Aspectos Gerais sobre as Ações Regressivas Acidentárias Propostas pelo INSS e sua Recepção pelo Poder Judiciário

AutorAlberto Silva Santos
Páginas21-44

Page 21

Introdução

Este artigo tem a intenção de apresentar ao leitor a ação regressiva movida pelo Instituto Nacional do Seguro Social - INSS - em face de empregadores visando ao ressarcimento por estes das prestações previdenciárias pagas pelo INSS em favor de trabalhadores segurados ou dependentes de segurados, cuja prestação tenha origem em acidente de trabalho ocorrido por inobservância, por parte dos empregadores de tais segurados, quanto às normas de saúde, segurança e higiene do trabalho.

Para tanto, discorremos sobre o conceito e o objeto das ações regressivas previdenciárias, bem como seus fundamentos jurídicos em nível constitucional, infraconstitucional e regulamentar, com o intuito de abordar as principais discussões acerca do tema no âmbito do Judiciário, tais como a competência para o julgamento da causa e a possibilidade do exercício do direito de regresso pelo INSS tendo em conta o Seguro sobre Acidentes de Trabalho - SAT.

Ao flnal, procura demonstrar o caráter positivo das ações regressivas não apenas desde a perspectiva do ressarcimento ao erário, imprescindível para a manutenção do equilíbrio flnanceiro e atuarial do sistema previdenciário administrado pelo Regime Geral de Previdência Social - RGPS -, mas também, sobremaneira, analisar o caráter pedagógico de referidas ações que, em conjunto com outras iniciativas tanto públicas quanto privadas, constituem-se num incremento nas ferramentas das quais o Estado pode lançar mão para incentivar os empregadores a atender corretamente às normas de saúde, segurança e higiene no trabalho.

1. O Direito de Regresso do INSS

O Instituto Nacional do Seguro Social - INSS1 - é a Autarquia Federal responsável pela administração, análise, concessão e pagamento e/ou implemento das prestações previdenciárias previstas na Lei n. 8.213, de 1991, que trata do Regime Geral de Previdência Social - RGPS. Editada para atender aos comandos

Page 22

constitucionais que tratam da Previdência Social quanto ao tema do RGPS, a Lei n. 8.213/91 estabelece as modalidades de prestações previdenciárias a serem administradas pelo INSS, seus requisitos legais, bem como dispõe sobre os beneflciários de referidas prestações, os quais se dividem em segurados - o próprio trabalhador -, ou mesmo o segurado facultativo, bem como também são considerados beneflciários da previdência social os dependentes dos referidos segurados.

A Lei n. 8.213/91 dispõe nos seus arts. 19 a 23 sobre o conceito de acidente de trabalho e a respeito da operacionalização no âmbito previdenciário de seu reconhecimento e das prestações previdenciárias devidas na hipótese de seu advento2.

Page 23

Uma vez que o segurado cumpre com os requisitos previstos na legislação para a fruição de um benefício previdenciário, surge para ele o direito de postular tal prestação perante o INSS. Em alguns casos, entretanto, o benefício previdenciário

Page 24

não será postulado pelo próprio segurado, mas, sim, por seus dependentes legais, como no caso da pensão por morte, em que o segurado falecido é qualiflcado como instituidor da pensão por morte em favor de seus dependentes. Neste caso, tal pensão será paga pela Previdência Social por meio do INSS.

A Previdência Social tem que dar conta das contingências que o trabalhador poderá experimentar no curso de sua vida laboral e contributiva, atendendo eventos como afastamento do trabalho por motivo de enfermidade, quando poderá ser pago pela previdência em favor do trabalhador segurado um benefício de auxílio-doença até que este venha a recuperar sua capacidade laborativa, bem como nos casos de idade avançada, quando se cogita da concessão de aposentadoria por idade em favor do mesmo.

Ocorre que as condições para o implemento das prestações previdenciárias ou são planejadas, como no caso das aposentadorias por idade e por tempo de contribuição, ou são tais condições, a princípio, inesperadas, como nos casos de enfermidade ou mesmo óbito.

Em situações ordinárias, o segurado planeja seu benefício durante sua vida laboral, o que se observa nos casos de aposentadorias por idade e aposentadorias por tempo de contribuição. Contudo, há riscos ordinários decorrentes do simples fato de viver que podem fazer o trabalhador necessitar de períodos de afastamento de suas atividades laborativas. O Seguro Social, então, entra em cena provendo a manutenção desse trabalhador por meio da concessão de benefícios previdenciários para que possa se recuperar para voltar ao exercício de suas atividades, ou mesmo em casos de óbito, quando o Seguro Social provê a manutenção de seus dependentes. Embora situações como afastamento por doenças, acidentes ou mesmo óbito não tenham, a princípio, como ser previstas para o caso individual de cada trabalhador, a Previdência Social compreende os riscos do advento de tais eventos, adequando seu equilíbrio flnanceiro e atuarial para que o erário dê conta de promover o implemento e a manutenção das prestações previdenciárias na forma da legislação respectiva, quer seja daquelas previamente programadas pelo segurado, como as aposentadorias por idade e tempo de contribuição, quer seja nos casos das aposentadorias por invalidez, auxílio-doença, pensões, morte etc., nos quais não há como prever se serão ou não implementados os eventos, considerando-se que sequer podem ocorrer durante a vida do segurado.

