Aspectos Penais Relevantes do Assédio Moral no Trabalho

AutorMaria Aparecida Alkimin
Páginas75-8

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Introdução

O assédio moral constitui uma espécie do gênero violência nas relações de trabalho que atenta contra a dignidade e a personalidade do trabalhador, ofendendo, dada a sua antijuricidade, bem jurídico de natureza pessoal e individual, violando, consequentemente, a ordem jurídica trabalhista, civil e penal.

O assédio moral no ambiente de trabalho representa violação às regras contratuais que devem nortear a relação de trabalho, dentre elas, a de respeito e consideração ao próximo, sob pena de ensejar ruptura abrupta do vínculo empregatício com o ônus da consequente indenização trabalhista.

A conduta assediante viola a dignidade e personalidade da pessoa do trabalhador, invade a seara do dano moral e material, engendrando a responsabilização civil do agente causador da conduta assediante, valendo ressaltar que o Código Civil de 2002 enfatizou a responsabilidade objetiva do empregador para lesão a bem jurídico no ambiente de trabalho.

Sem embargo da responsabilização trabalhista e civil pela prática da conduta assediante violadora da ordem jurídica, imperioso afirmar que o agente causador do dano à pessoa do trabalhador poderá ter a sua conduta tipificada no Código Penal Brasileiro, haja vista que um dos objetivos da tutela penal é a proteção à pessoa e aos bens jurídicos ligados aos valores ligados à pessoa humana, como a vida, saúde, imagem, intimidade, privacidade, liberdade, etc.

Urge ressaltar que o assédio moral não possui disciplina legislativa específica, seja na seara civil, trabalhista ou penal, tal como ocorre com o assédio sexual que está previsto no Código Penal (art. 216-A), todavia, o devido enquadramento do assédio moral no ordenamento jurídico (trabalhista, civil, penal e constitucional) prescinde de legislação específica, muito embora a lei específica para o assédio moral seja o ideal jurídico e legislativo para tutela aos direitos da personalidade do trabalhador, bastando, para efeito de enquadramento jurídico e de responsabilização jurídica do assédio moral no ambiente de trabalho, a mera interpretação sistemática e extensiva, além da integração jurídica através da analogia, princípios gerais e equidade.

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1. Assédio moral no trabalho: conceito e caracterização

O assédio moral não tem definição em lei, salvo nalguns Estados ou municípios que houveram por bem definir e caracterizar o assédio moral no âmbito do serviço público, como a Lei 1163/2000 da cidade de Iracemápolis (SP), sendo certo que o fenômeno foi pioneiramente estudado no âmbito da psicologia do trabalho, cuja conceituação que se adota como ponto de partida para o estudo e investigação jurídico-científica do assédio moral é aquela formulada por marie-France Hirigoyen, segundo a qual assédio moral é

Qualquer conduta abusiva (gesto, palavra, comportamento, atitude...) que atente, por sua repetição ou sistematização, contra a dignidade ou integridade psíquica ou física de uma pessoa, ameaçando seu emprego ou degradando o clima de trabalho (HIRIGOYEN, 2002, p. 17).

Partindo-se dessa conceituação, destacam-se os seguintes elementos caracterizadores do assédio moral:

  1. Sujeitos: sujeito ativo (assediador)-empregador ou qualquer superior hierárquico; colega de serviço ou subordinado em relação ao superior hierárquico; sujeito passivo (vítima/assediado)--empregado ou superior hierárquico no caso de assédio praticado por subordinado.

  1. Conduta, comportamento e atos atentatórios aos direitos de personalidade; por exemplo: constrangimentos, humilhações, tratamento com rigor excessivo, atribuições de tarefas degradantes e humilhantes, isolamento, rebaixamento profissional, insinuações maldosas, brincadeiras humilhantes, ofensa à honra e à imagem, etc.

  2. Reiteração e sistematização.

  3. Consciência do agente (ALKMIN, 2008a, p. 43 e p. 71).

Conforme já se afirmou em outra oportunidade,

(...), a prática do assédio moral através de comportamentos, palavras, atos, gestos e escritos, degrada o ambiente de trabalho e desestabiliza a vítima, gerando desgaste emocional que evolui para causar prejuízo prejuízo à saúde mental e física do trabalhador, marginalizando-o, progressivamente, do processo produtivo e da organização do trabalho (ALKMIN, 2008a, p. 39-40).

