Aspectos jurídicos do racismo no ambiente de trabalho

AutorIvan Pinheiro de Figueiredo - Marília Guimarães Pinheiro - Ângelo dos Santos Soares
CargoAdvogado. Mestrando em Direito pela UNESP-Franca. Especialista em Direito Processual Civil pela USP-RP (em andamento) - Pesquisadora e docente do Instituto Federal de Educação, Ciência e Tecnologia de São Paulo IFSP, Campus Sertãozinho - Pesquisador e professor titular da Universidade de Quebec em Montreal UQAM, Canadá, Escola de Ciências da ...
Páginas149-172
Revista DIREITO E JUSTIÇA – Reflexões Sociojurídicas – Ano XVI – Nº 23, p.149-172–Novembro 2014
ASPECTOS JURÍDICOS DO RACISMO NO AMBIENTE DE TR ABALHO
LEGAL ASPECTS OF RACISM IN THE BRAZILIAN WORKPLACE
Ivan Pinheiro de Figueiredo
1
Marília Guimarães Pinheiro
2
Ângelo dos Santos Soares
3
Sumário: Considerações iniciais. 1 Racismo e preconceito de cor no
Brasil. 1.1 Uma nação mestiça. 1.2 A “Democracia Racial”. 1.3 O
reconhecimento da discriminação racial. 2 Discriminações sofridas no trabalho.
3 Ações afirmativas e políticas de diversidade. 4 Ações Afirmativas e Políticas
de Diversidade no Brasil. 5 Perspectiva jurídica. Considerações finais.
Referências.
Resumo: Peritos da ONU, que estiveram no Brasil em dezembro de
2013, constataram que o racismo é estrutural, institucional e interpessoal no
país. Os negros são su b-representados e invisíveis na maioria das estruturas de
poder e nos meios de comunicação, se beneficiam proporcionalmente menos de
instalações educacionais e de saúde, da administração da justiça, do
investimento público e privado, infraestrutura básica e outros serviços. As
manifestações racistas vêm enfrentando reações cada mais contundentes no
Brasil, empresas e gestores precisarão de maior atenção em relação ao assunto,
de modo a não reproduzir a discriminação. Nesse sentido, pretende-se r ever o
arcabouço jurídico para o enfrentamento do racismo no ambiente de trabalho.
Palavras-chave: Racismo. Ambiente de trabalho. Aspectos
jurídicos.
Abstract: UNexperts who visited Brazil in December 2013, found
that the racism is structural, institutional and interpersonal in the country.
Black people are under-represented and invisible in most of the structures of
power and means of communication. Also, they benefit proportionally less
from educational facilities and health, administration of justice, public and
private investment, basic infrastructure and other services. Racism has been
facing more powerful reactions in Brazil, therefore companies and managers
need to have greater attention in this matter in order to not reproduce the
discrimination. In this sense, it is intended to review th e legal framework to
deal with the racism in the work environment.
1
Advogado. Mestrando em Direito pela UNESP-Franca. Especialista em Direito Processual Civil pela
USP-RP (em andamento). E-mail: ivanpfigueiredo@adv.oabsp.org.br
2
Pesquisadora e docente do Instituto Federal de Educação, Ciência e Tecnologia de São Paulo IFSP,
Campus Sertãozinho. Engenheira de produção pela EESC-USP. Mestre e doutora pela Universidade de
São Paulo. Pós-doutorado em gestão de recursos humanos na Universidade de Quebec em Montreal
UQAM-CA. Membro do Grupo de Sistemas FEA-USP. http://isssbrasil.usp.br/paginas/. E-mail:
mariliapinheiro@ifsp.edu.br
3
Pesquisador e professor titular da Universidade de Quebec em Montreal UQAM, Canadá, Escola de
Ciências da Gestão (ESG-UQAM), Departamento de Organização de Recursos Humanos.
http://professeurs.uqam.ca/component/savrepertoireprofesseurs/ficheProfesseur?mId=QlnKPSyCF7A. E-
mail: soares.angelo@uqam.ca
Revista DIREITO E JUSTIÇA – Reflexões Sociojurídicas – Ano XVI – Nº 23, p.149-172–Novembro 2014
Keywords: Racism. Workplace. Legal aspects.
