Aspectos do desenvolvimento e da efetividade do direito à educação no Brasil

AutorPatricia Ribeiro Vieira
CargoMestranda em Direito e Políticas Públicas pelo Centro Universitário de Brasília ? UniCEUB
Páginas213-264
doi: 10.5102/prismas.v7i2.1090
Aspectos do desenvolvimento e da
efetividade do direito à educação no Brasil
Patrícia Ribeiro Vieira1
Resumo
O presente artigo visa relacionar aspectos da teoria do desenvolvimento
como liberdade de Amartya Kumar Sen pertinentes à educação com a efetividade
do princípio enunciado no art. 205 da Constituição Federal, que estabelece educa-
ção como direito de todos. A efetividade está relacionada à capacidade de atingir os
ns para os quais a norma foi criada. Para medir a efetividade do art. 205 da CF/88,
levantam-se dados sobre a trajetória do gasto público com educação, número de
matrículas, erradicação do analfabetismo, nível de qualidade da Educação e acesso
à educação superior, pois esses indicadores são fundamentais para medir o resulta-
do na área da educação. Amartya Sen compreende a educação como um dos fato-
res que colaboram para o desenvolvimento de um país. A análise proposta viabiliza
avaliar os avanços e os desaos que se colocam à frente do desenvolvimento do país
em termos educacionais no pós-88. É possível apontar uma signicativa melhora
no quadro nacional devido à implementação de políticas públicas educacionais na
última década.
Palavras-chave: Desenvolvimento. Educação. Políticas educacionais.
1 Introdução
O presente artigo visa relacionar aspectos da teoria do desenvolvimento
como liberdade de Amartya Kumar Sen pertinentes à educação com a efetividade
do princípio enunciado no art. 205 da Constituição Federal, que estabelece
educação como direito de todos. Para tanto, o artigo está estruturado em duas
partes: a primeira traz a exposição de aspectos da teoria de Sen que se relacionam
1 Mestranda em Direito e Políticas Públicas pelo Centro Universitário de Brasília – UniCEUB.
214 | Prismas: Dir., Pol. Publ. e Mundial., Brasília, v. 7, n. 2, p. 213-264, jul./dez. 2010
Patrícia Ribeiro Vieira
diretamente com a questão educacional, e a segunda traz a análise da efetividade
do art. 205 da CF/88, a partir de dados estatísticos.2
A proposta de trazer à discussão a questão educacional brasileira funda-
menta-se nos motivos amplamente conhecidos e que embasam processos edu-
cacionais seletivos e excludentes, quais sejam: o elevado índice de analfabetismo
cujas raízes remontam à escravidão e à forma de colonização do país que também
implicou em uma chegada tardia da educação superior no Brasil; em baixa quali-
dade de ensino; e em baixo rendimento dos estudantes e suas precárias condições
socioeconômicas.3
A abordagem da teoria do “Desenvolvimento como liberdade” será dire-
cionada para os pontos que interessam à questão educacional, ou seja, 1) a relação
entre pobreza de rendas e pobreza de capacidades; e 2) a distinção entre capital
humano e capacidade humana. Outros pontos da teoria de Amartya Sen serão
trazidos para uma breve compreensão do desenvolvimento como liberdade, no
entanto, a atenção está voltada para os dois pontos elegidos, pois se relacionam ao
objeto deste estudo.
A segunda parte do trabalho analisa a possibilidade de se falar em efetivida-
de do direito à educação, partindo do princípio da educação como direito de todos,
art. 205 da CF/88, segundo o qual “a educação, direito de todos e dever do Estado e
2 Destaca-se que, para a análise do art. 205 da CF/88, utilizou-se de dados estatísticos já
compilados pelo Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada – IPEA, especicamente
pela Diretoria de Estudos e Políticas Sociais – DISOC. “A Disoc dedica-se à realização
de estudos e pesquisas sobre condições de vida da população brasileira, assim como ao
acompanhamento e à avaliação de processos de formulação, implementação e avaliações
de políticas sociais. As suas principais áreas de atuação englobam seguridade e previdência
social; trabalho; saúde; assistência social e segurança alimentar; direitos humanos; justiça
e cidadania; demograa; educação; desigualdades (de gênero e racial); pobreza; cultura;
habitação; e segurança pública”. Disponível em:v.br/default.jsp>.
Acesso em: 23 maio 2010.
3 INSTITUTO DE PESQUISA ECONÔMICA APLICADA. Brasil em desenvolvimento:
estado, planejamento e políticas públicas. Brasília: IPEA, 2009. Disponível em:
www.ipea.gov.br/portal/index.php?option=com_content&view=article&id=239&Item
id=6>. Acesso em: 12 maio 2010. p. 617.
| 215
Prismas: Dir., Pol. Publ. e Mundial., Brasília, v. 7, n. 2, p. 213-264, jul./dez. 2010
Aspectos do desenvolvimento e da efetividade do direito à educação no Brasil
da família, será promovida e incentivada com a colaboração da sociedade, visando
ao pleno desenvolvimento da pessoa, seu preparo para o exercício da cidadania e
sua qualicação para o trabalho.
Para tanto, é necessário compreender aspectos da estrutura educacional,
o que passa pela análise de cinco perspectivas: 1) trajetória do gasto público; 2)
número de matrículas; 3) a erradicação do analfabetismo; 4) o nível de qualidade
da educação; e 5) o acesso à educação superior. Tais perspectivas foram eleitas para
analisar a efetividade do direito à educação, pois, para falar em educação como di-
reito de todos é preciso vericar sobre que realidade se lança o desao educacional.
Outro aspecto relevante é o desao de universalizar a educação primária, um dos
“Objetivos de Desenvolvimento do Milênio”, conforme adiante será explicitado.
A partir disso, propõe-se vericar quais são os pontos que impedem a uni-
versalização do ensino, em outras palavras, os nós críticos da estrutura educacio-
nal, a m de elucidar os aspectos que inviabilizam o acesso e permanência do alu-
nado no sistema de ensino.
2 Educação na perspectiva do desenvolvimento como liberdade
A abordagem do conceito de desenvolvimento é feita com base na teoria
de desenvolvimento como liberdade de Amartya Kumar Sen. Para estabelecer
um diálogo com a efetividade do direito à educação no Brasil, serão abordados,
essencialmente, dois pontos: (1) a relação entre pobreza de rendas e pobreza de
capacidades; e (2) a distinção entre capital humano e capacidade humana. A com-
preensão dessas relações é importante tendo em vista que a educação é um pilar
para o desenvolvimento de um país, segundo a teoria de Sen. Antes de entrar espe-
cicamente nesses pontos, vale destacar dois aspectos: a ideia de desenvolvimento
e de liberdade para Sen.
Sen apresenta “um novo enfoque do desenvolvimento visto como expan-
são das liberdades substantivas centrados nos agentes sociais. Uma das proposi-
ções do autor é a necessidade de se pensar a pobreza a partir de uma abordagem
216 | Prismas: Dir., Pol. Publ. e Mundial., Brasília, v. 7, n. 2, p. 213-264, jul./dez. 2010
Patrícia Ribeiro Vieira
relacional”.4 A ideia de desenvolvimento relaciona-se ao “processo de expansão de
liberdades reais que as pessoas desfrutam”,5 assim o crescimento do Produto Na-
cional Bruto – PNB – é um meio importante para a realização desse objetivo, da
mesma forma que a remoção das principais fontes de privação de liberdade.6 7 A
possibilidade fática de realização das pessoas sofre inuência das “oportunidades
econômicas, liberdades políticas, poderes sociais e por condições habilitadoras,
como boa saúde, educação básica, incentivo e aperfeiçoamento de iniciativas”.8
Também existe uma inuência dos exercícios das liberdades das pessoas sobre a
conguração das disposições institucionais. A abordagem proposta centra-se nas
liberdades como os ns e os meios primordiais do desenvolvimento.9
4 MENEZES, Roberto Goulart; RIBEIRO, Cláudio Oliveira. Políticas públicas pobreza e
desigualdade no Brasil: apontamentos a partir do enfoque analítico de Amartya Sen. Disponível
em: s/article/view/ 3937/2974>. Acesso
em: 26 maio 2010.
5 SEN, Amartya Kumar. Desenvolvimento como liberdade. São Paulo: Companhia das
Letras, 2000. p. 17.
6 Pobreza e tirania, carência de oportunidades econômicas e destituição social sistemática,
negligência dos serviços públicos e intolerância ou interferência excessiva de Estados
repressivos. SEN, Amartya Kumar. Desenvolvimento como liberdade. São Paulo:
Companhia das Letras, 2000. p. 18.
7 Destaca-se que “até o nal da década de 1980, sempre que se tratava do desenvolvimento,
era difícil não atrelá-lo quase que exclusivamente ao crescimento do PIB ou da renda
per capita”. MENEZES, Roberto Goulart; RIBEIRO, Cláudio Oliveira. Políticas públicas
pobreza e desigualdade no Brasil: apontamentos a partir do enfoque analítico de Amartya
Sen. Disponível em: p/fass/article/
view/3937/2974>. Acesso em: 26 maio 2010.
8 MENEZES, Roberto Goulart; RIBEIRO, Cláudio Oliveira. Políticas públicas pobreza e
desigualdade no Brasil: apontamentos a partir do enfoque analítico de Amartya Sen. Disponível
em: s/article/view/ 3937/2974>. Acesso
em: 26 maio 2010. p. 19.
9 MENEZES, Roberto Goulart; RIBEIRO, Cláudio Oliveira. Políticas públicas pobreza e
desigualdade no Brasil: apontamentos a partir do enfoque analítico de Amartya Sen. Disponível
em: s/article/view/ 3937/2974>. Acesso
em: 26 maio 2010. p. 25.
| 217
Prismas: Dir., Pol. Publ. e Mundial., Brasília, v. 7, n. 2, p. 213-264, jul./dez. 2010
Aspectos do desenvolvimento e da efetividade do direito à educação no Brasil
A liberdade possui o papel constitutivo e o instrumental no desenvolvi-
mento. O primeiro diz respeito ao m do desenvolvimento, sendo que a avaliação
do desenvolvimento da pessoa deve partir do processo de expansão de liberdades
humanas, de forma a incluir a “eliminação da privação dessa pessoa”.10 O papel
instrumental da liberdade diz respeito à inter-relação entre a expansão da liberda-
de em geral e desenvolvimento e os diferentes tipos de direitos, oportunidades e
intitulamentos. São identicados cinco tipos distintos de liberdades instrument ais:
1) liberdades políticas; 2) facilidades econômicas; 3) oportunidades sociais; 4) ga-
rantias de transparência; e 5) segurança protetora.
Portanto, o desenvolvimento de um país não resulta apenas do crescimento
do PNB, mas também da remoção das principais fontes de privação de liberdade.
A educação é um bem que colabora para o desenvolvimento, devido à inuência
que exerce sobre a pobreza de rendas. A educação não deve ser vista apenas para o
m de formação de capital humano, ou seja, apenas para tornar um indivíduo um
elemento, dentre outros, de produção.
Amartya Sen utiliza a teoria do capital humano11 como um elemento que
enriquece a abordagem, o que ocorre devido ao destaque da importância do indi-
víduo em uma época em que há o direcionamento para investimentos em tecno-
logia, em outras palavras, quanto maior o investimento em capital humano maior
a capacidade de expansão do mercado nesse setor dentro do país. Portanto, apesar
de considerar importante a formação de capital humano no contexto de expansão
10 MENEZES, Rober to Goulart; RIBEIRO, Cláudio Oliveira. Políticas públicas pobreza e
desigualdade no Brasil: apontamentos a partir do enfoque analítico de Amartya Sen. Disponível
em: s/article/view/ 3937/2974>. Acesso
em: 26 maio 2010. p. 52.
11 Sobre capital humano: “correndo o risco de simplicação excessiva, pode-se dizer que a
literatura sobre capital humano tende a concentrar-se na atuação dos seres humanos para
aumentar as possibilidades de produção. SEN, Amartya Kumar. Desenvolvimento como
liberdade. São Paulo: Companhia das Letras, 2000. p. 332.
218 | Prismas: Dir., Pol. Publ. e Mundial., Brasília, v. 7, n. 2, p. 213-264, jul./dez. 2010
Patrícia Ribeiro Vieira
econômica, o conceito de desenvolvimento que trabalha não está restrito apenas à
expansão econômica. 12
2.1 Relação entre pobreza de rendas e pobreza de capacidades
Amartya Sen entende que existe uma relação entre pobreza de renda e po-
breza de capacidades, embora sejam duas perspectivas distintas. Renda é um meio
importante para a obtenção de capacidades e o aumento de capacidades13 de uma
pessoa tende a aumentar sua produtividade e renda.14 Dessa forma, a educação
básica e saúde, apesar de relacionarem-se diretamente ao aumento de qualidade de
vida, “também aumentam o potencial da pessoa auferir renda e assim livrar-se da
pobreza medida pela renda”, de forma que “quanto mais inclusivo for o alcance da
educação básica e dos serviços de saúde, maior será a probabilidade de que mesmo
os potencialmente pobres15 tenham uma chance maior de sup erar a penúria”.16
12 É importante entender que a proposta trazida por Amartya Sen é marcada pela
indeterminação que encerra sua proposta. Esse exercício também é feito quando analisa
a utilidade da teoria do capital humano para ns de desenvolver capacidades, em outras
palavras, considera tal teoria útil, mas não encerra a análise nela, a m de destacar suas
vantagens e desvantagens. Tal exercício de construção teórica é aplicado à sua própria
teoria. Sobre indeterminação como fechamento da teoria ética de Sen, ver HERNÁNDEZ,
Andes. La teoria ética de Amar tya Sen. Bogotá: Siglo del Hombre Editores; Universidad de
los Andes, 2006.
13 “Sen no dene al desarrollo en base a la renta [...] sino por la capacidad que tienen las
personas de transformar esa renta en aquello que ellas consideran necesario para llevar
la vida que quieren llevar. El desarrollo se basa en la libertad justamente porque esta
permite a los individuos aumentar las capacidades que les permitan vivir de la forma
en que quieran vivir, los cual es, según Sen, el objetivo de alcanzar un mayor desarrollo.
EDO, María. Amartya Sen y el desarrollo como libertad: la viabilidad de una alternativa
a las estrategias de promoción del desarrollo. Argent ina: Universidad Torcuato di Tella,
2002. p. 21.
14 SEN, Amartya Kumar. Desenvolvimento como liberdade. São Paulo: Companhia das
Letras, 2000. p. 112.
15 Para ns de esclarecimento, com a expressão potencialmente pobres, Sen refere-se a
indivíduos que não possuem uma situação favorável à formação de capacidades e aquisição
de riquezas, ou seja, acumulam potencialmente a pobreza de rendas e de capacidades.
