Aspectos históricos

AutorJorge Miranda Ribeiro
Páginas21-49

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1. 1 Considerações Iniciais

De longe vem a polêmica sobre o melhor critério para determinar o conceito de imóvel rural e imóvel urbano. Da antiga Roma até os nossos dias a pugna entre simpatizantes do critério da localização e da destinação tem sido interminável quando se pretende optar ou tecnicamente dizer que este critério é melhor ou mais adequado do que aquele.

Não há propósito de o autor se posicionar por determinado critério. Buscar-se-á realizar incursão no ordenamento jurídico nacional e, pretensiosamente, dizer qual foi o eleito pelo legislador ao traçar fronteira separando a proprie-dade rural da urbana. Ressalve-se, porém, que na conclusão do estudo não será possível continuar na neutralidade. Um deles terá a nossa preferência, o que não invalida o esforço. Integra a parte analítica do estudo investigar se o Código tributário Nacional - CTN, com as alterações sofridas após a publicação e antes de entrar vigor, privilegiava que critério, qual passou a proteger depois de modificado e se estava acorde com as regras constitucionais.

Ponto merecedor de atenção será considerar as disposições do código e outras modificações por ele sofridas as quais se deram sob o império das Constituições de 1946 e 1967, perquirindo, ainda, se obedeciam ao mandamento constitucional da época. Enfim, com a promulgação da Carta de 1988, cumpre indagar e encontrar resposta aos dilemas: os arts. 29 e 32 do CTN encontravam ou não assento no texto Constitucional de 1967? Qual a situação dos dispositivos legais reguladores do tema frente aos relativos às políticas urbana, agrícola, fundiária e de reforma agrária inserta nos arts. 182 e seguintes da Constituição de 1988?

Dúvidas não restam de que o desenrolar do estudo não poderá prosseguir sem abordagens, mesmo singelas, a respeito da propriedade e dos impostos sobre ela incidentes. tudo circunscreverá em conceitos de imóvel rural e imóvel urbano. Consequências de natureza tributária far-se-ão presentes quando o detentor desses ativos financeiros for alvo da cobrança do Imposto sobre a Proprie-dade territorial Rural (ITR) e Imposto Predial e territorial Urbano (IPTU).

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Reflexos outros decorrerão das conceituações de imóvel rural e imóvel urbano quanto ao fracionamento da propriedade por alienação, sucessão causa mortis, como preceitua a Lei n. 5.868/1972:

"Art. 8º Para fins de transmissão, a qualquer título, na forma do art. 65 da Lei n. 4.504, de 30 de novembro de 1964, nenhum imóvel rural poderá ser desmembrado ou dividido em área de tamanho inferior à do módulo calculado para o imóvel ou da fração mínima de parcelamento fixado no § 1º deste artigo, prevalecendo a de menor área.

§ 1º - A fração mínima de parcelamento será:

  1. o módulo correspondente à exploração hortigranjeira das respectivas zonas típicas, para os Municípios das capitais dos Estados;

  2. o módulo correspondente às culturas permanentes para os demais Municípios situados nas zonas típicas A, B e C;

  3. o módulo correspondente à pecuária para os demais Municípios situados na zona típica D.

§ 2º Em Instrução Especial aprovada pelo Ministro da Agricultura, o INCRA poderá estender a outros Municípios, no todo ou em parte, cujas condições demográficas e sócio-econômicas o aconselhem, a fração mínima de parcelamento prevista para as capitais dos Estados.

§ 3º São considerados nulos e de nenhum efeito quaisquer atos que infrinjam o disposto neste artigo não podendo os serviços notariais lavrar escrituras dessas áreas, nem ser tais atos registrados nos Registros de Imóveis, sob pena de responsabilidade administrativa, civil e criminal de seus titulares ou prepostos. ( Redação dada pela Lei n. 10.267, de 28.8.2001)

§ 4º O disposto neste artigo não se aplica aos casos em que a alienação da área se destine comprovadamente a sua anexação ao prédio rústico, confrontante, desde que o imóvel do qual se desmembre permaneça com área igual ou superior à fração mínima do parcelamento.

§ 5º O disposto neste artigo aplica-se também às transações celebradas até esta data e ainda não registradas em Cartório, desde que se enquadrem nas condições e requisitos ora estabelecidos."