Considerações iniciais
“Negra suja e negra macaca”, foi o que uma jovem funcionária de uma
empresa no Bairro Licorsul, em Bento Gonçalves-RS, ouviu de uma colega de
trabalho e, ainda mais, seu ger ente considerou o ocorrido “normal”.
4
Este é um dos
casos de discriminação registrados em 2013 na Delegacia de Polícia de Pronto
Atendimento DPPA. Um clube da mesma cidade, em 2014, foi punido em
julgamento no Tribunal de Justiça Despo rtiva de Porto Alegre, no campeonato
gaúcho de futebol.
5
O caso foi denunciado pelo árbitro Márcio Chagas da Silva que,
na saída do trabalho, fotografou bananas sobre o seu carro no estacionamento do
clube. Estes foram apenas algu ns dos casos de racismo ocorridos no ambiente de
trabalho. Martini e Silva (2009) concluem, e m sua pesquisa, que 62% dos negros
(pretos e p ardos) sofreram algum tipo de discriminação institucional, e nquanto para
brancos o percentual foi de 16%. Segundo essa pesquisa, as chefias são as principais
responsáveis pelas ações discriminatórias (36%), seguidas dos colegas (32 %),
clientes (19%) e subordinados (5%).
É preciso r ever alguns aspectos históricos para que se possa compreender a
discriminação racial e m um país como o Brasil. Segundo Chauí (2000, p. 65), a
escravidão se justificou por ideias do direito natural objetivo e subjetivo.
Objetivamente, para os teólogos da Contrarreforma da Universidade de Coimbra,
Portugal, Deus, como legislador supremo, definiu uma ordem hierárquica dos seres
segundo sua perfeição, na qual o “supe rior” naturalmente comanda e subordina o
“inferior”. Subjetivamente, aplica-se o conceito de servidão voluntária, no qual a
vontade é uma capacidade e seu exercício depende da racionalidade, própria do
sujeito de direito. A inferio ridade objetiva dos nativos brasileiros dentro da
hierarquia natural dos seres justifica assim que os inferiores, subjetivamente, optem
pela servidão voluntária aos superiores, e sejam legal e legitimamente escravos
naturais. Negros e índios eram considerados, portanto, seres inferiores.
A escravidão foi intensa na história moderna, e specialmente a de africanos
levados às Américas. Embora haja registro de escravidão de brancos para trabalho
no norte da África, calcula-se que tenham sido escravizados cerca de um milhão de
europeus no períod o de 1530 e 1780; já de africanos estima-se que es se número
alcance doze milhões (DAVES, 2004; BAEPLER, 19 99). O Brasil foi o último país
independente americano a abolir a escravidão e o maior território escravagista do
hemisfério ocidental p or mais de 350 anos (GOMES, 2013). Marcondes (2009),
diante de um amplo estudo sob re a década de 1870, considera que o país foi
marcado por muitos senhores com poucas posses: um a quatro escravos. Entre mais
de vinte e cinco mil escravagistas, dez mil tin ham apenas um escravo. Um quadro
que ajuda a explicar a profunda ligação à escravidão no Brasil.
4
Disponível em: http://arquivo.geledes.org.br/racismo-preconceito/racismo-no-brasil/20046-negra-suja-e-
negra-macaca-jovem-denuncia-racismo-em-empresa-de-bento-goncalves.
5
Disponível em: http://m.globoesporte.globo.com/rs/noticia/2014/04/punido-em-caso-de-racismo-contra-
juiz-esportivo-e-rebaixado-no-gaucho.html.

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