16 SEN, Amartya Kumar. Desenvolvimento como liberdade. São Paulo: Companhia das
Letras, 2000. p. 113.
| 219
Prismas: Dir., Pol. Publ. e Mundial., Brasília, v. 7, n. 2, p. 213-264, jul./dez. 2010
Aspectos do desenvolvimento e da efetividade do direito à educação no Brasil
A m de corroborar tal perspectiva, Sen cita um trabalho que realizou em
co-autoria com Jean Drèze sobre as reformas econômicas ocorridas na Índia. Des-
taca-se o que denominou de “preparo social”:
De fato, muitas economias asiáticas [...] lograram um êxito
notável na difusão das oportunidades econômicas graças a
uma base social que proporcionava sustentação adequada,
como altos níveis de alfabetização e educação básica, bons
serviços gerais de saúde, reformas agrárias concluídas etc.17
A região de Kerala é um exemplo de onde a redução de pobreza de renda
foi mais rápida do que em qualquer outro Estado da Índia, apesar de ter sido pre-
judicada por uma desconança quanto à expansão econômica, de forma a adotar
políticas anti-mercado, o que ocasionou índices sofríveis de crescimento econômi-
co. Tal fato se deu, pois, “enquanto alguns Estados reduziram a pobreza de renda
por meio de elevado crescimento econômico (Punjab é o exemplo mais notável),
Kerala baseou-se em grande medida na expansão da educação básica, serviços de
saúde e distribuição equitativa de terras para seu êxito na redução da miséria”.18
Apesar de existirem relações entre os dois tipos de pobreza apontados,
parte-se da premissa de que “a redução da pobreza não pode, em si, ser a motiva-
ção suprema de políticas de combate à pobreza”, pois seria perigoso ver o proble-
ma “da perspectiva limitada da privação de renda e a partir daí justicar inves-
timentos em educação, serviços de saúde etc. com o argumento de que são bons
meios para atingir o m da redução da pobreza de renda. Isso seria confundir os
ns com os meios”.19
Acontece que o aumento das capacidades humanas também
tende a andar junto com a expansão das produtividades
e do poder de auferir renda. Essa conexão estabelece um
importante encadeamento indireto mediante o qual um
aumento de capacidades ajuda direta e indiretamente a
17 SEN, Amartya Kumar. Desenvolvimento como liberdade. São Paulo: Companhia das
Letras, 2000. p. 113.
18 SEN, Amartya Kumar. Desenvolvimento como liberdade. São Paulo: Companhia das
Letras, 2000. p. 114.
19 SEN, Amartya Kumar. Desenvolvimento como liberdade. São Paulo: Companhia das
Letras, 2000. p. 114.
220 | Prismas: Dir., Pol. Publ. e Mundial., Brasília, v. 7, n. 2, p. 213-264, jul./dez. 2010
Patrícia Ribeiro Vieira
enriquecer a vida humana e a tornar as privações humanas
mais raras e menos pungentes.20 21
Ao tratar da relação entre expectativa de vida e PNB, Sen destaca que “a
expectativa de vida não se eleva com o crescimento do PNB per capita, mas in-
dicaria que a relação tende a funcionar particularmente por meio do dispêndio
público com serviços de saúde e por meio do êxito na eliminação da pobreza. O
principal impacto do crescimento econômico depende muito do modo como seus
frutos são aproveitados”.22 O que se conrma quando se volta os olhos ao exemplo
de Kerala. 23
Dessa forma, podemos perceber a importância do investimento em edu-
cação por parte do Estado. A educação, uma vez que seus benefícios ultrapassam
o ganho individual pode ser denida como bem semi-público24 por conter um
componente de bem público, uma vez que “uma expansão geral da educação e
20 SEN, Amartya Kumar. Desenvolvimento como liberdade. São Paulo: Companhia das
Letras, 2000. p. 114.
21 Em sua obra “Desenvolvimento como liberdade”, Amartya Sen entende que o
desenvolvimento – nesse momento abordado como crescimento econômico – tem
de estar relacionado à melhoria de qualidade de vida e aumento das liberdades que
são desfrutadas. A expansão das liberdades justica-se por uma dupla nalidade: i) à
medida que enriquece e retira impedimentos e ii) viabiliza a formação de seres sociais
mais completos, que colocam em prática suas volições de forma a interagir e inuenciar
o mundo em que se vive. SEN, Amartya Kumar. Desenvolvimento como liberdade. São
Paulo: Companhia das Letras, 2000. p. 29.
22 SEN, Amartya Kumar. Desenvolvimento como liberdade. São Paulo: Companhia das
Letras, 2000. p. 61.
23 A tese defendida por Sen é a de que o desenvolvimento deve ser visto como um processo
de expansão das liberdades reais que as pessoas desfrutam. Ela contrasta com visões
mais restritas, como as que identicam desenvolvimento como crescimento do PIB,
aumento de renda per capita, industrialização, avanço tecnológico ou modernização.
Esses cinco elementos são obviamente importantíssimos como meios de expandir as
liberdades. Mas as liberdades são essencialmente determinadas por saúde, educação e
direitos civis. MENEZES, Roberto Goulart; RIBEIRO, Cláudio Oliveira. Políticas públicas
pobreza e desigualdade no Brasil: apontamentos a partir do enfoque analítico de Amartya
Sen. Disponível em: p/fass/article/
view/3937/2974>. Acesso em: 26 maio 2010..
24 Dados os benefícios da educação básica compartilhados pela comunidade, que podem
transcender os ganhos da pessoa que está recebendo a educação, a educação básica pode
conter também um componente de bem público (e pode ser vista como liberdade. São
Paulo: Companhia das Letras, 2000. p. 154
| 221
Prismas: Dir., Pol. Publ. e Mundial., Brasília, v. 7, n. 2, p. 213-264, jul./dez. 2010
Aspectos do desenvolvimento e da efetividade do direito à educação no Brasil
alfabetização em uma região pode favorecer a mudança social,25 [...], além de aju-
dar a aumentar o progresso econômico que benecia também out ras pessoas”.26 O
papel do Estado é fundamental na expansão da educação básica de forma notável
em todo o mundo.27
Nesse sentido, o gasto público com educação é um fator importante para a
redução da pobreza de rendas por meio da redução da pobreza como capacidades,
pois “com um gasto irrisório o governo pode facilitar, pode incentivar e pode até
mesmo impor a quase todo o povo a necessidade de adquirir as partes mais essen-
ciais da educação”.28 Entretanto, a questão do gasto, apesar de importante, não é
fator suciente para pensar a educação como um pilar de desenvolvimento do país.
A segunda parte do trabalho é dedicada a desenvolver essa consideração.
2.2 Distinção entre capital humano e capacidade humana
A perspectiva da inserção do indivíduo no desenvolvimento de um país é
um ponto central da teoria do desenvolvimento como liberdade. Para tanto, faz-se
necessária a distinção entre capital humano29 e capacidade humana. A p erspectiva
do capital humano atribui relevância à educação, na medida em que esta guarda
relação com o aumento de produtividade humana que, por sua vez, colabora com
25 Até mesmo a redução da fecundidade e da mortalidade
26 MENEZES, Rober to Goulart; RIBEIRO, Cláudio Oliveira. Políticas públicas pobreza
e desigualdade no Brasil: apontamentos a partir do enfoque analítico de Amartya
Sen. Disponível em: p/fass/article/
view/3937/2974>. Acesso em: 26 maio 2010. p. 154.
27 A rápida disseminação da alfabetização na história dos países hoje ricos (no Ocidente, no
Japão e no restante da Ásia) baseou-se no baixo custo da educação pública combinado
a seus benefícios públicos compartilhados”. MENEZES, Roberto Goulart; RIBEIRO,
Cláudio Oliveira. Políticas públicas pobreza e desigualdade no Brasil: apontamentos a
partir do enfoque analítico de Amartya Sen. Disponível em:
pucrs.br/ojs/index.php/fass/article/view/3937/2974>. Acesso em: 26 maio 2010. p. 154.
28 SEN, Amartya Kumar. Desenvolvimento como liberdade. São Paulo: Companhia das
Letras, 2000. p. 154.
29 Destaca-se que a abordagem feita da teoria do capital humano aqui não é exaustiva, pois
o objetivo é mostrar seu núcleo de proposição teórica.
222 | Prismas: Dir., Pol. Publ. e Mundial., Brasília, v. 7, n. 2, p. 213-264, jul./dez. 2010
Patrícia Ribeiro Vieira
o processo de expansão econômica.30 Dessa forma, apesar do ser humano situar-se
de forma central nessa teoria, o direcionamento oferecido reside na “atuação dos
seres humanos para aumentar as possibilidades de produção”.31 Por sua vez, a pers-
pectiva da capacidade humana “concentra-s e no potencial – liberdade substantiva
– das pessoas para levar a vida que elas têm razão para valorizar e para melhorar as
escolhas reais que elas possuem”.32
Tendo em consideração as duas teorias, nota-se que a primeira situa a va-
lorização do humano, antes, em sua cont ribuição para o aumento da produção ou
obtenção de um melhor preço no mercado e, depois, no enriquecimento direto da
vida do humano, por exemplo, tornando uma pessoa bem nutrida e sadia. Portan-
to, a valorização das qualidades humanas na teoria do capital humano é utilizada a
título de capital na produção.33 “Nesse s entido, a visão mais restrita da abordagem
do capital humano insere-se na perspectiva mais abrangente da capacidade huma-
na, que pode abarcar as consequências tanto diretas como indiretas das qualica-
ções humanas”,34 ou seja, o to de expansão de mercado e maior obtenção de renda
é considerado na teoria da capacidade humana, de forma indireta e na medida em
que colabora para a expansão de capacidades.
Portanto, no delineamento do desenvolvimento como liberdade, tem-se em
conta o uso do conceito de capital humano como uma abordagem enriquecedora,
que carece de suplementação, pois “seres humanos não são meramente meios de
30 “Na análise econômica contemporânea, a ênfase passou, em grande medida, de ver a
acumulação de capital primordialmente em termos físicos a vê-la como um processo
no qual a qualidade produtiva dos seres humanos tem uma participação integral”. SEN,
Amartya Kumar. Desenvolvimento como liberdade. São Paulo: Companhia das Letras,
2000. p. 331.
31 SEN, Amartya Kumar. Desenvolvimento como liberdade. São Paulo: Companhia das
Letras, 2000. p. 332.
32 SEN, Amartya Kumar. Desenvolvimento como liberdade. São Paulo: Companhia das
Letras, 2000. p. 332.
33 Segundo o autor: do modo como se emprega o capital físico.
34 SEN, Amartya Kumar. Desenvolvimento como liberdade. São Paulo: Companhia das
Letras, 2000. p. 332.
| 223
Prismas: Dir., Pol. Publ. e Mundial., Brasília, v. 7, n. 2, p. 213-264, jul./dez. 2010
Aspectos do desenvolvimento e da efetividade do direito à educação no Brasil
produção, mas também a nalidade de todo o processo”.35 36 Sen critica a teoria do
capital humano da seguinte forma:
O reconhecimento do papel das qualidades humanas na
promoção e sustentação do crescimento econômico – ainda
que importantíssimo – nada nos diz sobre a razão de se
buscar o crescimento econômico antes de tudo. Se, em vez
disso, o enfoque for, em última análise, sobre a expansão
da liberdade humana para levar o tipo de vida que as
pessoas com razão valorizam então o papel do crescimento
econômico na expansão dessas oportunidades tem de estar
integrado à concepção mais fundamental do processo de
desenvolvimento como a expansão da capacidade humana
para levar uma vida mais livre e mais digna de ser vivida.37
A perspectiva do capital humano seria apenas uma das abordagens perti-
nentes à perspectiva da capacidade humana, pois, uma compreensão mais integral
das capacidades humanas orienta-se por três fundamentos: 1) sua relevância diret a
para o bem-estar e a liberdade das pessoas; 2) seu papel indireto, inuenciando a
mudança social; e 3) seu papel indireto, inuenciando a produção econômica.38
2.3 Considerações intermediárias
Diante do exposto, vimos que a teoria de desenvolvimento como liberdade
parte da premissa de que o crescimento econômico tem de estar relacionado à
melhoria de qualidade de vida e ao aumento das liberdades que são desfrutadas,39
35 SEN, Amartya Kumar. Desenvolvimento como liberdade. São Paulo: Companhia das
Letras, 2000. p. 334.
36 Sen destaca o posicionamento de Adam Smith: “[...] parece imp ossível que a aprovação da
virtude deva ser do mesmo tipo daquela com que aprovamos uma edicação conveniente
ou bem planejada, ou que não deveríamos ter outra razão para louvar um homem além
daquela pela qual elogiamos uma cômoda” SEN, Amartya Kumar. Desenvolvimento como
liberdade. São Paulo: Companhia das Letras, 2000. p. 335.
37 SEN, Amartya Kumar. Desenvolvimento como liberdade. São Paulo: Companhia das
Letras, 2000. p. 334.
38 SEN, Amartya Kumar. Desenvolvimento como liberdade. São Paulo: Companhia das
Letras, 2000. p. 335.
39 SEN, Amartya Kumar. Desenvolvimento como liberdade. São Paulo: Companhia das
Letras, 2000. p. 29.
224 | Prismas: Dir., Pol. Publ. e Mundial., Brasília, v. 7, n. 2, p. 213-264, jul./dez. 2010
Patrícia Ribeiro Vieira
sendo que o papel do aumento das riquezas está estritamente vinculado ao aumen-
to de liberdades; entretanto estas não podem ser vistas apartadas daquelas no dire-
cionamento de políticas públicas. O exemplo claro é o da saúde e da educação, fa-
tores sociais que colaboram para aumentar o nível de qu alidade de vida e prepara a
população para aproveitar o crescimento econômico. Dessa forma, a relação entre
pobreza de rendas e pobreza de capacidades ocorre na medida em que “o aumento
das capacidades humanas tende a andar junto com a expans ão das produtividades
e do poder de auferir renda”.40 Destaca-se que a redução de pobreza de capacidades
está relacionada de forma indireta à redução da pobreza de renda e de forma direta
ao aumento da qualidade de vida.
Conforme a concepção de Amartya Sen, “a riqueza evidentemente não é
o bem que estamos buscando, sendo ela meramente útil e em proveito de alguma
outra coisa”.41 A concepção de riqueza exposta no começo do livro torna nítida a
distinção entre o desenvolvimento que tem por foco o crescimento do produto per
capita e o que visa a uma concentração mais fundamental na expansão da liber-
dade humana. Esta se baseia na formação de capacidades, em outras palavras, na
possibilidade de alcançar os que possuem razão para valorizar, sendo a liberdade
de escolha o ponto para valorar a aquisição do nível de renda.
Quando Sen analisa a formação de capital humano, tece críticas à inserção
do ser humano como, meramente, um meio de produção para o mercado de forma
a deslocar o posicionamento do primeiro em relação ao segundo. Port anto, apesar
de considerar de grande utilidade a perspectiva do capital humano, considera-a
apenas como uma abordagem útil e não se restringe a ela.
Uma das principais contribuições das teorias de Amartya Sen, por meio dos
indicadores de desenvolvimento humano, foi sua inuencia na denição dos Obje-
tivos de Desenvolvimento do Milênio – ODM, rmado no ano 2000 por 191 chefes
40 SEN, Amartya Kumar. Desenvolvimento como liberdade. São Paulo: Companhia das
Letras, 2000. p. 114.
41 Aristóteles em Ética a Nicômaco: “e Nicomachean ethics, ed. rev. trad. D. Ross, Oxford
University Press, 1980, livro I, seção 5, p. 7. SEN, Amartya Kumar. Desenvolvimento como
liberdade. São Paulo: Companhia das Letras, 2000. p. 28.
| 225
Prismas: Dir., Pol. Publ. e Mundial., Brasília, v. 7, n. 2, p. 213-264, jul./dez. 2010
Aspectos do desenvolvimento e da efetividade do direito à educação no Brasil
de Estado. O documento dessa iniciativa estabeleceu metas para 2015 a partir da
proposta de inserção dos direitos humanos sob a perspectiva do desenvolvimento.
