Assédio Moral Organizacional

AutorRúbia Zanotelli de Alvarenga
Ocupação do AutorMestre e Doutora em Direito do Trabalho pela PUC Minas
Páginas157-168

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Introdução

Este artigo traz à baila algumas práticas impróprias e ilegais adotadas por empresas na sua relação de poder com os empregados que configuram o assédio moral organizacional, além de estabelecer as distinções pertinentes relativas aos tipos ou formas de assédio moral e a Síndrome de Burnout.

Ressalta-se, no presente trabalho, o caráter abusivo e violador da dignidade do empregado pelo empregador e o estabelecimento de proibições ou de limitações para o tempo de uso do banheiro. Questiona-se, por óbvio, a validade e a legalidade de tais práticas erigidas pelo empregador no que tange ao respeito e à inviolabilidade dos direitos básicos do empregado com base na proteção à dignidade humana resguardada pela Constituição Federal de 1988.

Defende-se, ainda, nesta oportunidade, o instituto da inversão do ônus da prova quando o trabalhador se encontrar em real dificuldade para demonstrar o dano moral sofrido em decorrência da prática de assédio moral, seja ele individual ou organizacional.

1. Assédio moral organizacional

Além do assédio moral individual, que tem como objetivo a exclusão da vítima do mundo do trabalho, discriminando-a perante o grupo, há também o assédio moral denominado organizacional. Este último tem por objetivo a sujeição de um grupo de trabalhadores às agressivas políticas mercantilistas da empresa por meio do estabelecimento abusivo de metas.

A moderna organização do trabalho tem como objetivo a instauração do mercado globalizado, através da competitividade e de grandes resultados a baixos custos. A reestruturação e reorganização do trabalho fizeram com que o trabalhador se adequasse a novas características, ou seja: qualificação, polivalência funcional, visão sistêmica do processo produtivo, autonomia e flexibilização, entre outras. Nessa nova perspectiva filha da globalização, exigem-se do trabalhador maior escolaridade, competência, eficiência, competitividade, criatividade, tudo com o objetivo de produzir mais e com o menor custo possível.

Dessa forma, o trabalhador atual está submetido a um ambiente laboral com características completamente competitivas, obrigando-os a também se tornarem muito competitivos, sob pena de não se desenvolverem no local de trabalho.

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De acordo com Alkimin (2011):

No interior das organizações do trabalho, constantemente, são implantadas novas políticas de gestão dos fatores produção-trabalho, para ajustamento ao mercado competitivo que demanda maior produtividade, com grande qualidade, rapidez, pronto atendimento e baixo custo, exigindo do trabalhador, nem mercado de escassez de trabalho formal e pleno emprego, capacidade técnico-profissional e grande empenho para adaptação às reestruturações produtivas e organizativas, inclusive no que tange às mudanças e inovações introduzidas por medidas flexibilizadoras das condições de trabalho (ALKIMIN, 2011. p. 69).

O assédio moral organizacional compreende, assim, um conjunto sistemático de práticas reiteradas, provindas dos métodos de gestão empresarial, que tem por finalidade atingir determinados objetivos empresariais relativos ao aumento de produtividade e à diminuição do custo do trabalho, por meio de pressões, humilhações e constrangimentos aos trabalhadores na empresa.

Diante das novas formas de gestão administrativa ou de reestruturação produtiva advindas dos efeitos da globalização na organização produtiva e do trabalho, as empresas precisam se reestruturar para adotarem padrões internacionais de qualidade a fim de enfrentar a competitividade e a lucratividade. Por isso, vivencia-se hodiernamente a era do controle da qualidade total. E o resultado disso é a busca cada vez mais desordenada de obtenção do lucro, que acontece através do estabelecimento de metas, por sua vez, abusivas.

Conforme as palavras de Cavalcante e Jorge Neto (2011): “A globalização, com base em novas técnicas de seleção, inserção e avaliação do indivíduo no trabalho, fez uma reestruturação nas relações do trabalho”.

Também concorde Cavalcante e Jorge Neto (2011): “O novo paradigma é o ‘sujeito produtivo’, ou seja, o trabalhador que ultrapassa metas, deixando de lado a sua dor ou a de terceiro. É a valorização do individualismo em detrimento do grupo de trabalho”. E mais:

A valorização do trabalho em equipe assume um valor secundário, já que a premiação pelo desempenho é só para alguns trabalhado- res, ou seja, os que atingem as metas estabelecidas, esquecendo-se que o grupo também é o responsável pelos resultados da empresa. O individualismo exacerbado reduz as relações afetivas e sociais no local de trabalho, gerando uma série de atritos, não só entre as chefias e os subordinados, como também entre os próprios subordinados. O implemento de metas, sem critérios de bom-senso ou de razoabilidade, gera uma constante opressão no ambiente de trabalho, com a sua transmissão para os gerentes, líderes, encarregados e os demais trabalhadores que compõem um determinado grupo de trabalho (CAVALCANTE; JORGE NETO, 2011).