Não pairam dúvidas no sentido de que a conduta assediante atinge em cheio atributos pessoais e morais do trabalhador, afetando sua dignidade e seus direitos da personalidade.

O contrato de trabalho em seu bojo traz conteúdo de natureza econômica, assim como de natureza moral, ou seja, deve imperar no ambiente de trabalho o respeito e consideração ao próximo, haja vista que a força de trabalho é indissociável da pessoa humana do trabalhador, dado o requisito da pessoalidade.

A dignidade humana é atributo natural inerente a toda pessoa humana, portanto, a todo trabalhador, trata-se a dignidade da pessoa humana de valor fundante de toda ordem jurídica interna e internacional, constituindo-se em princípio basilar do Estado Democrático de Direito (art. 1º, III, da CF/88), enunciando que toda pessoa humana somente terá dignidade se respeitada em seus direitos e atributos naturais, tais como liberdade, igualdade, intimidade, privacidade, enfim, desde que seja respeitada e protegida em seus direitos da personalidade ou personalíssimos.

O assédio moral no ambiente de trabalho, enquanto conduta degradante, humilhante, ilícita e anti-jurídica, atinge a vítima em seus atributos naturais e morais, ou seja, viola seus direitos da personalidade, os quais constituem extensão da dignidade humana (ALKIMIN, 2008b, p. 75).

Logo, presentes os elementos caracterizadores da conduta assediante no meio ambiente do trabalho, constituir-se-á em atentado à dignidade e personalidade do trabalhador, afetará sua intimidade, privacidade, integridade psíquica e física, etc., donde emerge a indispensável tutela jurídica para se coibir e reprimir o assédio moral no ambiente de trabalho.

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2. Assédio moral e tutela jurídica: trabalhista e civil

O assédio moral constitui um fenômeno antissocial e antijurídico de grande relevância jurídica, pois atenta contra a dignidade e personalidade de outrem, e, consequentemente, viola o dever jurídico que impõe um dever ser para manutenção da ordem e da paz social.

O dever jurídico, nesse caso, é justamente a dignidade e personalidade do trabalhador, e muito embora não haja previsão legislativa específica para o assédio moral, há enquadramento jurídico-legal para essa prática ilícita no ambiente de trabalho, tanto na Constituição Federal como na CLT e no Código Civil.

Com efeito, a conduta assediante viola as regras contratuais trabalhistas, configurando grave violação contratual, permitindo a rescisão contratual abrupta e por justa causa do empregado assediante (art. 482 da CLT) e a rescisão abrupta por parte do empregado assediado (rescisão indireta, art. 483 da CLT), com o recebimento da respectiva indenização trabalhista.

No mesmo diapasão, a conduta assediante viola a cláusula de boa-fé, inerente ao contrato de trabalho e, consequentemente, atinge os direitos da personalidade do trabalhador, prevendo a ordem jurídica constitucional e infraconstitucional a proteção aos direitos da personalidade e o consequente dever de indenizar o dano moral e material como corolário da responsabilidade civil (art. 5º, X, da CF, combinado com o artigos 12, 186, 927 e seguintes do Código Civil).

Portanto, o assédio moral é uma conduta ilícita e antijurídica perfeitamente disciplinada pela legislação infraconstitucional que prevê sanção de natureza trabalhista e de natureza civil, com caráter repressor e também de finalidade pedagógica.

3. A indispensabilidade da tutela penal na proteção de bem jurídico diante do assédio moral

O meio ambiente do trabalho integra um direito laboral e uma garantia fundamental do trabalhador, representando um direito fundamental de terceira geração, cujo meio ambiente laboral deve ser imune a lesões e atentados à vida, saúde, segurança, incolumidade física e psíquica do trabalhador, sob pena de violação à ordem jurídica de proteção à pessoa do trabalhador, cuja ordem jurídica tem como fundamento primário a tutela da dignidade da pessoa humana.

Nesse sentido, para se coibir ou inibir a prática de conduta assediante que é apta a contaminar o meio ambiente laboral e atingir a dignidade da pessoa humana, ferindo seus atributos pessoais e sociais, elementar a responsabilização penal do agente causador do dano chamado assédio moral, haja vista que os bens jurídicos atingidos pela conduta...

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