Para educação, foi estabelecida a meta de “garantir que até 2015 todas as crianças,
meninos e meninas, concluam o nível primário de ensino”. Essa meta se subdivide
em meta 3, designada pelas Nações Unidas, e meta 3A, formulada pelo Brasil. Meta
3: “garantir que, até 2015, as crianças de todos os países, de ambos os sexos, termi-
nem um ciclo completo de ensino”. Meta 3A: “garantir que até 2015, todas as crian-
ças, de todas as regiões do país, independentemente de cor/raça e sexo, concluam
o ensino fundamental.42 43 Como o presente estudo visa abordar a educação de
forma sistêmica, a educação fundamental é um dos componentes a serem trat ados.
Dessa forma, a partir dos aspectos explicitados da teoria de desenvolvimen-
to como liberdade, pretende-se pousar a atenção sobre a análise aspectos da efeti-
vidade do direito à educação no Brasil, tendo em vista a importância da educação
para o desenvolvimento de um país.
3 Aspectos da efetividade do direito à educação no brasil
O conceito de efetividade, aqui utilizado, está ligado à realização do objetivo
proposto pela norma, de forma que “a norma é efetiva quando atinge os ns para os
quais ela foi criada”.44 Há distinção entre ecácia e efetividade. Sendo a primeira, a
capacidade de atingir resultados e a segunda, a realização desses resultados. A efe-
tividade de uma norma está sujeita à gradação “confor me tenha, de fato, a lcançado
os objetivos pretendidos, de forma mais ou menos positiva”. 45
42 INSTITUTO DE PESQUISA ECONÔMICA APLICADA. Objetivos de desenvolvimento
do milênio. Relatório Nacional de acompanhamento. IPEA: Brasília, 2010. Disponível em:
http://www.ipea. gov.br>. Acesso em: 11 maio 2010
43 Destaca-se que tal perspectiva de igualdade assemelha-se ao conceito de igualdade
complexa, citada por Maria Del Carmen Feijóo, ao tratar da insuciência do modelo
igualitário sarmientista na Argentina. FEIJOÓ, Maria del Carmen. Argentina: equidad
social y eduación en los ’90. Buenos Aires: IIPE –UNESCO, 2002. p. 16
44 BARROS-PLAUTIAU, Ana Flávia; VARELLA, Marcelo Dias. A efetividade do direito
internacional ambiental. Brasília: UniCEUB ; UNITAR ; UnB, 2009. p. 32.
45 BARROS-PLAUTIAU, Ana Flávia; VARELLA, Marcelo Dias. A efetividade do direito
internacional ambiental. Brasília: UniCEUB ; UNITAR ; UnB, 2009. p. 32.
226 | Prismas: Dir., Pol. Publ. e Mundial., Brasília, v. 7, n. 2, p. 213-264, jul./dez. 2010
Patrícia Ribeiro Vieira
Propõe-se trazer algumas contribuições para analisar a efetividade46 da
educação como direito de todos no Brasil. Para tanto, inicialmente parte-se de es-
tudo realizado pelo IPEA47, “Brasil em desenvolvimento. Estado, Planejamento e
Políticas Públicas”, que, dentre uma diversidade de temas, tratou da questão da
“efetivação do direito à educação: inclusão e melhoria de qualidade”,48 e, partindo
do princípio da educação como direito de todos, analisaram-se três perspectivas:
1) a erradicação do analfabetismo; 2) o nível de qualidade da Educação; e 3) o
acesso à educação superior. Tal recorte foi fundamentado nas seis prováveis condi-
cionantes da defasagem da educação no Brasil:
A começar pelo elevado índice de analfabetismo, cujas
raízes remontam à escravidão e ao pouco interesse que o
colonizador português conferiu à educação na colônia.
Este desinteresse também implicou na chegada tardia da
educação superior ao Brasil, muito tempo depois de sua
implantação em diversas colônias da América hispânica. A
baixa qualidade do ensino ofertado e o incipiente rendimento
dos estudantes da maioria das escolas públicas brasileiras
também resultam de modelo de expansão dos sistemas de
ensino órfão dos necessários aportes de recursos. Além
de o nanciamento ser insuciente, o que compromete
em grande medida a qualidade do ensino ofertado pelos
sistemas públicos, as precárias condições socioeconômicas
de parcela considerável do alunado tendem a agravar seu
rendimento escolar. Como decorrência de tais fatores, os
processos educacionais tornam-se seletivos e excludentes,
de modo que boa parte do alunado é submetida a sucessivas
reprovações que, no limite, culminam com a evasão escolar
denitiva.49
46 Parte-se do conceito de efetividade descrito acima, sem pretensão de discutir o próprio
conceito, pois não é objeto deste estudo.
47 Fundação pública vinculada à Secretaria de Assuntos Estratégicos, o IPEA fornece suporte
técnico e institucional às ações governamentais – possibilitando a for mulação de inúmeras
políticas públicas e de programas de desenvolvimento brasileiro – e disponibiliza, para a
sociedade, pesquisas e estudos realizados por seus técnicos. INSTITUTO DE PESQUISA
ECONÔMICA APLICADA. Brasil em desenvolvimento: estado, planejamento e políticas
públicas. Brasília: IPEA, 2009. Disponível em: .ipe a.gov.br/portal/index.
php?option=com_ content&view=article&id=239&Itemid=6>. Acesso em: 12 maio 2010.
48 INSTITUTO DE PESQUISA ECONÔMICA APLICADA. Brasil em desenvolvimento:
Estado, planejamento e políticas públicas. Brasília: IPEA, 2009. Capítulo 22 do 3 volume.
49 INSTITUTO DE PESQUISA ECONÔMICA APLICADA. Brasil em desenvolvimento:
Estado, planejamento e políticas públicas. Brasília: IPEA, 2009. p. 617.
| 227
Prismas: Dir., Pol. Publ. e Mundial., Brasília, v. 7, n. 2, p. 213-264, jul./dez. 2010
Aspectos do desenvolvimento e da efetividade do direito à educação no Brasil
A proposta do IPEA foi abordar a educação de uma forma sistêmica, loca-
lizando os nós críticos e demandando a articulação entre os entes da federação e
sociedade. Para tanto, valeu-se do Plano de Desenvolvimento da Educação – PDE
– lançado em 2007 pelo MEC.50 O PDE é um conjunto de ações ordenadas em tor-
no da concepção sistêmica de educação.51 A ideia é a criação de “círculos virtuosos
de efeitos multiplicadores em cada nível e/ou modalidade de ensino para com os
demais, de modo a ampliarem-se as oportunidades de acesso e de qualidade da
educação ofertada aos brasileiros”.52 53
Além dos aspectos priorizados pelo IPEA no estudo citado, elegeram-se
outros dois que permitem o alargamento da abordagem da questão educacional no
Brasil, quais sejam, a trajetória dos gastos públicos e a trajetória das mat rículas54 no
período de 1995 a 2005, tendo em vista que o próprio objetivo do PDE relaciona-
-se ao acesso e à qualidade. Dados indicam que o Brasil tem um alto gasto com a
Educação, cerca de 5,5% do seu PIB, que se aproxima da média mundial e de países
que são bem sucedidos na área educacional, entretanto, trata-se de um mal gasto55,
tendo em vista o baixo nível de qualidade da educação.56
50 S obre o PDE uma síntese de sua proposta de implantação pode ser vista em: INSTITUTO
DE PESQUISA ECONÔMICA APLICADA. Políticas sociais: acompanhamento e análise:
20 anos da Constituição Federal. 17. ed. Brasília: IPEA, 2009. v. 2. Como também em:
HADDAD, Fernando. O plano de desenvolvimento da educação: razões, princípios e
programas. Brasília: Inep, 2008.
51 INSTITUTO DE PESQUISA ECONÔMICA APLICADA. Brasil em desenvolvimento:
estado, planejamento e políticas públicas. Brasília: IPEA, 2009. p. 618.
52 INSTITUTO DE PESQUISA ECONÔMICA APLICADA. Brasil em desenvolvimento:
estado, planejamento e políticas públicas. Brasília: IPEA, 2009. p. 619.
53 A ideia de círculo/ciclo também está presente em CASTRO, Cláudio de Moura.
Educação brasileira: consertos e remendos. Rio de Janeiro: Rocco, 2007. p. 51: “Quem vai
continuar a educar a nossa juventude é a escola que aí está com os seus professores e sua
administração”.
54 Destaca-se que os dados utilizados são, em sua maioria, os tratados pelo IPEA em distintas
publicações.
55 Há quem considere que “má administração” seria uma expressão mais adequada.
Entretanto, para ns deste trabalho será mantida a concepção de Cláudio de Moura
Castro.
56 CASTRO, Cláudio de Moura. Educação brasileira: consertos e remendos. Rio de Janeiro:
Rocco, 2007. p. 30.
228 | Prismas: Dir., Pol. Publ. e Mundial., Brasília, v. 7, n. 2, p. 213-264, jul./dez. 2010
Patrícia Ribeiro Vieira
Portanto, para a compreensão dos pontos de análise do estudo sobre efeti-
vidade da educação no Brasil, é preciso ter em mente a estrutura sobre a qual os
desaos são lançados, dentro de uma análise mais ampla. Em outras palavras, a
abordagem sistêmica abarcará a questão do gasto com a educação, das matrículas57
no período de 1995 a 2005, e em seguida, a questão do analfabetismo, da qualidade
educacional e do acesso à educação superior, com ênfase no período de 2004 a
2007.58 Também será feita a abord agem do Relatório Nacional de Acompanhamen-
to dos ODM de 2010, que traz dados referentes aos anos de 1992,59 2005 e 2008 que
trata do desao de universalizar a educação primária.
3.1 Trajetória dos gastos com educação
A análise da trajetória dos gastos com educação, bem como a análise pos-
terior, sobre a trajetória do número de matrículas revelam os principais avanços
em termos educacionais nos últimos anos. São dois aspectos que se relacionam ao
princípio da educação como um direito de todos, previsto no art. 205 da Consti-
tuição Federal.
A trajetória dos gastos com educação demonstra o processo de descentra-
lização, que ganhou força após a Constituição de 1988, uma vez que estabeleceu
um direcionamento claro para a municipalização das políticas públicas e sociais,
“estipulando por sua vez, garantia de recursos e regimes de colaboração entre as
esferas de governo para a consecução das novas incumbências”.60 Tal aspecto é evi-
dente quando se volta atenção para a conguração dos gastos segundo a esfera de
governo, entretanto, não compõe o objeto deste artigo, que visa analisar em linhas
gerais a progressão dos gastos educacionais.
57 Esses dois elementos de análise demonstram a estrutura ampla do sistema educativo.
58 Apesar de nesses três elementos haver a menção de suas trajetórias nos períodos anteriores,
a ênfase é dada ao período de 2004-2007.
59 A análise desse ano cará um pouco restrita, como se verá adiante, tendo em vista a
disponibilidade de dados.
60 CASTRO, Jorge Abrahão de; DUARTE, Bruno de Carvalho. Descentralização da educação
pública no Brasil: trajetória dos gastos e das matrículas. Brasília: IPEA, 2008. (Texto para
Discussão, n. 1352). p. 7.
| 229
Prismas: Dir., Pol. Publ. e Mundial., Brasília, v. 7, n. 2, p. 213-264, jul./dez. 2010
Aspectos do desenvolvimento e da efetividade do direito à educação no Brasil
No período de 1995 a 2005, houve um crescimento real dos gastos em 42%61
realizado pelas três esferas do governo, o que corresponde a um crescimento anual
de 3,5%. Contudo, tal crescimento não se deu de forma constante:62
Percebe-se que entre 1996 e 1997 houve o decréscimo de 3,8%, recuperado
no ano seguinte, em que houve o crescimento de 12,1% em relação a 1995 e 14,7%
em relação a 1997. Salto de crescimento relativo comparável somente ao de 2004,
10,7%, em relação a 2003, neste se constatou uma queda relativa a 2002 de 2,4%.
A ampliação real do gasto total foi de 25,6 bilhões, ou seja, saiu de 61,3 para 86,9.63
61 O estudo, fonte dos dados, indica que foram utilizados valores corrigidos, pois “permite
uma noção da evolução do gasto descontando-se os valores que representam apenas a
correção e a manutenção do poder de compra”. CASTRO, Jorge Abrahão de; DUARTE,
Bruno de Carvalho. Descentralização da educação pública no Brasil: trajetória dos gastos e
das matrículas. Brasília: IPEA, 2008. (Texto para Discussão, n. 1352). p. 19.
62 CASTRO, Jorge Abrahão de; DUARTE, Bruno de Carvalho. Descentralização da educação
pública no Brasil: trajetória dos gastos e das matrículas. Brasília: IPEA, 2008. (Texto para
Discussão, n. 1352). p. 20.
63 CASTRO, Jorge Abrahão de; DUARTE, Bruno de Carvalho. Descentralização da educação
pública no Brasil: trajetória dos gastos e das matrículas. Brasília: IPEA, 2008. (Texto para
Discussão, n. 1352). p. 20.
230 | Prismas: Dir., Pol. Publ. e Mundial., Brasília, v. 7, n. 2, p. 213-264, jul./dez. 2010
Patrícia Ribeiro Vieira
Enquanto o aumento de gastos de 1995 a 2000 foi de 16,3%, houve um crescimento
de 21,8% de 2000 a 2005, ano em que foram rmados os “Objetivos de Desenvol-
vimento do Milênio” (ODM).
Existe uma disparidade na trajetória da distribuição de gastos entre as mo-
dalidades de ensino, que se relaciona à “conguração política e institucional que
se molda em cada subárea – ela depende da luta política travada no interior do
sistema educacional e dos embates com o setor econômico, e dene os limites e as
opções de ação governamental”.64
O gráco65 revela que em todas as modalidades de ensino houve o aumento
de gastos, sendo este mais sensível no EF, posteriormente, no EM seguido do ES e
EI. O fato de ser sensível o aumento de gastos na área da educação, devido à a ltera-
ção de normas referentes ao manejo político de tal área, demonstra a preocupação
64 CASTRO, Jorge Abrahão de; DUARTE, Bruno de Carvalho. Descentralização da educação
pública no Brasil: trajetória dos gastos e das matrículas. Brasília: IPEA, 2008. (Texto para
Discussão, n. 1352). p. 20.
65 CASTRO, Jorge Abrahão de; DUARTE, Bruno de Carvalho. Descentralização da educação
pública no Brasil: trajetória dos gastos e das matrículas. Brasília: IPEA, 2008. (Texto para
Discussão, n. 1352). p. 21.
| 231
Prismas: Dir., Pol. Publ. e Mundial., Brasília, v. 7, n. 2, p. 213-264, jul./dez. 2010
Aspectos do desenvolvimento e da efetividade do direito à educação no Brasil
em direcionar investimentos para essa área, o que é um passo para o aprimoramen-
to da estrutura educacional brasileira, pois de nada adiantaria concepções e planos
bem articulados sem o devido aporte de recursos.66
3.2 Trajetória das taxas de matrícula
A trajetória dos números de matrículas permite visualizar, além do cres-
cimento total das matrículas, a sua variação conforme a modalidade de ensino.
Dessa forma, pode-se visualizar a ampliação da estrutura educacional conforme o
nível de ensino, quais foram os avanços e quais são os limites dessa expansão. Em
relação ao crescimento total das matrículas, pode-se observar seu comportamento
por meio do gráco a seguir:67
66 Do total de gastos indicadores no gráco anterior, 25,6 bilhões, 22,8 bilhões foram
apresentados neste último gráco.