Quanto ao adequado conceito de imóvel rural emergem questões derivadas relacionadas e anotadas por Juraci Perez Magalhães1agregando importantes róis da vida prática de quem possui propriedade imobiliária no campo.2

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Estabelecendo ou limitando o tamanho mínimo de propriedade rural o Poder Público demonstra a coerência normativa entre os propósitos norteadores da reforma agrária em combater a proliferação de latifúndios e minifúndios. Se por um lado o latifúndio, considerado assim porque a exploração do imóvel rural está aquém do padrão exigido nas normas determinantes dos Graus de Utilização da terra - GUT e de Eficiência na Exploração - GEE, tem sido o principal alvo da ação expropriatória por interesse social para a política de reforma agrária, visando angariar terras para assentar trabalhadores rurais. Nesse diapasão; o minifúndio, pífia propriedade rural, deve ser extirpado da estrutura agrária brasileira porque nocivo à política de ocupação do solo rural. Segundo parâmetros legais não possui ele a dimensão mínima a facilitar subsistência, progresso social e econômico de unidade familiar com quatro pessoas, permitida a eventual ajuda de terceiros, consoante o conceito de propriedade familiar estipulado no inciso II, art. 4º, do Estatuto da terra.

Brindado pela deferência do Prof. Gustavo Elias Kallás Rezek3, que enviou separata da publicação a respeito das características da propriedade familiar encontrou-se abordagem a respeito da fração mínima de parcelamento quando aventou a possibilidade de incompatibilidade entre o conceito de módulo rural (art. 4º, inciso II, Lei n. 4.504/1964) com o art. 8º da Lei n. 5.868/1972, criador do limite legal no fracionamento ou divisão da propriedade rural.

Considerando verdadeira essa premissa por serem ambos normativos de natureza ordinária, estaria a lei mais nova revogando ou dando novo contorno legal ao conceito de módulo rural do Estatuto de 1964. Nessa linha de entendimento, haveria ou haverá possibilidade de o minifúndio ser fracionado e dele novo minifúndio emergir, contrariando o arcabouço jurídico que pretende evitar a propagação e até extirpar a propriedade minifundiária do cenário rural brasileiro.

A premonição do professor Gustavo Elias Rezek veio de ser confirmada com a edição da Lei n. 11.446, de 5 de janeiro de 2007, alterando o art. 65 do Estatuto da terra, ao permitir que o Poder Público venha desmembrar imóvel rural em dimensão inferior à do módulo rural na hipótese de programas oficiais de apoio à agricultura familiar e os destinatários não possuam outro imóvel rural ou urbano.

Com a mudança implementada no alvorecer de 2007 a Lei n. 4.504/1964 vai paulatinamente sendo esfacelada e o modelo harmônico de política agrária e fundiária coerente contida no seu bojo perde a própria identidade no combate aos latifúndios, bem como a eliminação progressiva dos minifúndios na estru-

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tura agrária brasileira. Permite o novo normativo a proliferação da propriedade minifundiária, desde que promovida pelo Estado. Até quando os fins passam a justificar os meios?

Advirta-se aos diretamente interessados no estudo das limitações de parcelamento do solo rural que a nova legislação importa em drástica mudança na Lei n. 5.868/1972 e no Decreto n. 62.504/1968 - regulamentador do art. 65 do Estatuto - que apenas admitia fracionamento da propriedade para atividades de índoles comerciais, industriais e de outras desvinculadas do setor produtivo agropecuário.

A discussão passa, também, pelos decretos reguladores do art. 24 da Lei n. 4.504/1964, tratando do módulo rural e do módulo médio de cada propriedade cujos conceitos não são os mesmos:

"Art. 24. Os conjuntos de imóveis rurais de um mesmo proprietário ou de propriedades em condomínio, de acordo com o previsto, respectivamente, nos §§ 1º e 6º do art. 50 do Estatuto da terra, cadastrados como previsto nos §§ 3º e 6º do art. 46 do referido Estatuto, terão os respectivos módulos médios calculados de acordo com os seguintes critérios:

I - O módulo médio a ser considerado para o conjunto de imóveis rurais de um mesmo proprietário será a média ponderada dos módulos relativos a cada imóvel, considerado isoladamente, sendo os coeficientes de ponderação iguais às percentagens correspondentes à área de cada um deles sobre a área total do mesmo proprietário."

transbordando do tema aqui desenvolvido em sede de imóvel rural e imóvel urbano ficam os interessados remetidos às pesquisas e estudos de outros agraristas no deslinde da controvérsia, mesmo porque há conceituações estabelecidas em lei (4.504/1964) que foram modificadas por decretos federais, ocasionando a chamada ilegalidade (e não inconstitucionalidade) em face de extrapolar normativo hierarquicamente superior. Incertezas pairam a respeito da superação do módulo rural pela fração mínima de parcelamento como demons-trado neste intróito .

Visando por termo ao parêntese aqui aberto, não se descarta a possibili-dade de revogação tácita das denominações como minifúndio, latifúndio por exploração, latifúndio por dimensão e empresa rural, norteadoras do processo de desapropriação de imóveis rurais para fins de reforma agrária após a edição da Lei n. 8.629/1993, conferindo novos parâmetros e inovando nomenclaturas diversas das contidas no Estatuto da terra. Na mesma linha da fração mínima também se encontram outras terminologias empregadas pelo legislador e que não foram por ele revogadas expressamente, competindo aos hermeneutas...

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