Aspectos Jurídicos da Aquisição de Terras Rurais por Estrangeiros (Pessoas Físicas e Pessoas Jurídicas)

AutorJosé Augusto Delgado
Páginas39-97

Ver nota 1

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1. Introdução

Há poucos dias, por solicitação de partes interessadas, proferimos parecer em um caso de aquisição de terras rurais para exploração agrícola por estrangeiro português que, por apresentar aspectos peculiares que merecem ser debatidos pelo ambiente acadêmico jurídico, transformamos no presente estudo que, com muita honra, elaboramos em homenagem ao Ministro Cesar Asfor Rocha, atualmente exercendo as funções do cargo de Presidente do Superior Tribunal de Justiça, onde desenvolve magnífico trabalho em benefício da entrega da prestação jurisdicional com celeridade, haja vista a implantação, sob a sua direção, da informatização dos processos no âmbito do referido tribunal.

Os fatos acontecidos são os que, em síntese, passamos a registrar.

Um estrangeiro, pessoa física, por intermédio de procurador, celebrou contrato de promessa de compra e venda de um imóvel rural situado no Brasil, por um determinado valor que foi pago em três prestações: uma a vista e as duas outras mediante depósito do quantitativo correspondente em moeda estrangeira depositada em Bancos sediados na Itália e nos Estados Unidos, tudo em cumprimento a promessa de compra e venda lavrada.

No mesmo momento da celebração do contrato de promessa de compra e venda, nos termos acima registrados, o procurador do estrangeiro celebra com a parte vendedora um outro contrato de promessa de compra e venda, sem revogar o primeiro, fazendo constar que o preço da transação foi de valor muito menor e que foi liquidado em dinheiro, no ato da assinatura do mencionado negócio jurídico.

Com base nesse último documento, foi lavrada a escritura definitiva de compra e venda e registrado o imóvel não em nome do comprador estrangeiro pessoa física, porém, em nome de uma pessoa jurídica nacional da qual uma empresa controlada por aquele era sócia majoritária, constando o preço muito menor registrado na segunda promessa de compra e venda e sem comprovante de que havia autorização das autoridades administrativas brasileiras para a referida transação, haja vista que o imóvel foi adquirido para desenvolvimento de atividades agrícolas e pecuárias.

Tendo em vista tais fatos, desenvolvemos os fundamentos jurídicos a seguir alinhados e que vão acrescidos de comentários que não constam no referido parecer.

2. Condição jurídica do português no brasil

Visamos, neste espaço, demonstrar o tratamento diferenciado que o nosso ordenamento jurídico concede aos portugueses, considerando-se a regulamentação imposta para os demais estrangeiros.

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A nossa intenção é avaliar os vínculos político-jurídicos que se estabelecem entre o indivíduo nascido em Portugal e o Estado brasileiro.

Escolhemos linha de pesquisa apoiada em método que permite uma visão multidimensional do assunto, empregando as regras impostas pela teoria pós-positi-vista do direito, a fim de que não sejamos tentados a firmar conclusões parciais sobre a abordagem feita. É nossa intenção desenvolver razões que se afirmem por características empíricas e ao mesmo tempo analíticas, normativas e jurisprudenciais. Para alcançar o objetivo planejado, somos conduzidos a desenvolver uma compreensão mais larga possível da dogmática jurídica, fazendo distinções conceituais para que sejam encontradas respostas às indagações que fazemos, tendo como base maior a Constituição Federal de 1988.

Os nacionais portugueses gozam de condições especiais em nosso Direito Positivo, a partir da Constituição Federal de 1988.

Os estrangeiros em geral, incluindo-se, logicamente os portugueses, estão submetidos, nos seus relacionamentos políticos, sociais, jurídicos, financeiros e econômicos com o Brasil, a vários diplomas internacionais, a saber:

a) Declaração Universal dos Direitos do Homem. Esta Convenção Internacional dispõe em seu art. 2º que os direitos por ela enunciados são aplicados a todas as pessoas, sem distinção quanto à origem nacional.

b) O Código de Bustamonte, resultado da Convenção Internacional assinada em Havana, no dia 20.02.1928, promulgado pelo Brasil consoante o DECRETO N. 18.871 - DE 13 DE AGOSTO DE 1929, determina, em seu art. 1º que:

"Os estrangeiros que pertençam a qualquer dos Estados contratantes gozam, no território dos demais, dos mesmos direitos civis que se concedam aos nacionais", advertindo, porém, que "Cada Estado contratante pode, por motivo de ordem pública, recusar ou sujeitar a condições especiais o exercício de determinados direitos civis aos nacionais dos outros, e qualquer desses Estados pode, em casos idênticos, recusar ou sujeitar a condições especiais o mesmo exercício aos nacionais do primeiro". A seguir, no art. 2º, impõe que "Os estrangeiros que pertençam a qualquer dos Estados contratantes gozarão também, no território dos demais de garantias individuais idênticas às dos nacionais, salvo as restrições que em cada um estabeleçam a Constituição e as leis". Em sequência, na segunda parte do referido artigo, determina que "As garantias individuais idênticas não se estendem ao desempenho de funções públicas, ao direito de sufrágio e a outros direitos políticos, salvo disposição especial da legislação interna". Por fim, no seu art. 3º, estabelece as seguintes condições para a aplicação dos artigos 1º e 2º: "Art. 3º Para o exercício dos direitos civis e para o gozo das garantias individuais idênticas, as leis e regras vigentes em cada Estado contratante consideram-se divididas nas três categoria seguintes: I. As que se aplicam às pessoas em virtude do seu domicílio ou da sua nacionalidade e as seguem, ainda que se mudem para outro país, - denominadas pessoas ou

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de ordem pública interna; I. As que obrigam por igual a todos os que residem no território, sejam ou não nacionais, - denominadas territoriais, locais ou de ordem pública internacional; III. As que se aplicam somente mediante a expressão, a interpretação ou a presunção da vontade das partes ou de alguma delas, - denominadas voluntárias, supletoriais ou de ordem privada", complementando com o art. 5º a definir que constitui dever de todos os Estados "concederem aos estrangeiros domiciliados ou de passagem em seu território todas as garantias individuais que concedem a seus próprios nacionais e o gozo dos direitos civis essenciais".

c) Pacto Internacional de Direitos Econômicos Sociais e Culturais, Nova Iorque, 19.12.1996, adotado pela Assembleia Geral das Nações Unidas pela Resolução n. 2200-A (XXI), de 16 de dezembro de 1966, tendo entrado em vigor em 03 de janeiro de 1976, que dispõe em seus arts. 1º, 2º, 3º e 4º as seguintes regras sobre os direitos de estrangeiros:

"Artigo 1º - 1. Todos os povos têm o direito à autodeterminação. Em virtude deste direito estabelecem livremente a sua condição política e, desse modo, providenciam o seu desenvolvimento econômico, social e cultural. 2. Para atingirem os seus fins, todos os povos podem dispor livremente das suas riquezas e recursos naturais, sem prejuízo das obrigações que derivam da cooperação econômica internacional baseada no princípio de benefício recíproco, assim como do direito internacional. Em caso algum se poderá privar um povo dos seus próprios meios de subsistência. 3. Os Estados-Signatários no presente Pacto, incluindo os que têm a responsabilidade de administrar territórios não autônomos e territórios em fideicomisso, promoverão o exercício do direito à autodeterminação e respeitarão este direito em conformidade com as disposições da Carta das Nações Unidas. Artigo 2º - 1. Cada um dos Estados-Signatários no presente Pacto compromete-se a adotar medidas, seja isoladamente, seja através da assistência e cooperação internacionais, especialmente econômicas e técnicas, até ao máximo dos recursos de que disponha, por todos os meios adequados, inclusive e em particular a adoção de medidas legislativas, para atingir progressivamente a plena efetividade dos direitos aqui reconhecidos. 2. Os Estados-Signatários no presente Pacto comprometem-se a garantir o exercício dos direitos que nele se enunciam, sem qualquer discriminação, por motivos de raça, cor, sexo, língua, religião, opinião política ou de outra índole, origem nacional ou social, posição econômica, nascimento ou qualquer outra condição social. 3. Os países em vias de desenvolvimento, tendo devidamente em conta os direitos humanos e a sua economia social, poderão determinar em que medida garantirão os direitos econômicos reconhecidos no presente Pacto a pessoas que não sejam seus nacionais. Artigo 3º - Os EstadosSignatários no presente Pacto comprometem-se a assegurar que homens e mulheres, de igual modo, gozem de todos os direitos econômicos, sociais e culturais enunciados no presente Pacto. Artigo 4º - Os Estados-Signatários no presente Pacto reconhecem que, no exercício dos direitos garantidos pelo presente Pacto poderá um Estado limitar tais direitos unicamente nos termos da lei, apenas na medida em que sejam compatíveis com a natureza desses direitos e com o objetivo exclusivo de promover o bem-estar geral numa...

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