67 CASTRO, Jorge Abrahão de; DUARTE, Bruno de Carvalho. Descentralização da educação
pública no Brasil: trajetória dos gastos e das matrículas. Brasília: IPEA, 2008. (Texto para
Discussão, n. 1352). p. 26.
232 | Prismas: Dir., Pol. Publ. e Mundial., Brasília, v. 7, n. 2, p. 213-264, jul./dez. 2010
Patrícia Ribeiro Vieira
O número total de matrículas em 1995 era de 38, 148 milhões, passando
para 44,416 em 2005, o que revela um crescimento de 16,4%. De 2000 a 2005, o
crescimento foi de 0,2 milhões de matrículas. Destaca-se a estabilidade do número
de matrículas na casa dos 44 milhões a partir de 1998 e o período de 2002 a 2004,
que registrou o ápice do número de matrículas do período total com pequenas
variações, em 2002, 44,767 milhões, em 2003, 44,803 milhões e em 2004, 44,789
milhões. Quanto à distribuição do número de matrículas de acordo com as moda-
lidades de ensino:
Houve aumento do número absoluto e relativo de matrículas em todas as
etapas de ensino, entretanto, o EF, não obstante estar sob foco de política pública
especíca, passou a representar uma parcela menor dentre o total de matrículas.
Assim, apesar de o EF ter crescido 1,3 milhão, em termos relativos sofreu o decrés-
cimo de 7,8%, pois no EM o número de matrículas ascendeu em 3,7 milhões, o que
representou o avanço em 6,7% em termos relativos. Isso se deu, principalmente,
em razão do aumento de número de matrículas no ensino médio em termos abso-
lutos e relativos. Sobre tal conguração, vale ressaltar:
| 233
Prismas: Dir., Pol. Publ. e Mundial., Brasília, v. 7, n. 2, p. 213-264, jul./dez. 2010
Aspectos do desenvolvimento e da efetividade do direito à educação no Brasil
Devido ao arranjo do sistema de educação pública no
período, observa-se que o núcleo da oferta de escola pública
está localizado no ensino fundamental, seguido do ensino
médio. Entretanto, com o passar dos anos, esse mesmo
arranjo estimulou, ainda que indiretamente, a demanda por
– e, conseqüentemente, a oferta de – níveis e modalidades
de ensino mais elevados, em especial do ensino médio. Essa
observação é conrmada pela constatação de queda na
participação relativa da matrícula no ensino fundamental,
enquanto cresceu a participação dos demais níveis de
ensino.68
Pelos dados trazidos, verica-se que o comportamento das trajetórias de
gastos e matrículas não foi similar, “os gastos tiveram variações mais abruptas do
que a matrícula e cresceram a uma taxa real média anual de 3,5%, enquanto as
matrículas cresceram a uma taxa média de 1,5% a.a.69 Portanto, ca evidente que
não houve, necessariamente, uma relação xa entre gasto e número de matrículas.
O gráco que representa a “Participação da matrícula na educação públi-
ca por níveis/modalidades de ensino em relação à matrícula total – 1995-2005”
apresenta um comportamento diferente do gráco anterior que representa a “Par-
ticipação dos gastos com educação pública em cada nível/modalidade de ensino,
em relação ao gasto total – 1995-2005”. No EI, as matrículas cresceram 0,2% e os
gastos -2,8%; no EF, as matrículas decresceram 7,8% e os gastos cresceram 5%; no
EM, o crescimento foi de 6,71% e de 1% e no ES, de 0,9% nas matrículas e -5,2 nos
gastos. Em termos absolutos, o crescimento de 22,8 bilhões nos gastos se relacio-
na ao crescimento de 6,3 milhões de matrículas.70 Quanto ao total de gastos, 81,5
68 CASTRO, Jorge Abrahão de; DUARTE, Bruno de Carvalho. Descentralização da educação
pública no Brasil: trajetória dos gastos e das matrículas. Brasília: IPEA, 2008. (Texto para
Discussão, n. 1352). p. 27.
69 CASTRO, Jorge Abrahão de; DUARTE, Bruno de Carvalho. Descentralização da educação
pública no Brasil: trajetória dos gastos e das matrículas. Brasília: IPEA, 2008. (Texto para
Discussão, n. 1352). p. 27.
70 Gasto médio de R$ 3.619,50 por matrícula.
234 | Prismas: Dir., Pol. Publ. e Mundial., Brasília, v. 7, n. 2, p. 213-264, jul./dez. 2010
Patrícia Ribeiro Vieira
bilhões71 e de matrículas 44,5 milhões72, obteve-se a média de gastos de 1.831,50
por matrícula (g/m). Dessa forma, em 2005, o g/m no EI foi de 1.192,31; no EF, de
1695,36; no EM, de 1.151,89 e no de ES, de 12.500.
Ademais, as variações ocorridas no período revelam certa instabilidade na
estrutura educacional brasileira em relação ao aporte de recursos, mas por outro
lado, demonstra que tal instabilidade73 não afetou de forma signicativa o número
de matrículas nas respectivas modalidades de ensino. A combinação de tais com-
portamentos pode ter uma série de implicações internas à estrutura de ensino,
entretanto, este estudo se limita a indicar tal possibilidade, sem entrar na análise
micro das consequências das oscilações apontadas.
Após apontar quais foram os principais avanços na estrutura educacional
brasileira, cabe introduzir os dados do Relatório Nacional de Acompanhamento
dos “Objetivos de Desenvolvimento do Milênio” – ODM, realizado em março de
2010 pelo IPEA. O propósito de introduzir o resultado desse relatório e poste-
riormente os dados relativos ao analfabetismo, qualidade educacional e acesso à
educação superior é de evidenciar alguns nós críticos da estrutura educacional.
3.3 Relatório nacional de acompanhamento dos “objetivos de
desenvolvimento do milênio” – ODM
Este tópico propõe a abordagem do Relatório Nacional de Acompanhamen-
to realizada em 2010, com dados referentes a 1992, 2005 e 2008. A meta estabeleci-
71 Conforme soma dos valores do gráco “Participação dos gastos com educação pública em
cada nível/modalidade de ensino, em relação ao gasto total – 1995-2005”.
72 Aqui também se tomaram por base os dados do gráco “Participação da matrícula na
educação pública por níveis/modalidades de ensino em relação à matrícula total – 1995-
2005, que apesar de demonstrar pequena distorção em relação aos dados do gráco
“Evolução da matrícula total da educação pública – 1995-2005”, 0,1 milhão, permite
pensar os gastos proporcionalmente às matrículas.
73 Não se pode armar que seja por completo instável em vista que apenas em um dos anos
do período analisado houve o decréscimo de gastos em relação ao ano inicial do período,
de forma que a instabilidade a que se refere está restrita a um faixa especíca de gastos.
| 235
Prismas: Dir., Pol. Publ. e Mundial., Brasília, v. 7, n. 2, p. 213-264, jul./dez. 2010
Aspectos do desenvolvimento e da efetividade do direito à educação no Brasil
da pelo Brasil foi de “garant ir que até 2015, todas as crianças, de todas as regiões do
país, independentemente de cor/raça e sexo, concluam o ensino fundamental.74 A
aferição do cumprimento dessa meta é feita no Relatório de 201075 pelos seguintes
indicadores:
INDICADOR A: Taxa de frequência escolar líquida das
pessoas de 7 a 17 anos, por grupos de idade e nível de
ensino, segundo sexo e cor/raça – Brasil e grandes regiões.
INDICADOR B: Taxa de frequência líquida das pessoas de
7 a 17 anos de idade, segundo os quintos de rendimento
familiar mensal per capita.
INDICADOR C: Proporção de pessoas de 11 e 12 anos
que tenham concluído a 4ª série do ensino fundamental e
pessoas de 18 anos que concluíram este nível de ensino.
INDICADOR D: Índice de adequação idade/anos de
escolaridade, da população de 9 a 16 anos – Brasil e grandes
regiões.
INDICADOR E: Taxa de alfabetização das pessoas de 15
a 24 anos de idade, segundo sexo, cor/raça e situação do
domicílio – Brasil e grandes regiões.76
A partir dos resultados do primeiro indicador, foi p ossível constat ar no âm-
bito do EF a diminuição das disparidades de acesso em todos os itens relacionados,
portanto, foram reduzidas as desigualdades regionais; a desigualdade entre os se-
74 INSTITUTO DE PESQUISA ECONÔMICA APLICADA. Objetivos de desenvolvimento
do milênio. Relatório Nacional de acompanhamento. IPEA: Brasília, 2010. Disponível em:
http://www.ipea. gov.br>. Acesso em: 11 maio 2010
75 Destaca-se que o relatório de 2007 trazia sete indicadores, enquanto o de 2010 traz cinco.
O indicador C tratava da “taxa média esperada e tempo médio de conclusão da 4ª e da
8ª série do ensino fundamental”. O atual indicador E correspondia ao G, enquanto o
indicador E tratava do “resultado do SAEB em língua portuguesa na 4ª série do ensino
fundamental, por redes de ensino, em escolas urbanas”, e o indicador F, dos “resultados
do SAEB em matemática na 3ª série do ensino fundamental, por redes de ensino, em
escolas urbanas”. INSTITUTO DE PESQUISA ECONÔMICA APLICADA. Objetivos
de desenvolvimento do milênio. Relatório Nacional de acomp anhamento. IPEA: Brasília,
2010. Disponível em: http://www.ipea. gov.br>. Acesso em: 11 maio 2010. A discussão
sobre a mudança de indicadores não será objeto do presente artigo.
76 INSTITUTO DE PESQUISA ECONÔMICA APLICADA. Objetivos de desenvolvimento
do milênio. Relatório Nacional de acompanhamento. IPEA: Brasília, 2010. Disponível em:
http://www.ipea. gov.br>. Acesso em: 11 maio 2010. p. 43
236 | Prismas: Dir., Pol. Publ. e Mundial., Brasília, v. 7, n. 2, p. 213-264, jul./dez. 2010
Patrícia Ribeiro Vieira
xos foi anulada; as desigualdades de cor/raça foram sensivelmente atenuadas, bem
como a de localização, rural/urbana. A seguir, a tabela com os dados: 77
Taxa de escolarização líquida nas faixas etárias de 7 a 14 e de 15 a 17 anos, segundo
sexo, cor/raça e localização Brasil e regiões, 1992*, 2005 e 2008
Características Selecionadas Fundamental 7 a 14 anos Médio 15 a 17 anos
1992 2005 2008 1992 2005 2008
Tot al 81,4 94,4 94,9 18,2 45,3 50,4
Norte 82,5 93,1 93,6 11,7 30,7 39,7
Nordeste 69,7 92,4 94,3 9,5 30,1 36,4
Sudeste 88,0 95,8 95,7 24,3 57,4 61,9
Sul 86,9 95,9 95,2 23,1 53,6 56,4
Sexo
Masculino 79,9 94,1 94,9 15,1 40,6 44,4
Feminino 82,7 94,7 94,9 21,3 50,1 56,8
Cor/Raça
Branca 87,5 95,4 95,4 27,1 56,6 61,0
Preta e Parda 75,3 93,6 94,7 9,2 35,6 42,2
Localização
Rural 66,5 92,3 94,3 5,3 24,7 33,3
Urban a 86,2 95,0 95,1 22,3 50,4 54,3
Exclusive a população rural dos estados de RO, AC, AM, RR, PA e AP.
Fonte: IBGE. Pesquisa Nacional por amostra de Domicílios, PNDA; elaborado por Inep/
DTDIE.
A análise dos dados revela que houve o aumento em 87,5% dos números
sintetizados no ano de 2008, ou seja, vinte e um de vinte e quatro. A diminuição da
taxa de escolarização na faixa etária de 7 a 14 anos na Região Sudeste, Sul e Centro-
-oeste acabou colaborando para uma maior homogeneidade entre as regiões, de
forma que a região mais escolarizada voltou a ser a Sudeste, pois esta sofreu que da
de apenas 0,1 p.p. de 2005 a 2008, enquanto a sul sofreu a queda de 0,7 p. p. no mes-
mo período. A redução das disparidades ocorreu também devido ao crescimento
77 INSTITUTO DE PESQUISA ECONÔMICA APLICADA. Objetivos de desenvolvimento
do milênio. Relatório Nacional de acompanhamento. IPEA: Brasília, 2010. Disponível em:
.br>. Acesso em: 11 maio 2010. p. 44.
| 237
Prismas: Dir., Pol. Publ. e Mundial., Brasília, v. 7, n. 2, p. 213-264, jul./dez. 2010
Aspectos do desenvolvimento e da efetividade do direito à educação no Brasil
da taxa de forma mais acentuada na Região Norte e Nordeste, nesta principalmente.
Dessa forma, a média nacional, que em 1992 situava-se em 81,4 e que sua formu-
lação era composta de números díspares na ordem de 18,3 p.p. em 2008 passou a
ser de 94,978 com uma disparidade reduzida a 2,1 p. p. Em relação à taxa de escola-
rização na faixa etária de 15 a 17 anos, os números também são positivos. A média
nacional passou de 18,2 para 50,4, o que corresponde a um acréscimo de 175%.
Quanto à desigualdade entre o sexo feminino e masculino na faixa etária
de 7 a 14 anos, que em 1992 era de 2,1 p. p. a favor do sexo feminino, em 2008 foi
anulada, enquanto na faixa etária de 15 a 17 anos, passou de 6,2 para 14,4 p. p.
no mesmo período em detrimento do sexo masculino. Este teve o crescimento de
194%, enquanto a taxa de escolarização feminina teve o crescimento de 166%, o
que potencializou as desigualdades, pois para que se igualassem, a taxa de escolari-
zação do sexo masculino teria de ter crescido 276% no período analisado.
Em relação à desigualdade entre cor/raça, observa-se que esta sofreu redu-
ção tanto no Ensino Médio – EM – quanto no EF. Neste, a redução foi de 11,5 p.p.
enquanto naquele foi de -0,9 p.p., de forma que, a desigualdade no EF cou na or-
dem de 0,7 p.p. enquanto no EM, 18,8 p.p. Tal movimento no ensino médio ocor-
reu, pois a taxa de escolarização dos brancos com idade entre 15 e 17 passou de
27,1% em 1992 para 61% em 2008, enquanto a dos pardos/negros foi a 9,2% para
42,2%, em outras palavras, enquanto a escolarização dos brancos cresceu 125%, a
dos pardos/negros cresceu 358,7%, enquanto teria de crescer 563% no período de
1992 a 2005 para que a desigualdade fosse igual a zero.
Quanto à localização, no período compreendido entre 1992 e 2008, a desi-
gualdade em torno da taxa de escolarização do EF passou de 19,7 p.p. para 0,8 p.p.
enquanto no EM foi de 4 p.p. Entretanto, destaca-se que em 2005, no EF a desi-
gualdade estava na ordem de 2,7 p.p. enquanto no EM estava na ordem de 25,7 p.p
ou seja, no EM houve uma forte acentuação das desigualdades, conforme os dados
de 2005, e ainda não foi recuperado o nível de desigualdade registrado em 1992,
apesar de já demonstrar queda.
