Aspectos Históricos Relevantes

AutorRodrigo Chagas Soares
Ocupação do AutorMestre e Especialista em Direito do Trabalho, Pontifícia Universidade Católica de São Paulo - PUC/SP
Páginas15-31

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O modo de organização de trabalhadores na empresa advém de experiências vividas dentro de fábricas e empresas quando trabalhadores assumiram um papel de destaque e relevância para a defesa de seus próprios interesses. O que se verifica é que esse modo de organização não proveio de lei, mas da experiência prática. O objetivo era criar um canal de comunicação direto com o empregador destinado a melhorar as condições de trabalho.

Lembra-nos Amauri Mascaro Nascimento (2013, p. 1.380-1.381) que na Itália, nos anos de 1906 e 1919, existiram as Comissões Internas, as quais eram chamadas de consigli di fabbrica e haviam sido precedidas pelos representantes de seção na França, em 1846 (da Fábrica Godin); pelos conselhos de usina no Val-des-Bois, em 1885 (de León Harmel); e pelos delegados operários em Creusot, na França, em 1889 (nas Fábricas Schneider).

No ano de 1922, na Espanha, foram organizados os conselhos de cooperação industrial. Em 1920, pela lei de 4 de fevereiro, lastreado na Constituição de Weimar, ergueram-se os conselhos de empresas na Alemanha. E, no mesmo país, em 1934, os "homens de confiança" - assim denominados aqueles ligados à organização sindical que os nomeava a fim de evitar o distanciamento dessa representação da entidade - passaram a representar os trabalhadores dentro da empresa.

Na República Federal da Alemanha - no período pós-Segunda Guerra Mundial - foi promulgada a lei de organização social da empresa de 1952, a qual passou a prever os conselhos de fábrica, acarretando na experiência da cogestão, conforme leciona Amauri Mascaro Nascimento (2009, p. 94):

Com o término da guerra e a divisão da Alemanha, cindiu-se, consequentemente, o movimento sindical, desdobrando-se em modelo soviético e modelo autônomo, correspondendo às duas diferentes áreas de ocupação do país, com a República Democrática da Alemanha (zona soviética) e a República Federal da Alemanha (zona americana). Nesta, cresceu um sindicalismo de elevado poder econômico, organizado por setores de atividade industrial e por diversos tipos de profissões. Restabeleceram-se as negociações coletivas, desenvolveu-se o direito de greve, foi aprovada a lei de organização social da empresa (1952) e foram criados Conselhos de Fábrica que exerceram papel de relevo, influindo na experiência alemã, bem-sucedida, da cogestão da empresa. A tal ponto chega a relação entre sindicato e empresa que o sindicato é um complemento do Comitê de empresa.

O embate surgido entre as representações internas de trabalhadores e sindicatos repercutiu em alguns países na década de 1960, sendo pacificado quase no início da

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década seguinte. Foi o que ocorreu na Itália, em um período denominado outono quente (1969), conforme demonstra ainda Amauri Mascaro Nascimento (2009, p. 87), quando os sindicatos abandonam a estratégia de combater as comissões internas de trabalhadores e passam a utilizá-las para atuar dentro das empresas:

A representação dos trabalhadores no local de serviços cresceu com as Comissões Internas, que já existiam antes do período contemporâneo. Essas Comissões não foram mais combatidas pelos sindicatos, quando passaram estes a delas utilizar-se, encontrando nelas um meio para penetrar nas empresas. As Comissões foram controladas pelas grandes centrais e confederações sindicais. Algumas permaneceram autônomas. Mas foi um privilégio conferido à confederação mais representativa o domínio da representação sindical na empresa, nos casos em que as Comissões estivessem articuladas com o movimento sindical.

Como se verifica, na Itália contemporânea, os sindicatos viram nessas comissões a oportunidade para atuar dentro da empresa.

Ao que se demonstra, o debate sobre o comitê de representantes de empresas é mais recente e pauta-se em uma reestruturação produtiva da lógica da mundialização do capital. Tal como leciona José Eduardo Faria (1996, p. 133-134):

[...] as relações internacionais se caracterizam por dois movimentos diametralmente opostos: o da globalização ou integração econômica, alimentado pelos interesses políticos, comerciais e econômico-financeiros dos oligopólios, dos grandes bancos e de alguns poucos governos nacionais; e o da balcanização ou fragmentação sociocultural, uma vez que a globalização é um processo de decisões privadas e públicas tomadas na forma de sucessivos e inacabados desafios e ajustes, gerando intensas transformações cujas origens e consequências são extremamente complexas, por causa de suas múltiplas dimensões não econômicas.

Para o autor, se, por um lado, há na globalização uma visão oligárquica e seletiva que impõe uma agenda internacional, "como a desregulação dos capitais, a geração de formas cooperativas de interdependência econômica, a unificação monetária, a flexibilização dos sistemas de produção" (FARIA, 1996. p. 134), por outro há

a degradação das condições de vida das populações dos países tidos como "em desenvolvimento", especialmente os da endividada América Latina [...], frente à qual as novas instâncias de poder têm revelado pouco interesse ou escassa capacidade de respostas, [e que] constituem-se em explosivo contraponto do processo de unificação e flexibilização da economia mundial (FARIA, 1996. p. 134).

