 (doravante apenas CF) não se constitui em um rol
fechado, estanque, mas que o próprio constituinte, em vários momentos, com
destaque para o artigo 5º, § 2º, mas também mediante o previsto nos artigos 6º e ,
caput, da CF, assegurou a expansividade do catálogo constitucional de direitos, que
não podem ser limitados àqueles expressamente enunciados pelo constituinte.
Por evidente que uma maior amplitude do catálogo constitucional de direitos
não é, por si só, algo que possa constituir intransponível embaraço para eventual
restrição do âmbito de proteção de algum direito fundamental, pois os direitos não
são absolutos, no sentido de absolutamente imunes em regra a limites e
restrições. Mas também resulta sustentável o entendimento de que a inclusão de um
direito não expressamente positivado no Título II da CF (incluindo, portanto, os
direitos fundamentais dos trabalhadores), reconhecendo-lhe a condição de um
autêntico direito fundamental, o torna mais robusto em face de eventuais medidas
“flexibilizadoras” (para usar o termo da moda), já que os direitos fundamentais são
dotados de um regime jurídico qualificado, no sentido de reforçado por um conjunto
expresso e implícito de garantias.
Assim, após uma discussão mais geral (teórico-dogmática) do problema da
abertura material do catálogo na CF na seara dos direitos fundamentais dos
trabalhadores, buscar-se-á, na última parte, ilustrar a questão mediante recurso a
exemplos extraídos das relações de trabalho e conectados aos direitos fundamentais
dos trabalhadores, com destaque para casos que envolvem a aplicação de
Convenções da Organização Internacional do Trabalho - OIT (férias e cumulatividade
de adicionais) e de normas internas infraconstitucionais (responsabilidade civil
objetiva, preconizada no código civil, e da garantia de emprego ao trabalhador doente
ou acidentado no trabalho, prevista na Lei 8.213/91).
2. OS DIREITOS FUNDAMENTAIS DOS TRABALHADORES E A ABERTURA
MATERIAL DO CATÁLOGO CONSTITUCIONAL (artigos 5°, § 2° e,
caput, CF)
1 Segundo Goldschmidt (2009, p. 129), flexibilização do Direito do Trabalho é: “[...] o movimento
impulsionado pela ideologia neoliberal, que pretende suprimir ou relativizar as normas jurídicas que
garantem a proteção do empregado na relação contratual com o seu empregador, com vistas a
'baratear' a mão-de-obra e o 'custo' da produção, viabilizando, pretensamente, a competitividade das
empresas no mercado globalizado”.

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