78 Acréscimo de 12%.
238 | Prismas: Dir., Pol. Publ. e Mundial., Brasília, v. 7, n. 2, p. 213-264, jul./dez. 2010
Patrícia Ribeiro Vieira
Dessa forma, observa-se que as desigualdades já atenuadas no EF persistem
no EM. Dos fatores que colaboraram para essa situação, destacam-se a disparidade
da situação inicial do EM em relação ao EF e a vigência do Fundef, política pública
especíca para o EF.79
Os resultados relativos ao indicador B, taxa de frequência líquida das pes-
soas de 7 a 17 anos de idade, segundo os quintos de rendimento familiar mensal
per capita, pode ser visualizado no seguinte gráco:80
A partir dos dados representados no gráco acima, pode ser percebida uma
tendência de equiparação entre os quintos de renda, de forma que a taxa de escola-
79 Dada a v igência do FUNDEB, política pública direcionada para o ensino obrigatório – EF
e EM – a expectativa é de que nos próximos anos essa desigualdade seja atenuada.
80 INSTITUTO DE PESQUISA ECONÔMICA APLICADA. Objetivos de desenvolvimento
do milênio. Relatório Nacional de acompanhamento. IPEA: Brasília, 2010. Disponível em:
http://www.ipea. gov.br>. Acesso em: 11 maio 2010. p. 45.
| 239
Prismas: Dir., Pol. Publ. e Mundial., Brasília, v. 7, n. 2, p. 213-264, jul./dez. 2010
Aspectos do desenvolvimento e da efetividade do direito à educação no Brasil
rização entre o 1º quinto e o 5º quinto, passou de 5,1 p.p. para 1,8 p.p. ou seja, uma
redução de 64,7%.81 Tal diferença passa a ser expressiva quando analisado o EM,
conforme gráco a seguir:82
Conforme os dados desse gráco, observa-se que a disparidade entre os
20% mais pobres e o último extrato de renda era de 49,5 p.p. em 2005 e passou a
ser de 48,9 p.p uma redução de 0,6 p.p. O crescimento da taxa de frequência no
primeiro quinto foi de 32,1% e do último foi de 9,2%, de forma que a equipara-
ção de tal taxa entre as faixas de renda demandaria um crescimento na ordem
de 250,4% entre 2005 e 2008, tendo em vista que o crescimento de 1% no último
quinto correspondeu a 0, 719 p.p. e o primeiro quinto a 0,224 p.p; assim cada 1%
de crescimento em cada quinto guardou a diferença de 0,495 p.p
81 Base de cá lculo: se 5,1 p. p. corresponde a 100% da desigualdade existente em 2005, 1,8 p.
p. corresponde a 35,3% dessa desigualdade, dessa forma, houve a redução de 64,7%.
82 INSTITUTO DE PESQUISA ECONÔMICA APLICADA. Objetivos de desenvolvimento
do milênio. Relatório Nacional de acompanhamento. IPEA: Brasília, 2010. Disponível em:
http://www.ipea. gov.br>. Acesso em: 11 maio 2010. p. 46.
240 | Prismas: Dir., Pol. Publ. e Mundial., Brasília, v. 7, n. 2, p. 213-264, jul./dez. 2010
Patrícia Ribeiro Vieira
É inequívoca a correlação entre renda e frequência ao ensino-
médio. Pelo fato da distorção idade-série ser maior entre
os estudantes de baixa renda, parcela considerável destes
conclui o ensino fundamental na idade adulta, o que diculta
o ingresso e a permanência no ensino médio, tendo em vista
sua necessidade de ingressar no mercado de trabalho. 83
Ademais, esses números guardam a distorção idade/anos de escolaridade
que “ca evidenciada quando se constata que 84% dos jovens de 15 a 17 anos fre-
quentavam a escola em 2008, mas apenas 50% cursavam o ensino médio. Entre os
pertencentes ao primeiro quinto de renda, a taxa de frequência líquida mantinha-
-se quase 21 p. p. abaixo da média nacional”. 84 Para tratar da distorção idade/anos,
pode-se observar os dados referentes ao indicador D, índice de adequação idade/
anos de escolaridade, da população de 9 a 16 anos – Brasil e grandes regiões.
83 INSTITUTO DE PESQUISA ECONÔMICA APLICADA. Objetivos de desenvolvimento
do milênio. Relatório Nacional de acompanhamento. IPEA: Brasília, 2010. Disponível em:
http://www.ipea. gov.br>. Acesso em: 11 maio 2010. p. 46.
84 INSTITUTO DE PESQUISA ECONÔMICA APLICADA. Objetivos de desenvolvimento
do milênio. Relatório Nacional de acompanhamento. IPEA: Brasília, 2010. Disponível em:
http://www.ipea. gov.br>. Acesso em: 11 maio 2010. p. 47.
| 241
Prismas: Dir., Pol. Publ. e Mundial., Brasília, v. 7, n. 2, p. 213-264, jul./dez. 2010
Aspectos do desenvolvimento e da efetividade do direito à educação no Brasil
A distorção indicada cresce ao longo do processo de escolarização, visto que
41% dos jovens de 16 anos em 2008 encontravam-se em situação de atraso escolar.
Assim, o atraso que aos 9 anos é de 14%, cresce em média 3,85% a.a. de idade esco-
lar, sendo mais acentuado na passagem dos 9 para os 10 anos, 0,6 p.p.
Se tomarmos por base a média nacional, é possível vericar que 71% dos
brasileiros na faixa de população de 9 a 16 anos encontram-se em situação adequa-
da. “Em grande medida, esse alto índice de distorção idade/série é devido às desi-
gualdades regionais, que, por sua vez, estão diretamente relacionadas às desigual-
dades de renda”. 85 Observe-se que abaixo da média nacional situam-se a Região
Norte e Nordeste, estando ambas a mais de 20 p. p. abaixo da Região Sul.
85 INSTITUTO DE PESQUISA ECONÔMICA APLICADA. Objetivos de desenvolvimento
do milênio. Relatório Nacional de acompanhamento. IPEA: Brasília, 2010. Disponível em:
http://www.ipea. gov.br>. Acesso em: 11 maio 2010. p. 47.
242 | Prismas: Dir., Pol. Publ. e Mundial., Brasília, v. 7, n. 2, p. 213-264, jul./dez. 2010
Patrícia Ribeiro Vieira
Não obstante tais desigualdades, houve um grande aumento da taxa de con-
clusão de ensino médio, é o que demonstram os dados vinculados ao indicador
C, que registra a proporção de pessoas de 11 e 12 anos que tenham concluído a 4ª
série do EF e pessoas de 18 anos concluíram esse nível de ensino:
Proporções de pessoas de 11 e 12 anos que tenham concluído a 4ª série do ensino
fundamental, e de 18 anos que tenham concluído a 8ª série do ensino fundamental
- Brasil, 1992*, 2005 e 2008
1992 2005 2008
11 anos 29,0 56,7 50,9
12 anos 42,2 75,2 72,3
18 anos 34,0 68,4 75,2
Exclusive a população rural dos estados de RO, AC, AM, RR, PA e AP.
Fonte: IBGE. Pesquisa Nacional por amostra de Domicílios, PNDA; elaborado por Inep/
DTDIE.
Percebe-se certo recuo na conclusão do EF e redução da diferença entre a
conclusão do EF aos 12 e EM aos 18 anos de idade, que em 1992 era de 8,2 p.p. em
favor do EF passou a ser 2,9 p.p. em favor do EM. Isso ocorreu dado o decréscimo
no primeiro de 2,9 p.p. e o crescimento de 6,8 p.p. no segundo, EM.
Por m, o indicador E refere-se à taxa de alfabetização das pessoas de 15 a
24 anos de idade, segundo sexo, cor/raça e situação do domicílio – Brasil e grandes
regiões, e os dados correspondentes são apresentados na tabela abaixo:
| 243
Prismas: Dir., Pol. Publ. e Mundial., Brasília, v. 7, n. 2, p. 213-264, jul./dez. 2010
Aspectos do desenvolvimento e da efetividade do direito à educação no Brasil
Taxa de alfabetização das pessoas de 15 a 24 anos de idade, segundo sexo, cor/raça
e localização Brasil e regiões, 1992*, 2005 e 2008
Características Selecionadas Fundamental 7 a 14 anos
1992 2005 2008
Tot al 91,3 97,2 97,8
Norte 94,0 96,8 97,5
Nordeste 80,0 93,7 95,7
Sudeste 96,5 98,9 99,0
Sul 96,8 98,8 99,0
Centro-Oeste 95,4 98,7 98,8
Sexo
Masculino 89,2 96,2 97,2
Feminino 93,5 98,1 98,5
Cor/Raça
Branca 95,6 98,4 98,7
Preta e Parda 86,8 96,0 97,3
Localização
Rural 94,8 92,6 94,6
Urban a 78,9 98,1 98,5
Exclusive a população rural dos estados de RO, AC, AM, RR, PA e AP.
Fonte: IBGE. Pesquisa Nacional por amostra de Domicílios, PNDA; elaborado por Inep/
DTDIE.
Percebe-se que o analfabetismo entre a população de 15 a 24 anos de idade
sofreu a maior redução na Região Nordeste, de 15,7 p.p, entretanto ainda está 2,1
p. p. abaixo da média nacional em 2008, que é de 97,8%. As desigualdades entre as
regiões também sofreram decréscimo, na medida em que a desigualdade entre o
Nordeste e o Sul que em 1992 correspondia a 16,8 p.p. passou a ser de 3,3 p.p, ou
seja, redução de 13,5 p. p. A desigualdade entre o sexo feminino e masculino redu-
ziu 1,3 p.p. de 1992 a 2008, enquanto amb os os índices de alfabetização cresceram
na ordem de 5 e 8 p.p. respectivamente; entre cor/raça a desigualdade foi reduzida
em mais da metade, passando de 8,8 para 4 p.p. após o crescimento na taxa de alfa-
betização da população branca em 3,1 p. p. e preta/parda em 11,5 p.p.
Já em relação à localização, percebe-se que houve um decréscimo da alfabe-
tização da área rural se comparados os anos de 1992 e 2008, entretanto, por o ano
244 | Prismas: Dir., Pol. Publ. e Mundial., Brasília, v. 7, n. 2, p. 213-264, jul./dez. 2010
Patrícia Ribeiro Vieira
de 2005 demonstrar uma queda em relação a 1992, percebe-se o crescimento de 4
p.p. de 2008 em relação a 2005. O maior crescimento da taxa de alfabetização nessa
faixa populacional foi na área urbana, na ordem de 19,7 p.p. de forma a ultrapassar
a da área rural.
Dessa forma, é possível constatar que existe uma tendência de equiparação
da escolarização líquida entre os quintos de renda, não obstante, no Ensino Médio,
ser perceptível a relação entre a distorção idade-série e a baixa renda., também
existe uma crescente distorção idade-série, em média de 3,85%, conforme os dados
de 2008. Outro fator que contribui para tal distorção é a região, que, por sua vez,
relaciona-se às desigualdades de renda. Nesse sentido, é possível vericar a propo-
sição de Amartya Sen quanto à relação entre pobreza de rendas e de capacidades;
assim, tendo em vista que existe uma reciprocidade entre ambas as pobrezas, pode-
-se perceber a formação de um círculo vicioso nas regiões Norte e Nordeste.
3.4 Analfabetismo entre jovens e adultos
O analfabetismo relaciona-se tanto às insucientes e desiguais
oportunidades de acesso e permanência na escola na idade adequada, quanto ao
fracasso dos sistemas públicos de ensino que geram jovens analfabetos de forma a
alimentar um círculo vicioso de má qualidade de ensino, pois geram professores
despreparados.86 Além destes, pode-se observar a presença de outros dois fatores,
o primeiro relacionado à desmotivação de permanência no ensino tendo em vista
o baixo retorno à educação87, e o segundo, à falha na estruturação do ensino a m
de adequar-se às camadas mais pobres da população.88
86 INSTITUTO DE PESQUISA ECONÔMICA APLICADA. Brasil em desenvolvimento:
estado, planejamento e políticas públicas. Brasília: IPEA, 2009. Disponível em:
ipea.gov.br/portal/ index.php?option=com_content& view=article&id=239&Itemid=6>.
Acesso em: 11 maio 2010. p. 619.
87 Para observar a relação entre educação e a perspectiva microeconômica ver IOSCHPE,
Gustavo. A ignorância custa um mundo: o valor da educação no desenvolvimento do
Brasil. São Paulo: Francis, 2004. p. 152.
88 CASTRO, Cláudio de Moura. Educação brasileira: consertos e remendos. Rio de Janeiro:
Rocco, 2007. p. 65.
| 245
Prismas: Dir., Pol. Publ. e Mundial., Brasília, v. 7, n. 2, p. 213-264, jul./dez. 2010
Aspectos do desenvolvimento e da efetividade do direito à educação no Brasil
A análise do analfabetismo foi estruturada, levando em consideração sua
alta incidência entre adultos e, principalmente, entre idosos, a partir da evolução
do analfabetismo, seguindo a linha de recortes clássicos. 89 O período a ser anali-
sado é o de 1988-200790 com destaque ao quadriênio 2004-2007 tendo em vista
que a área rural da Região Norte passou a ser abrangida pela Pesquisa Nacional
por Amostra de Domicílios – PNAD – a partir de 2004.91 A seguir, será abordada
a evolução do analfabetismo em ambos os períodos, para posteriormente adentrar
na questão da frequência de adultos e idosos à escola.92
Vale destacar uma crítica feita sobre a atuação governamental voltada para
a erradicação do analfabetismo entre adultos, tendo em vista a atual composição
da estrutura:
Escolher como alvo os que não estão mais na escola é
escolher uma população que decidiu abandoná-la por
conta de reprovações sucessivas e um crescente sentimento
de frustração [...]. O Brasil tem que ter hoje a coragem
de optar pelo mais urgente e mais fácil. Urge melhorar a
escola regular para que os seus alunos nem a abandonem
prematuramente nem se formem sabendo um pouco mais
do que assinar o nome. 93
Apesar de se tratar de uma crítica com o to construtivo à estrutura edu-
cacional, entende-se que a retirada de políticas voltadas para a redução de analfa-
betismo entre adultos seria estagnar a situação de uma parcela da população que
já foi excluída do sistema, ou por falhas deste ou por motivos distintos, em uma
condição que não era para existir.
89 Faixa etária, renda, cor/raça, situação do domicílio etc.
90 O que trará informações complementares às do Relatório Nacional de Acompanhamento
dos ODM feito pelo IPEA.
91 INSTITUTO DE PESQUISA ECONÔMICA APLICADA. Brasil em desenvolvimento:
estado, planejamento e políticas públicas. Brasília: IPEA, 2009. Disponível em:
www.ipea.gov.br/portal/index.php?option=com_content&view=article&id=239&Item
id=6>. Acesso em: 11 maio 2010. p. 619.
92 Restrito ao período de 2004-2007.
93 CASTRO, Cláudio de Moura. Educação brasileira: consertos e remendos. Rio de Janeiro:
Rocco, 2007. p. 50.
246 | Prismas: Dir., Pol. Publ. e Mundial., Brasília, v. 7, n. 2, p. 213-264, jul./dez. 2010
Patrícia Ribeiro Vieira
Concordar na manutenção de pobreza de capacidades da parcela adulta
não parece estar de acordo com o princípio da educação como direito de todos.
Ademais, nada indica que o direcionamento de um programa para erradicação do
analfabetismo entre adultos impeça a readequação da estrutura de ensino de forma
a romper com o ciclo de formação de adultos analfabetos, na parte em que lhe cabe.