A fim de fazer frente a essas escassas capacidades de resposta das instâncias de poder, a organização interna dos trabalhadores desponta como uma solução para a defesa dos direitos dos empregados no interior das empresas. A globalização alterou

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o modo de produção e de trabalho, impactando nas relações trabalhistas, tal como corrobora Túlio de Oliveira Massoni (2007, p. 24):

A reestruturação produtiva, sob a lógica de mundialização do capital, tende a impulsionar as metamorfoses do trabalho industrial e a fragmentação da classe trabalhadora. A investigação das principais causas da crise apontadas por sociólogos do trabalho, economistas, cientistas políticos e juristas é extremamente necessária na medida em que somente a partir da identificação delas é que poderão ser formuladas e avaliadas as propostas e as alternativas para a superação da crise de que ora se cuida.

O comitê de representantes de trabalhadores das empresas é oriundo de uma evolução flexibilizante do Direito do Trabalho, a fim de dar guarida aos direitos fundamentais. Essa dimensão global do método de produção a que alude Massoni (2007) é uma das constatações de Maria do Rosário Palma Ramalho (2000, p. 677), ao lecionar acerca da flexibilização dos sistemas laborais das últimas décadas:

Em termos gerais, cremos que a evolução flexibilizante da generalidade dos sistemas laborais nas últimas décadas legitima três constatações com relevo dogmático: a primeira é a da dimensão global e da vocação estrutural do processo de flexibilização; a segunda é a da relativa facilidade com que ele tem sido aceite pela ciência jurídica, apesar desse alcance geral; e a terceira é a das suas implicações no princípio da proteção dos trabalhadores e na configuração tradicional do direito do trabalho como um direito unilateral ou de favorecimento dos trabalhadores.

O objetivo dessa flexibilização dos sistemas laborais advém de uma necessidade de a sociedade alcançar o status de investment grade, tal como leciona José Eduardo Faria (2003) em palestra ministrada no 22º Congresso Estadual dos Advogados Trabalhistas (informação pessoal)1. De acordo com o autor, "a sociedade para poder crescer tem de agregar valor, mas para agregar valor as instituições têm de ser eficientes. E um dos fatores de eficiência da instituição [...] é exatamente o Direito" (FARIA, 2003 - informação pessoal2). Prossegue o doutrinador afirmando que:

[...] Ao mesmo tempo, podemos verificar, quando saímos deste estudo do economista Pércio Arida [...] examinar um segundo estudo, que foi publicado há dez dias, mais precisamente na segunda-feira retrasada, pelo jornal "Valor Econômico", por um ex-diretor do Banco Central, Sérgio Verlang, que procura exatamente mostrar isso, que o Brasil não tem outra alternativa para crescer a não ser acelerar o seu acesso ao investment grade. Sem capitais externos, o Brasil não cresce, sem capitais externos o Brasil não se desenvolve, sem capitais externos e sem desenvolvimento a sociedade explode. O problema do investimento, o problema do investment grade é exatamente um conjunto

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de reformas. Uma delas é exatamente aquela em que ele se concentra neste artigo publicado pelo "Valor" (dois parágrafos) - a que diz respeito à flexibilização da Legislação Trabalhista, a uma reforma do aparato judicial, a uma tentativa de se acabar com a proteção, digamos assim, ao hipossuficiente, ao mais fraco [...] O que quero dizer é que talvez esteja acabando o momento em que poderíamos falar em termos de Direito positivo como sendo o único Direito possível. Possivelmente, nesse contexto que estou pintando para vocês, a noção do Direito positivo tenha chegado a um nível de exaustão e tenha surgido a partir daí a ideia de que o Direito, em vez de morrer, ao contrário do que aparentemente eu estou dizendo, pelo contrário, ele vai crescer ainda mais. Porém, ele crescerá não no sentido, digamos, protetor, ele não crescerá num sentido necessariamente justiceiro, mas crescerá numa base obrigacional, numa base negocial, numa base, digamos, contratual [...] Talvez estejamos vendo o pêndulo voltar para a área de Direito Privado. (FARIA, 2003 - informação pessoal3)

A tentativa de se obter o grau de investimento de um país acarreta no argumento de flexibilização dos direitos trabalhistas, falando-se, hodiernamente, em uma exaustão do Direito positivado e dando margem ao crescimento de um novo paradigma de descentralização das negociações coletivas, conforme leciona o próprio José Eduardo Faria (2003 - informação pessoal4) para quem: "esse novo paradigma tem uma característica bastante significativa: ele tem uma característica descentralizada, via mercado, basicamente horizontal, uma cultura jurídica de natureza privada, de natureza...

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