Portanto, é evidente que o equilíbrio flnanceiro e atuarial da Previdência Social resta assegurado para os casos em que não se veriflca o intuito deliberado do segurado em atribuir à Previdência Social a concessão extraordinária de uma prestação previdenciária, como referido. A concessão ordinária dos benefícios previdenciários resta prevista na legislação, quer seja quando o segurado planeja sua aposentadoria por idade ou por tempo de contribuição e já o faz vislumbrando contribuir durante sua vida laborativa para atender no futuro aos requisitos legais para tanto, ou quando por algum fator imprevisto - por exemplo, vítima de enfermidades, causadas por

Page 25

agentes químicos, físicos ou biológicos. Ainda assim, tais prestações entram no cômputo do cálculo financeiro e atuarial previdenciário, já que se presume que tais acontecimentos poderão, mais cedo ou mais tarde, vir a acontecer, ainda que a atuação do segurado e/ou de seu empregador seja a mais diligente possível. Em outras palavras, os afastamentos por conta de acidentes, enfermidades ou óbitos poderão se dar à revelia da vontade direta ou indireta do próprio segurado e de seu empregador, não obstante todas as providências e diligências terem sido tomadas para evitá-los; tais diligências, contudo, têm o potencial de diminuir signiflcativamente a ocorrência das contingências que implicam a concessão daquelas já citadas prestações previdenciárias.

O tema das ações regressivas promovidas pelo INSS em face dos empregadores surge quando o pagamento de uma prestação previdenciária se torna devido por conta de uma conduta ilícita daqueles que têm o dever de agir de acordo com a legislação e não o fazem, gerando ou mesmo aumentando deliberadamente os riscos no exercício da atividade laborativa, culminando com a ocorrência do acidente de trabalho - fato gerador da prestação previdenciária acidentária. Nessas situações, em vez de pagar um benefício previdenciário dentro daquelas situações ordinárias previstas pelo legislador, o INSS acaba por ter que arcar com o ônus do pagamento de prestações previdenciárias oriundas de fatos geradores extraordinários, uma vez que estes têm origem em atos ilícitos que se deram por conta da inobservância pelo empregador das normas de saúde e segurança do trabalho, ensejando situações que escapam à previsibilidade ordinária para a qual fora, primeiro, desenhada toda a lógica de custeio, concessão e manutenção dos benefícios da previdência social. Dessa forma, abala não só seu equilíbrio flnanceiro e atuarial, mas faz que a Previdência arque com uma prestação previdenciária, a qual não deveria existir, caso tivessem sido tomadas as previdências legais para o afastamento/neutralização/prevenção dos riscos que implicaram a ocorrência do acidente de trabalho que culminou com a concessão do benefício ao obreiro ou aos seus dependentes. Daí falar-se na necessidade de se recompor referido equilíbrio flnanceiro e atuarial por meio do exercício da via de regresso em face daquele que fora responsável pela ocorrência do fato gerador do benefício.

Os fundamentos legais da ação regressiva (acidentária) previdenciária

A pretensão indenizatória por conta dos prejuízos experimentados em decorrência de ato ilícitos emerge para qualquer pessoa, física ou jurídica, conforme veriflca-se na regra geral do art. 927 do Código Civil:

Art. 927. Aquele que, por ato ilícito (arts. 186 e 187), causar dano a outrem, flca obrigado a repará-lo.

Parágrafo único. Haverá obrigação de reparar o dano, independentemente de culpa, nos casos especiflcados em lei, ou quando a atividade normalmente desenvolvida pelo autor do dano implicar, por sua natureza, risco para os direitos de outrem. (BRASIL, 2002)

Page 26

O próprio art. 927 do Código Civil brasileiro já faz menção aos arts. 186 e 187 do mesmo diploma legal com relação à deflnição de ato ilícito:

Art. 186. Aquele que, por ação ou omissão voluntária, negligência ou imprudência, violar direito e causar dano a outrem, ainda que exclusivamente moral, comete ato ilícito.

Art. 187. Também comete ato ilícito o titular de um direito que, ao exercê-lo, excede manifestamente os limites impostos pelo seu flm econômico ou social, pela boa-fé ou pelos bons costumes.

(BRASIL, 2002)

De se ver que a leitura conjunta dos dispositivos do Código Civil brasileiro citados supra (arts. 927, 186 e 187) deixa claro que a prática de ato ilícito atrai para aquele que experimenta os prejuízos decorrentes de tal prática...

Para continuar a ler

PEÇA SUA AVALIAÇÃO

VLEX uses login cookies to provide you with a better browsing experience. If you click on 'Accept' or continue browsing this site we consider that you accept our cookie policy. ACCEPT