3.4.1 Trajetória do analfabetismo
A faixa da população analisada é de 15 anos ou mais. No período de 1988-
2007 a redução foi de 47%. Enquanto a redução entre jovens de 15 a 24 anos foi
de 78%, entre a população de 40 anos ou mais foi de 45,7%, não foi maior, pois a
população de 40 anos ou mais não beneciada de forma suciente pelos programas
de alfabetização de adultos.94
O período de 2004 a 2007 demonstrou uma queda de 1,4 %, vindo, em
2007, o índice médio nacional a situar-se em 10%. Analisando por regiões, houve
a ampliação das desigualdades, uma vez que a Região Nordeste teve o menor de-
crescimento do analfabetismo. O mesmo ocorreu em relação à área rural e urbana,
mantendo a concentração de analfabetismo na primeira. Em relação à divisão de
faixa etária em razão da área, houve o decrescimento de analfabetos entre jovens da
área rural, que “está relacionada à migração para as cidades de parte deste estrato
94 Conforme apontado: “Apesar de esta maior redução entre os jovens ser compreensível e
até desejada, à medida que se amplia o acesso à escola e às gerações mais novas, deve-ser
reconhecer que entre os adultos e, sobretudo idosos, a erradicação do analfabetismo está
longe de concretizar-se. Desse modo, a taxa de analfabetismo da população de 15 anos ou
mais em 2007 era igual à dos jovens de 15 a 24 anos, duas décadas antes.” INSTITUTO DE
PESQUISA ECONÔMICA APLICADA. Políticas s ociais: acompanhamento e análise: 20
anos da Constituição Federal. 17. ed. Brasília: IPEA, 2009. v. 2. p. 50.
94 Entre 2004 e 2007, a população de 15 a 29 anos residente em áreas urbanas cresceu 1,8%,
enquanto no meio rural esse estrato populacional decresceu 1,9%. No mesmo período,
houve redução de cerca de 240 mil analfabetos nessa faixa etária entre os residentes nas
cidades, ao passo que na zona rural a diminuição foi de quase 269 mil.” INSTITUTO DE
PESQUISA ECONÔMICA APLICADA. Brasil em desenvolvimento: estado, planejamento
e políticas públicas. Brasília: IPEA, 2009. Disponível em: .ipea.gov.br/portal/
index.php?option=com_ content&view=article&id=239&Itemid=6>. Acesso em: 12 maio
2010. p. 620.
| 247
Prismas: Dir., Pol. Publ. e Mundial., Brasília, v. 7, n. 2, p. 213-264, jul./dez. 2010
Aspectos do desenvolvimento e da efetividade do direito à educação no Brasil
populacional”.95 96 Enquanto dentre os idosos, “devido ao aumento do número de
idosos analfabetos na área rural e à pequena redução ocorrida entre os residentes
nas áreas urbanas”,97 a representação destes em relação ao todo passou por um
crescimento de 3% em relação a 2004, chegando a 40 % em 2007.
No período de 2004-2007, o aumento do contingente de idosos analfabetos
na área rural foi de 132 mil analfabetos, “esse aumento se deve aos adultos que
tinham pelo menos 57 anos, em 2004, e que não foram alfabetizados”.98 Assim,
a não alfabetização em idade adequada dessa faixa populacional não pode ser
compensada em outro período, o que levou à sua manutenção durante toda a vida.
Outro aspecto a ser considerado é o aumento de adultos analfabetos de 40 anos
ou mais, que com o acréscimo de 4%, chegou a representar quase 77% do todo,
“com isso, a incidência do analfabetismo entre idosos passou a ser quase dez vezes
maior que na faixa etária de 15 a 29 anos”.99 Destaca-se que a redução da taxa de
analfabetismo deve ser olhada com cautela, pois a redução de 1% na faixa de 15 a
29 anos corresponde a 19,5 mil jovens aproximadamente, e 1% na faixa de 60 anos
ou mais corresponde 3,5 mil idosos aproximadamente.100
95 INSTITUTO DE PESQUISA ECONÔMICA APLICADA. Brasil em desenvolvimento:
estado, planejamento e políticas públicas. Brasília: IPEA, 2009. Disponível em:
www.ipea.gov.br/portal/index.php?option=com_content&view=article&id=239&Item
id=6>. Acesso em: 12 maio 2010. p. 620.
97 INSTITUTO DE PESQUISA ECONÔMICA APLICADA. Brasil em desenvolvimento:
estado, planejamento e políticas públicas. Brasília: IPEA, 2009. Disponível em:
www.ipea.gov.br/portal/index.php?option=com_content&view=article&id=239&Item
id=6>. Acesso em: 12 maio 2010. p. 620.
98 INSTITUTO DE PESQUISA ECONÔMICA APLICADA. Brasil em desenvolvimento:
estado, planejamento e políticas públicas. Brasília: IPEA, 2009. Disponível em:
www.ipea.gov.br/portal/index.php?option=com_content&view=article&id=239&Item
id=6>. Acesso em: 12 maio 2010. p. 620.
99 INSTITUTO DE PESQUISA ECONÔMICA APLICADA. Brasil em desenvolvimento:
estado, planejamento e políticas públicas. Brasília: IPEA, 2009. Disponível em:
www.ipea.gov.br/portal/index.php?option=com_content&view=article&id=239&Item
id=6>. Acesso em: 12 maio 2010. p. 621.
100 Por exemplo, na faixa de 15 a 29 anos, a queda de 26% na taxa de analfabetismo foi
acompanhada de redução de 509 mil jovens analfabetos. No entanto, a queda de apenas
11% na taxa de analfabetismo na faixa de 60 anos ou mais gerou aumento líquido da ordem
de 39 mil analfabetos”. INSTITUTO DE PESQUISA ECONÔMICA APLICADA. Brasil em
desenvolvimento: estado, planejamento e políticas públicas. Brasília: IPEA, 2009. Disponível
em: .br/portal/index.php?option=com_content&view=article&id=
239&Itemid=6>. Acesso em: 12 maio 2010. p. 621.
248 | Prismas: Dir., Pol. Publ. e Mundial., Brasília, v. 7, n. 2, p. 213-264, jul./dez. 2010
Patrícia Ribeiro Vieira
O cálculo de analfabetismo entre os idosos é resultado de analfabetos pro-
venientes da faixa etária imediatamente anterior, de analfabetos que faleceram no
período e de pessoas alfabetizadas no período de análise, de forma que o aumento
ocorreu devido ao maior ingresso de analfabetos que a redução proporcionada
pelos dois outros fatores.
Dessa forma, percebe-se que há um nó crítico na alfabetização de jovens e
adultos, o que revela a insuciência de promover a erradicação ou a diminuição do
analfabetismo dessa faixa etária.101
Quanto às variáveis i) raça/cor e ii) renda são postas sob análise. Houve
o crescimento de 2% de negros analfabetos, o que se deve ao “crescimento des-
proporcional da população negra nos últimos anos.102 103 No período 1988-2007,
“houve redução de 50% no índice de analfabetismo entre mulheres de 15 anos ou
mais, enquanto a queda entre os homens foi de 44%”, passando a liderança a ser
exercida pelos homens.104
101 INSTITUTO DE PESQUISA ECONÔMICA APLICADA. Brasil em desenvolvimento:
estado, planejamento e políticas públicas. Brasília: IPEA, 2009. Disponível em:
ipea.gov.br/portal/index.php?option=com_content& view=article&id=239&Itemid=6>.
Acesso em: 12 maio 2010. p. 621.
102 Entre 2004 e 2007, a população branca de 15 anos ou mais teria crescido aproximadamente
2,4%, enquanto o aumento da população negra teria sido de 10,9%. [..] este aumento
desproporcional da população negra estaria relacionado ao fato de que maior número
de pessoas passou a se reconhecer como tal. Em razão disso, pode se inferir que entre
estas haveria proporção signicativa de analfabetos”. INSTITUTO DE PESQUISA
ECONÔMICA APLICADA. Brasil em desenvolvimento: estado, planejamento e políticas
públicas. Brasília: IPEA, 2009. Disponível em: .ipe a.gov.br/portal/index.
php?option=com_content& view=article&id=239&Itemid=6>. Acesso em: 12 maio 2010.
p. 621.
103 INSTITUTO DE PESQUISA ECONÔMICA APLICADA. Brasil em desenvolvimento:
estado, planejamento e políticas públicas. Brasília: IPEA, 2009. Disponível em:
ipea.gov.br/portal/index.php?option=com_content& view=article&id=239&Itemid=6>.
Acesso em: 12 maio 2010. p. 621.
104 Especicamente no ano de 2001. INSTITUTO DE PESQUISA ECONÔMICA
APLICADA. Políticas sociais: acompanhamento e análise: 20 anos da Constituição
Federal. 17. ed. Brasília: IPEA, 2009. v. 2. p. 50.
| 249
Prismas: Dir., Pol. Publ. e Mundial., Brasília, v. 7, n. 2, p. 213-264, jul./dez. 2010
Aspectos do desenvolvimento e da efetividade do direito à educação no Brasil
Quanto à renda, o analfabetismo diminuiu na faixa populacional que recebe
até um salário mínimo – SM e aumentou na que recebe de um a dois.105 Ademais,
diante dos dados apresentados, percebeu-se que os reais analfabetos não estavam
sendo alcançados pelo Brasil Alfabetizado, o que ensejou a alteração da lógica de
execução do programa.106
Dessa forma, percebe-se a lenta redução do analfabetismo no Brasil. Esta
se vincula estreitamente à “ampliação de desigualdades que, historicamente, foram
sempre elevadas”. Os grupos que tiveram pequenos avanços “– população da Re-
gião Nordeste, residentes de áreas rurais, e idosos, correspondem signicativa par-
cela da população brasileira”. 107 Quanto ao perl do analfabetismo108, as seguintes
características são reveladas:
i) é bem mais acentuado na população negra; ii) as regiões
menos desenvolvidas, os municípios de pequeno porte e as
zonas rurais apresentam os piores índices; iii) está fortemente
concentrado nos segmentos de baixa renda; e iv) o percentual
e a quantidade de analfabetos se ampliam nos estratos de
idade mais avançada. Além disso, constatou-se que a taxa de
105 É possível que essa mobilidade entre a primeira e a segunda faixa de renda tenha sido
favorecida pelas políticas sociais implementadas e/ou intensicadas a partir de 2003:
Programa Bolsa Família (PBF), Benefício de Prestação Continuada (BPC), Renda Mensal
Vitalícia (RMV), Aposentadoria Rural etc.” INSTITUTO DE PESQUISA ECONÔMICA
APLICADA. Brasil em desenvolvimento: estado, planejamento e políticas públicas. Brasília:
IPEA, 2009. Disponível em: v.br/portal/index.php?option=com_
content&view=article&id =239&Itemid=6>. Acesso em: 12 maio 2010. p. 622.
106 [...] passa a priorizar recursos para os municípios com taxa de analfabetismo acima de
35% e faixa etária de 15 a 29 anos. Além disso, os municípios terão papel preponderante
na implementação do programa, pois caberão a eles a maior parte dos recursos
previstos e a responsabilidade pelo recrutamento e pela capacitação de professores
das redes públicas de ensino. Por m, a concessão de bolsa pecuniária aos profess ores
alfabetizadores, sobretudo aos dos municípios mais pobres, poderá contribuir para a
melhoria de seu desempenho. INSTITUTO DE PESQUISA ECONÔMICA APLICADA.
Brasil em desenvolvimento: estado, planejamento e políticas públicas. Brasília: IPEA,
2009. Disponível em: v.br/portal/index.php?option=com_content&
view=article&id=239&Itemid=6>. Acesso em: 12 maio 2010. p. 622.
107 INSTITUTO DE PESQUISA ECONÔMICA APLICADA. Brasil em desenvolvimento:
estado, planejamento e políticas públicas. Brasília: IPEA, 2009. Disponível em:
ipea.gov.br/portal/ index.php?option=com_content& view=article&id=239&Itemid=6>.
Acesso em: 12 maio 2010. p. 622.
108 Dados de 2007.
250 | Prismas: Dir., Pol. Publ. e Mundial., Brasília, v. 7, n. 2, p. 213-264, jul./dez. 2010
Patrícia Ribeiro Vieira
analfabetismo dentro de uma mesma geração é pouco sensível
a mudanças com o passar dos anos. Seu declínio está ocorrendo
pela escolarização da população mais nova e pela própria
dinâmica populacional, com a morte dos idosos analfabetos.109
Percebe-se que a conjugação dos fatores de exclusão forma um cinturão de
isolamento, que o torna impenetrável pelo sistema educacional, conforme as caracte-
rísticas visualizadas. Também é perceptível a relação entre pobreza de rendas e pobre-
za de capacidades, tendo em vista a forte concentração nos segmentos de baixa renda.
3.4.2 A frequência de adultos e idosos à escola
A questão do analfabetismo entre adultos e idosos persiste, além dos fatores
apontados, devido à “baixa inserção destes segmentos populacionais em progra-
mas de alfabetização e educação entre jovens e adultos”.110 Ou seja, a baixa inserção
é reexo da falta de permeabilidade da faixa de população que se encontra no qua-
dro de exclusão social. Ademais, houve uma signicativa redução da frequência
à escola entre adultos na faixa etária de 40 anos ou mais, o que pode ter ocorrido
devido à reformulação do Programa Brasil Alfabetizado no ano de 2007.111 112
109 CASTRO, Jorge Abrahão de; DUARTE, Bruno de Car valho. Descentralização da educação
pública no Brasil: trajetória dos gastos e das matrículas. Brasília: IPEA, 2008. (Texto para
Discussão, n. 1352). p. 58.
110 INSTITUTO DE PESQUISA ECONÔMICA APLICADA. Brasil em desenvolvimento:
estado, planejamento e políticas públicas. Brasília: IPEA, 2009. Disponível em:
ipea.gov.br/portal/index.php?option=com_content &view=article&id=239&Itemid=6>.
Acesso em: 12 maio 2010. p. 622.
111 Por exemplo, em 2005, havia mais de 2 milhões de alfabetizandos cadastrados, mas a
redução do número de analfabetos de 15 anos ou mais, entre 2005 e 2006, foi de apenas
600 mil. No biênio seguinte, ampliou-se ainda mais a diferença entre o número de
beneciários do programa e o total de pessoas que deixaram a condição de analfabetas”.
INSTITUTO DE PESQUISA ECONÔMICA APLICADA. Brasil em desenvolvimento:
estado, planejamento e políticas públicas. Brasília: IPEA, 2009. Disponível em:
www.ipea.gov.br/portal/index.php?option=com_content&view=article&id=239&Item
id=6>. Acesso em: 12 maio 2010. p. 624.
112 INSTITUTO DE PESQUISA ECONÔMICA APLICADA. Brasil em desenvolvimento:
estado, planejamento e políticas públicas. Brasília: IPEA, 2009. Disponível em:
ipea.gov.br/portal/ index.php?option=com_content &view=article&id=239&Itemid=6>.
Acesso em: 12 maio 2010. p. 622-623.
| 251
Prismas: Dir., Pol. Publ. e Mundial., Brasília, v. 7, n. 2, p. 213-264, jul./dez. 2010
Aspectos do desenvolvimento e da efetividade do direito à educação no Brasil
As conclusões que podem ser auferidas dos dados apontados não diferem
de forma vertiginosa em relação às conclusões do Relatório dos ODM no que toca
às características da população não incluída no sistema de ensino. Existe uma in-
tensicação nos investimentos para impedir o aparecimento do analfabetismo nas
primeiras faixas etárias, entretanto, dadas as condições de desigualdade social,
ocorre a distorção idade/série e consequente saída da pessoa da estrutura de ensi-
no, acrescida da baixa possibilidade de re-inserção.