Não obstante a opinião de Cavalcante e Jorge Neto (2011), é sabido que o mundo do trabalho hoje também valoriza ações e dinâmicas coletivas criando grupos de trabalho nas empresas para a realização de tarefas específicas. Entretanto, mesmo nesses grupos de trabalho, ou entre eles, podem surgir práticas de assédio moral organizacional dirigidas a uma única pessoa ou a um grupo de pessoas.

Vale registrar a decisão proferida pelo Tribunal Regional do Trabalho da 5ª Região sobre assédio moral organizativo, veja-se:

ASSÉDIO MORAL ORGANIZACIONAL. CARACTERIZAçãO. POSSIBILIDADE DE RESSARCIMENTO DE DANO CAUSADO AO EMPREGADO. O assédio moral organizacional caracteriza-se pelo emprego de “condutas abusivas, de qualquer natureza, exercida de forma sistemática durante certo tempo, em decorrência de uma relação de trabalho, e que resulte no vexame, humilhação, constrangimento de uma ou mais vítimas com a finalidade de se obter o engajamento subjetivo de todo o grupo às políticas e metas da administração, por meio de ofensa aos seus direitos fundamentais, podendo resultar em danos morais, físicos e psíquicos”, os quais podem ser objeto de reparação em virtude da responsabilidade social atribuída às empresas, a partir da função social ostentada no art. 170 da Constituição. A desumanização das relações de trabalho está impregnada dos valores organizacionais brasileiros. ESTRATÉGIAS DE VENDAS. PARTICIPAçãO DO EMPREGADO EM COMPETIçãO DE PAINT BALL E USO DE BóTONS COLORIDOS PARA IDENTIFICAR O ATINGIMENTO DE METAS ESTABELECIDAS NA EMPRESA. LIMITES AO

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PODER DIRETIVO DO EMPREGADOR. AUSêNCIA DE POSSIBILIDADE DE RECUSA. DANO MORAL CARACTERIZADO. As modernas estratégias de venda adotadas pelas empresas com a finalidade de identificar as reações das pessoas diante de imprevistos não podem deixar de lado as individualidades de cada um e até mesmo as fobias que podem decorrer da participação compulsória, capaz de produzir lesões psíquicas de natureza grave. Atualmente, estudos na área de Psicologia e Neurociências comprovam a possibilidade de ocorrência de lesão física produzida por agentes psíquicos, sobretudo no que toca ao estresse crônico, capaz de produzir danos irreversíveis no sistema imunológico do indivíduo (BAHIA, 2009).

De acordo com Gênova (2009), os velhos processos produtivos (fordismo/toyotismo) estão sendo substituídos por outros processos de produção (neofordismo/neotoyotismo), em que novas sistemáticas de trabalho emergem, no cronômetro e na produção em série e de massa, constando uma substituição pela flexibilização na produção, pela especialização flexível, por novos padrões de busca de produtividade, por formas de adequação da produção à lógica do mercado.

Em razão disso, as empresas procuram se intensificar, no âmbito organizacional, por meio da terceirização, da redução de encargos trabalhistas e previdenciários e pela busca incessante da produtividade através da mão de obra que vem se tornando cada vez mais barata e exigente. Não basta que as empresas de grande porte fiquem mais enxutas e que aumentem a sua produtividade, é necessário que o operário seja qualificado, executor de inúmeras tarefas e integrado ao núcleo de pessoas.

Para Gênova (2009), como consequência dessas novas formas de gestão:

O polivalente operário defronta em pleno século xxI com o intenso ritmo de trabalho gerado pelos novos sistemas ou novas formas de gestões. Essa intensidade de trabalho, as grandes mudanças e a forte pressão são fatores determinantes para o esgotamento físico e psicológico (GêNOVA, 2009. p. 40).

Ainda consoante Gênova (2009), em razão disso, a reestruturação produtiva reduz emprego e ainda causa inúmeras doenças em virtude do excesso de trabalho exigido pelas empresas.

Consoante ensina Alkimin (2009), a moderna organização do trabalho centrada no ideário capita-lista e liberal aliada à nova política de concorrência e de competitividade que norteia o mundo globalizado impõe a busca da produtividade à custa do sacrifício da mão de obra humana, exigindo do trabalhador alta produtividade, resistência às mudanças, polivalência e multifuncionalidade. Esses fatores tornam o ambiente de trabalho propenso às práticas degradantes, humilhantes e exploradoras. Portanto, com o novo modo de produção capitalista, cobram-se maior produção, melhores resultados, maior eficiência, mais comprometimento, maiores responsabilidades, mesmo que a saúde física e mental no ambiente de trabalho não seja respeitada.

Segundo Candido (2011):

O trabalhador passou a ser um instrumento de uso. Ficou relegado a um segundo plano o caráter humano. Sem maiores óbices, construiu-se uma postura de exigências excessivas, por parte daquele que detém o poder e o capital, instalando-se uma...

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