3.5 Evolução do desempenho em educação básica
A qualidade da educação é uma das questões mais preocupantes, pois além de
contribuir para a não formação de gerações de analfabetos, como visto anteriormente,
é uma necessidade do país, tanto em termos de desenvolvimento quanto pela raciona-
lidade de aplicação dos recursos públicos, que, de certa maneira, acaba por corroborar
com a primeira colocação, pois se trata do retorno a um investimento. Teóricos apon-
tam que “o grande problema do Brasil não é gastar pouco, mas gastar mal.113
Antes de adentrarmos no período de 2004 a 2007, vale trazer dados que
revelam a situação educacional dos alunos no Brasil por meio do Sistema Nacional
de Avaliação da Educação Básica – SAEB114 O nível esperado de desempenho no
SAEB, por série, pode ser visto na tabela abaixo.
113 CASTRO, Cláudio de Moura. Educação brasileira: consertos e remendos. Rio de Janeiro:
Rocco, 2007. p. 33. Em mesmo sentido se posiciona IOSCHPE, Gustavo. A ignorância
custa um mundo: o valor da educação no desenvolvimento do Brasil. São Paulo: Francis,
2004. p. 143.
114 O teste é aplicado a cada dois anos e mede as competências dos alunos de 4ª a 8ª séries
do Ensino Fundamental e 3ª série do Ensino Médio em Português, Matemática e outras
disciplinas. Suas dimensões são gigantescas: a edição de 2001, por exemplo, avaliou 287
mil alunos de quase 7 mil escolas de todo o país, das redes municipal, estadual e privada.
O teste é considerado de excelente qualidade por especialistas em avaliação educacional
e seus resultados têm impacto signicativo na maneira como as secretarias de Educação
pensam seus cursos. Para mais informações sobre a metodologia utilizada BRASIL.
Ministério da Educação. Primeiros resultados: médias de desempenho do SAEB/2005 em
perspectiva comparada. Brasília: INEP, 2007. Disponível em:
download/saeb/2005/SAEB1995_ 2005.pdf>. Acesso em: 13 mar. 2010.
252 | Prismas: Dir., Pol. Publ. e Mundial., Brasília, v. 7, n. 2, p. 213-264, jul./dez. 2010
Patrícia Ribeiro Vieira
Pontuação Série
De 0 a 100 Insignicante
101-175 Fim da 2ª série Fundamental
176-200 Fim da 4ª série Fundamental
201-325 Fim da 8ª série Fundamental
326-400 Fim da 3ª série do Ensino Médio
O desempenho real foge das expectativas, veja-se115
Série Matemátic a
95 97 99 01 03 05 07
4ª EF 191 191 181 176 177 182 190
8ª EF 253 250 246 243 245 239 250
3ºEM 282 289 280 277 279 271 288
Série Português
95 97 99 01 03 05 07
4ª EF 188 186 171 165 169 172 186
8ª EF 256 250 233 235 232 231 250
3ºEM 290 284 267 262 267 257 283
Quanto aos alunos da 4ª série, eles têm o desempenho esperado em Mate-
mática correspondente à sua série, entretanto, numa tendência instável, chegando
em 2003, perto do nível esperado para alunos da 2ª série. Depois desse registro,
não obtiveram ainda, em 2007, a pontuação registrada em 95. Dentro da faixa 176-
200, o máximo foi de 191. Em Português, chegaram a ter o desempenho adequado
à série em 1995 e 1997, caindo bruscamente nos anos seguintes, atingindo o de-
sempenho esperado para a 2ª série do EF, nos anos de 1999 a 2005. A pontuação
adequada voltou a ser alcançada em 2007. Ademais, constata-se que dentro da fai-
xa 176-200, o máximo foi de 186, ou seja, 44% da faixa.
115 Dados disponíveis em: .gov.br/download/saeb/2005/ SAEB1995_ 2005.
pdf e http://www.inep.gov.br/download/Ideb/Nota_Tecnica_n1_ concepcao IDEB.pdf>
Acesso em: 18 jan. 2010.
| 253
Prismas: Dir., Pol. Publ. e Mundial., Brasília, v. 7, n. 2, p. 213-264, jul./dez. 2010
Aspectos do desenvolvimento e da efetividade do direito à educação no Brasil
Os alunos da 8ª série têm o desempenho tanto em Português como em Ma-
temática compatível com o nível de ensino enquadrados, entretanto, dentro da fai-
xa 201-325 pontos, pontuação máxima atingida em Português foi de 253 em 1995,
e a pontuação obtida em 2007 equivale a de 1997, sendo que a pior foi obtida em
2005, com 239 pontos. Em Matemática, a situação não se distingue muito; a pon-
tuação em 2007, 250, não equivale à obtida em 1995, que foi de 256.
Os alunos da 3ª série do Ensino Médio não conseguiram atingir, em ne-
nhum dos anos analisados, a pontuação referente à sua série. Uma catástrofe ate-
nuada pelo resultado de 2007, que rompeu com a tendência decrescente de pontu-
ação no SAEB, sem alcançar, no entanto, a pontuação máxima do período. Tendo
em vista o quadro da qualidade da educação no Brasil, vejamos algumas medidas
que foram adotadas. Tal movimento pode ser explicado pelo aumento da estrutura
educacional, e consequente aumento de matrículas, sem ser acompanhado pelas
condições sucientes à manutenção e superação da qualidade de ensino.
Conforme PDE, “a principal meta estabelecida é atingir o índice de 6
pontos, em 2021, o qual correspondia ao desempenho escolar médio dos países
da Organização para Cooperação e Desenvolvimento Econômico (OCDE), à
época da concepção do plano”.116 Para tanto, foi feito o uso do IDEB117pr incipal
116 INSTITUTO DE PESQUISA ECONÔMICA APLICADA. Brasil em desenvolvimento:
estado, planejamento e políticas públicas. Brasília: IPEA, 2009. Disponível em:
www.ipea.gov.br/portal/index.php?option=com_content&view=article&id=239&Item
id=6>. Acesso em: 12 maio 2010. p. 618.
117 Trata-se de indicador que expressa, por meio de escala numérica, a evolução do
desempenho do sistema educacional, a partir das seguintes variáveis: i) prociência em
exames nacionais; e ii) taxa de aprovação. Ou seja, O Ideb é um indicador de qualidade
educacional que combina informações de desempenho em exames padronizados (Prova
Brasil ou Saeb) – obtido pelos estudantes ao nal das etapas de ensino (4ª e 8ª séries do
Ensino Fundamental e 3ª série do Ensino Médio) – com informações sobre rendimento
escolar (aprovação). Para mais informações sobre o IDEB: http://www.inep.gov.br/
download/Ideb/Nota_Tecnica_n1_ concepcaoIDEB.pdf
254 | Prismas: Dir., Pol. Publ. e Mundial., Brasília, v. 7, n. 2, p. 213-264, jul./dez. 2010
Patrícia Ribeiro Vieira
indicador de monitoramento da evolução de desempenho do sistema educacional
brasileiro”.118 O primeiro ano de aplicação do IDEB119 foi o de 2005.120
Nas escolas de 1ª a 4ª série, considerando o desempenho insuciente abaixo
de 50% da meta estabelecida para 2021, houve redução entre as escolas municipais
e estaduais nas quais a proporção baixou de 10%, chegando a 12% e 13% respec-
tivamente. As escolas municipais e estaduais de 5ª a 8ª obt iveram 18% e 17%, res-
pectivamente.
Destaca-se que houve ampliação de desigualdade do IDEB entre as regiões
Norte/Nordeste e Sul/Sudeste/Centro-Oeste
[...] as regiões Norte e Nordeste, que apresentavam os piores
resultados em 2005, foram as que menos evoluíram em
relação a tal indicador. Se, nas regiões Sul, Sudeste e Centro-
Oeste, a proporção de escolas com baixo desempenho
foi reduzida entre 31% e 57%, naquelas duas regiões a
redução oscilou entre 13% e 17%. Portanto, ampliou-se a
118 A Prova Brasil e o Saeb são instrumentos de avaliação do sistema educacional brasileiro
criados para auxiliar no desenvolvimento e implementação de políticas públicas
educacionais. Avaliam o que os alunos sabem em termos de habilidades e competências,
e não simplesmente de conteúdo. Ambas são aplicadas a cad a dois anos a alunos de séries
nais de ciclos da Educação Básica: 4ª e 8ª série do Ensino Fundamental (caso da Prova
Brasil) e também 3º ano do Ensino Médio (no caso do Saeb).
[...] A participação é voluntária, entretanto, é importante às escolas, municípios e unidades
da Federação participarem das avaliações para terem seu Índice de Desenvolvimento
da Educação Básica (Ideb) calculado, e, conseqüentemente, participar dos programas
baseados nas metas previstas pelo Compromisso Todos p ela Educação do MEC.
As médias de desempenho na Prova Brasil e no Saeb subsidiam o cálculo do Ideb e,
a partir dele e das demais informações apuradas nas provas, o MEC e as secretarias
de Educação denem ações voltadas para a correção de distorções e direcionam seus
recursos técnicos e nanceiros para as áreas prioritárias, visando ao desenvolvimento do
sistema educacional brasileiro e à redução das desigualdades existentes nele. Disponível
em: http://provabrasil.inep.gov.br/index.php?option=com_content&task=view&id=33&
Itemid =60 Acesso realizado em: 18 jan. 2010.
119 O c álculo do IDEB é realizado segundo diversos recortes ou categorias: i) por nível de
ensino – anos iniciais do Ensino Fundamental; anos nais do Ensino Fundamental;
Ensino Médio; e ii) por dependência administrativa da escola – pública: federal, estadual
e municipal; e privada.
120 Dessa forma, apesar de pequeno o período analisado, é importante a análise de tais dados
que revelam uma nova metodologia utilizada pela MEC.
| 255
Prismas: Dir., Pol. Publ. e Mundial., Brasília, v. 7, n. 2, p. 213-264, jul./dez. 2010
Aspectos do desenvolvimento e da efetividade do direito à educação no Brasil
desigualdade, no período 2005-2007, entre as regiões com
melhor e pior desempenho em termos de IDEB. 121
Especicamente quanto ao SAEB, percebe-se que a educação básica em ter-
mos de qualidade de ensino, congura-se em forma de pirâmide, uma vez que
quanto maior a série menor o desempenho dos alunos em relação ao desejável, de
forma que a pontuação obtida pelos anos da 3ª série do EM não ultrapassa o espe-
rado para os alunos da 8ª série do EF. Ademais, a pontuação não progrediu com
o passar dos anos, entretanto, no ano de 2007 houve uma recuperação em relação
aos anos anteriores que estavam sob uma tendência decrescente de resultado. Tal
melhora, ainda que insuciente no caso da 3ª série do Ensino Médio deve ser regis-
trada, pois rompe com a tendência percebida até então e pode ser um indicativo de
uma tendência crescente no nível de qualidade de ensino e rendimento dos alunos.
Outra característica importante é a revelada pelo resultado do IDEB em
termos regionais, tendo em vista que podem ser cruzadas com os índices de analfa-
betismo e indicarem a presença de um ciclo vicioso. Mais uma vez pode-se apontar
na direção da relação entre pobreza de capacidades e pobreza de rendas.
3.6 Ampliação e equalização do acesso à educação superior
A abordagem desse tema se justica devido ao processo histórico iniciado
pela chegada tardia do ensino superior no Brasil e por representar uma das pa-
radas nais dentro do ciclo educacional, em outras palavras, a acessibilidade ao
ensino superior também indica a qualidade do ciclo de ensino básico. A análise
da ampliação e equalização do acesso à educação superior será feita com base na
i) evolução das matrículas e no Programa Universidade para Todos – ProUni e ii)
desigualdades de acesso à educação superior.
121 INSTITUTO DE PESQUISA ECONÔMICA APLICADA. Brasil em desenvolvimento:
estado, planejamento e políticas públicas. Brasília: IPEA, 2009. Disponível em:
ipea.gov.br/portal/index.php?option=com_content &view=article&id=239&Itemid=6>.
Acesso em: 12 maio 2010. p. 628.
256 | Prismas: Dir., Pol. Publ. e Mundial., Brasília, v. 7, n. 2, p. 213-264, jul./dez. 2010
Patrícia Ribeiro Vieira
3.6.1 Evolução das matrículas e programa universidade para todos
Os dados do Censo da Educação Superior de 2007122 revelaram uma mu-
dança da tendência percebida na década de 1990, em que houve uma forte expan-
são do setor privado e tímida expansão das matrículas nas instituições públicas de
ensino superior. Dois fatores po dem explicar tal mudança: i) saturação do modelo
de expansão adotado e ii) dinamismo conferido pelo MEC à rede pública federal
de ensino superior, a exemplo do Programa de Apoio a Planos de Reestruturação e
Expansão das Universidades Federais – Reuni.123
O aumento de estudantes nas Instituições Federais de Ensino Superior –
IFES – foi de 23,4% e nas Instituições de Ensino Superior privadas foi de 16,5%.
Quanto à oferta de vagas, em relação ao quadriênio anterior, nas IES privadas hou-
ve queda de 5% na taxa de crescimento, antes de 29%, e nas IFES a taxa de cresci-
mento passou de 0,3% para 25,1% no período 2004-2007.124
O ProUni, no período 2005-2007, viabilizou o crescimento de quase 225%
da concessão de bolsas, “de modo que neste último ano estas bolsas já correspon-
diam a 8,5% do total de matrículas nas IES privadas e as novas concessões repre-
sentavam 61,3% do acréscimo de matrículas em relação ao ano anterior”.125
Portanto, ao que cabe ao acesso à educação superior em relação ao número
de vagas e viabilização de acesso devido à concessão de bolsas, ou seja, atenuando
as desigualdades distributivas, o ProUni tem se revelado um elemento de efetivi-
122 Divulgação do INEP/MEC.
123 INSTITUTO DE PESQUISA ECONÔMICA APLICADA. Brasil em desenvolvimento:
estado, planejamento e políticas públicas. Brasília: IPEA, 2009. Disponível em:
ipea.gov.br/portal/ index.php?option=com_content& view=article&id=239&Itemid=6>.
Acesso em: 12 maio 2010. p. 629.
124 INSTITUTO DE PESQUISA ECONÔMICA APLICADA. Brasil em desenvolvimento:
estado, planejamento e políticas públicas. Brasília: IPEA, 2009. Disponível em:
www.ipea.gov.br/portal/index.php?option=com_content&view=article&id=239&Item
id=6>. Acesso em: 12 maio 2010. p. 629.
125 INSTITUTO DE PESQUISA ECONÔMICA APLICADA. Brasil em desenvolvimento:
estado, planejamento e políticas públicas. Brasília: IPEA, 2009. Disponível em:
www.ipea.gov.br/portal/index.php?option=com_content&view=article&id=239&Item
id=6>. Acesso em: 12 maio 2010. p. 630.
| 257
Prismas: Dir., Pol. Publ. e Mundial., Brasília, v. 7, n. 2, p. 213-264, jul./dez. 2010
Aspectos do desenvolvimento e da efetividade do direito à educação no Brasil
dade do direito à educação. Ressalte-se que existem motivos pelos quais o alunado
não alcança a conclusão do ensino médio e que, portanto, o impede de ter acesso
ao ensino superior.
3.6.2 Sobre as desigualdades de acesso à educação superior
Neste ponto, serão analisadas as taxas de frequência à educação superior a
partir das variáveis de renda e raça/cor, tendo em vista que o acesso à educação su-
perior não está restrita ao ingresso, mas revela consistência também em termos de
frequência do alunado. Com a implantação do ProUni, a taxa de frequência de pes-
soas com renda familiar per capita de até 1,5 SM saiu de 45,4% para 60,6%, ou seja,
aumentou em 15,2%, e o grupo que se situa entre 1,51 SM e 3 SM acompanhou tal
tendência em menor proporção. Portanto, “uma vez que as taxas de crescimento
foram maiores na faixa de renda de até 1,5 SM, reduziu-se a diferença entre ambos
os grupos de renda, com intensidade ligeiramente maior nos dois primeiros anos
de vigência do ProUni.126
Em relação à variável cor/raça, a expansão da taxa de frequência entre os
brancos foi maior que a dos negros. O maior crescimento entre os negros ocor-
reu antes da implantação do ProUni – 2002 a 2004, enquanto, entre os brancos, o
maior crescimento ocorreu após. Em outras palavras, apesar do crescimento entre
os negros ter sido de 54% nos dois primeiros anos de vigência do programa, em
processo de ascensão, tal aumento foi menor que no período de 2002 a 2004, de
forma signicativa.127
126 INSTITUTO DE PESQUISA ECONÔMICA APLICADA. Brasil em desenvolvimento:
estado, planejamento e políticas públicas. Brasília: IPEA, 2009. Disponível em:
www.ipea.gov.br/portal/index.php?option=com_content&view=article&id=239&Item
id=6>. Acesso em: 12 maio 2010. p. 631.
127 INSTITUTO DE PESQUISA ECONÔMICA APLICADA. Brasil em desenvolvimento:
estado, planejamento e políticas públicas. Brasília: IPEA, 2009. Disponível em:
ipea.gov.br/portal/index.php?option=com_content& view=article&id=239&Itemid=6>.
Acesso em: 12 maio 2010. p. 631.
258 | Prismas: Dir., Pol. Publ. e Mundial., Brasília, v. 7, n. 2, p. 213-264, jul./dez. 2010
Patrícia Ribeiro Vieira
A questão racial é minimizada à medida que aumenta a renda, percebe-se
que “na faixa de até 1.5 SM, a taxa de frequência de negros correspondia a cerca
da metade da registrada pelos brancos, enquanto na faixa de renda subsequente a
proporção atingia 83%, em 2007.128 Ou seja, a desigualdade cou situada em 17%,
na faixa de renda de 1,51 a 3 SM, enquanto na faixa anterior foi de 50%. Tal fato
demonstra que um dos fatores para a diminuição de desigualdades raciais no aces-
so ao ensino superior é a renda. Contudo, ainda não se pode falar em eliminação
das desigualdades.
Ao longo do período 2002-2007, houve a redução das diferenças entre as
taxas de frequência à educação superior entre negros e brancos nas duas faixas de
renda.129 Tal inexão pode estar associada à insuciência de oferta de bolsas, bem
como à demanda estar perto da saturação, principalmente na faixa de menor ren-
da, em que a diferença é maior. Portanto, “pelo fato de ser pequeno o número de
candidatos negros que concluem o ensino médio e que almejam e/ou encontram-
-se em condições de prosseguir nos estudos em nível superior”.130
Interessante notar que a possibilidade do número de candidatos negros ser
menor que o de candidatos brancos revela um nó crítico em outro ponto da estru-
tura educacional. Dessa forma, para que tal desigualdade seja atenuada/eliminada
é preciso trabalhar tal questão na educação básica.
Portanto, apesar de ainda persistirem desigualdades no acesso à educação
superior, com a implementaç ão do ProUni a lguns resultados já são sensíveis, como
128 INSTITUTO DE PESQUISA ECONÔMICA APLICADA. Brasil em desenvolvimento:
estado, planejamento e políticas públicas. Brasília: IPEA, 2009. Disponível em:
ipea.gov.br/portal/ index.php?option=com_content& view=article&id=239&Itemid=6>.
Acesso em: 12 maio 2010. p. 632.
129 INSTITUTO DE PESQUISA ECONÔMICA APLICADA. Brasil em desenvolvimento:
estado, planejamento e políticas públicas. Brasília: IPEA, 2009. Disponível em:
ipea.gov.br/portal/ index.php?option=com_content& view=article&id=239&Itemid=6>.
Acesso em: 12 maio 2010. p. 632.
130 INSTITUTO DE PESQUISA ECONÔMICA APLICADA. Brasil em desenvolvimento:
estado, planejamento e políticas públicas. Brasília: IPEA, 2009. Disponível em:
ipea.gov.br/portal/ index.php?option=com_content& view=article&id=239&Itemid=6>.
Acesso em: 12 maio 2010. p. 632.
| 259
Prismas: Dir., Pol. Publ. e Mundial., Brasília, v. 7, n. 2, p. 213-264, jul./dez. 2010
Aspectos do desenvolvimento e da efetividade do direito à educação no Brasil
a diminuição da desigualdade de acesso entre os estudantes que se situam na faixa
de renda de 1,5 SM e na faixa de 1,51 a 3 SM e, ainda, a diminuição na redução das
desigualdades de frequência à educação superior associada à renda. Entretanto,
persiste a necessidade de viabilizar o acesso em relação aos estudantes negros a
partir do fortalecimento de acesso e permanência no ensino básico, e, conforme
foi visto nos resultados do Relatório dos ODM, há uma tendência de atenuação da
relação entre desigualdades sociais e de acesso à educação.
4 Conclusão
Foi possível constatar o aumento do esforço público em implementar polí-
ticas educativas para conferir um maior grau de efetividade do art. 205 da CF/88,
que dispõe que a educação é um direito de todos. A maior efetividade desse dispo-
sitivo demanda a expansão dos serviços educacionais, que, por sua vez, colabora
com a geração de capacidades e expansão da liberdade individual, fatores funda-
mentais para o desenvolvimento de um país, na concepção de desenvolvimento de
Amartya Sen.131
É salientar que a educação é um dos elementos do “preparo social”, 132 ou
seja, que colabora para a formação de uma base social que proporciona susten-
tação adequada ao êxito econômico. O Estado possui um papel fundamental na
expansão educativa, de forma que o gasto é um dos componentes essenciais para
tal expansão.
No período de 1995 a 2005, pôde-se constatar que houve expansão da es-
trutura educacional brasileira a partir da análise da trajetória dos gastos bem como
do número de matrículas. Apesar de ser perceptível a oscilação dos gastos, não se
131 Apesar de Sen deixar clara a relação entre pobreza de rendas e pobreza de capacidades,
neste artigo a análise foi direcionada para a segunda, tendo em vista que se optou por
vericar a efetividade da educação como direito de todos. Em outras palavras, não
foi vericado impacto do aumento das capacidades sobre a renda tendo em vista que
ultrapassava o objetivo do trabalho.
132 Denominação própria de Amartya Sen (item 1.1)
260 | Prismas: Dir., Pol. Publ. e Mundial., Brasília, v. 7, n. 2, p. 213-264, jul./dez. 2010
Patrícia Ribeiro Vieira
pode armar que haja uma completa instabilidade, tendo em vista que apenas em
um dos anos do período analisado houve o decréscimo de gastos em relação ao ano
inicial do período, portanto a oscilação observada está restrita a uma faixa espe-
cíca de gastos. Tal oscilação, ao que consta nos dados, não afetou a trajetória do
número de matrículas nas respectivas modalidades de ensino, entretanto, a com-
binação de tais comportamentos pode ter sérias implicações internas à estrutura
de ensino, como por exemplo, a questão da repetência, que poderá ter reexos na
formação do IDEB, caso seja mantido tal comportamento na trajetória dos gastos.
Outro meio para vericar as consequências de tal oscilação seria vericar a taxa de
frequência do alunado.
O alto investimento na ampliação da estrutura de ensino permite concluir
que existe uma direção comum das preocupações governamentais e a perspectiva
de desenvolvimento como liberdade. Como já mencionado, dado o caráter de bem
semi-público da educação, esta contribui para o aumento de capacidades, assim
como a saúde, e é imprescindível para o aproveitamento, por parte da população,
do crescimento econômico de um país.
A formação do preparo social, no entanto, sofre algumas restrições apesar
do avanço da estrutura educacional, que pode ser atribuído a outros fatores de
desigualdade social, como a desigualdade de renda e diferença de raça/cor. Tais
fatores podem ser vistos com nitidez na abordagem dos demais elementos: 1) erra-
dicação do analfabetismo; 2) distorção idade-série; 3) diferenças regionais; 4) nível
de qualidade; e 5) acesso à educação superior.
O perl do analfabetismo demonstra, em síntese, que eles é mais acentua-
do na população negra, nas regiões menos desenvolvidas, nos segmentos de baixa
renda e na população de idade mais avançada. O declínio do analfabetismo está
ocorrendo em virtude da escolarização da nova geração133 e pelo falecimento dos
idosos analfabetos, o que revela que existe uma geração inalcançável pela educa-
ção, em outras palavras, uma vez excluídos do sistema educacional, para sempre
133 Nesse sentido, estão direcionados os esforços para atingir a meta de que todas as crianças
concluam o Ensino Fundamental até 2015.
| 261
Prismas: Dir., Pol. Publ. e Mundial., Brasília, v. 7, n. 2, p. 213-264, jul./dez. 2010
Aspectos do desenvolvimento e da efetividade do direito à educação no Brasil
excluídos. Essa armação também é evidenciada quando observada a frequência
de adultos e idosos à escola, que revela ser baixa. Dessa forma, apesar de existir um
programa destinado à educação de adultos, estes muitas vezes são inalcançáveis
pelo sistema de ensino devido à soma de fatores que levam à sua exclusão, como
pode ser constatado.
Percebe-se que a conjugação dos fatores de exclusão forma um cinturão de
isolamento, que o torna impenetrável pelo sistema educacional, conforme as ca-
racterísticas visualizadas. Também é perceptível a relação entre pobreza de rendas
e pobreza de capacidades, pois a concentração desta última está nos segmentos de
baixa renda.
Apesar da expansão do número de matrículas no período analisado, 1995-
2005, percebe-se que a qualidade da educação não obteve níveis satisfatórios,
principalmente na 3ª série do Ensino Médio. Com o aumento do número de con-
cluintes da educação básica há um tensionamento para entrada no ensino superior,
entretanto a ideia de ciclo leva à conclusão de que as falhas ocorridas na educação
básica reverberam no ensino superior, em outras palavras, a não atenuação de de-
sigualdades nessa fase ganha proporções na etapa posterior.
No que diz respeito ao acesso à educação superior, é possível notar a redu-
ção de desigualdades quanto às variáveis de renda e raça/cor, de forma que houve a
redução das desigualdades em razão da condição econômica e étnica do estudante.
Entretanto, há indicação de que o maior acesso de negros é obstado frente à inade-
quada estruturação do ciclo educacional.
Tais fatores combinam para o afunilamento do número de estudantes no
ciclo educacional, para reforçar a relação entre pobreza de rendas e de capacidades
de uma forma negativa. Destaca-se que a pobreza de rendas, no caso brasileiro,
normalmente está associado a outros elementos como raça e localização – regiões
Norte e Nordeste, bem como rural.
Para inserir as pessoas que se situam nas faixas de desigualdade social, por-
tanto, não basta a mera expansão da estrutura educacional da forma como foi feita,
262 | Prismas: Dir., Pol. Publ. e Mundial., Brasília, v. 7, n. 2, p. 213-264, jul./dez. 2010
Patrícia Ribeiro Vieira
sendo necessárias medidas especícas para atingir a faixa populacional que perma-
nece fora do sistema educativo.
Do exposto, observa-se que a questão da destinação de recursos à educação
não é o problema central do Brasil, com exceção à instabilidade relativa apontada.
A questão do acesso ao EF também se encontra em boa situação. Os nós críticos es-
tão em outros pontos da estrutura, como a qualidade do ensino, a distorção idade/
série, as desigualdades de renda e a questão do acesso ao ensino superior e, tam-
bém, a questão do analfabetismo acentuado na faixa etária dos 40 anos ou mais.
Ainda há um longo caminho a ser percorrido para que se possa falar que o
direito à educação no Brasil é plenamente efetivo, b em como que a educação pode
ser considerada um pilar sólido do desenvolvimento nacional e que há o preparo
social para o desenvolvimento do país. As melhoras observadas com a implemen-
tação das políticas públicas previstas na CF/88 em suas sucessivas alterações refe-
rentes à educação são signicativas e os desaos nacionais são lançados hoje sobre
um tecido distinto da década passada.
Aspects of the development and implementation of the right to
education in Brazil.
Abstract
is article aims to relate aspects of development theory as freedom by
Amartya Kumar Sen relevant to education on the eectiveness of the principle
laid down in art. 205 of the Constitution, which establish education as a right for
everyone. e eectiveness is related to the ability to achieve the purposes for whi-
ch the standard was created. To measure the eectiveness of art. 205 of CF/88, get
up data on the trajectory of public spending on education, enrollment, and eradi-
cation of illiteracy, level of education quality and access to higher education, becau-
se these are key indicators to measure the output in the area of education. Amartya
Sen includes education as one of the factors that contr ibute to the development of
a country. e proposed analysis enables to evaluate the progress and challenges
| 263
Prismas: Dir., Pol. Publ. e Mundial., Brasília, v. 7, n. 2, p. 213-264, jul./dez. 2010
Aspectos do desenvolvimento e da efetividade do direito à educação no Brasil
ahead of the country’s development in education during the post-‘88. We can point
to a signicant improvement in the nat ional picture due to the implementation of
educational policies in the last decade.
Keyword s: Development. Education. Education’s policies.
Referências
BARROS-PLAUTIAU, Ana Flávia; VARELLA, Marcelo Dias. A efetividade do
direito internacional ambiental. Brasília: UniCEUB; UNITAR; UnB, 2009.
BRASIL. Ministério da Educação. Primeiros resultados: médias de desempenho
do SAEB/2005 em perspectiva comparada. Brasília: INEP, 2007. Disponível em:
http://www.inep.gov.br/download/saeb/2005/SAEB1995_2005.pdf>. Acesso em:
13 mar. 2010.
CASTRO, Cláudio de Moura. Educação brasileira: consertos e remendos. Rio de
Janeiro: Rocco, 2007.
CASTRO, Jorge Abrahão de; DUARTE, Bruno de Carvalho. Descentralização da
educação pública no Brasil: trajetória dos gastos e das matrículas. Brasília: IPEA,
2008. (Texto para Discussão, n. 1352).
CASTRO, Jorge Abrahão de; RIBEIRO, José Aparecido Carlos (Org.). Situação
social brasileira: 2007. Brasília: IPEA, 2009.
EDO, María. Amartya Sen y el desarrollo como libertad: la viabilidad de una
alternativa a las estrategias de promoción del desarrollo. Argentina: Universidad
Torcuato di Tella, 2002.
FEIJOÓ, Maria del Carmen. Argentina: equidad social y eduación en los ’90.
Buenos Aires: IIPE –UNESCO, 2002.
IDEB. Nota técnica. Disponível em: .gov.br/download/Ideb/
Nota_Tecnica_ n1_concepcaoIDEB.pdf>. Acesso em: 12 maio 2010.
INSTITUTO DE PESQUISA ECONÔMICA APLICADA. Políticas sociais:
acompanhamento e análise: 20 anos da Constituição Federal. n. 17. v. 2. Brasília:
IPEA, 2009.
264 | Prismas: Dir., Pol. Publ. e Mundial., Brasília, v. 7, n. 2, p. 213-264, jul./dez. 2010
Patrícia Ribeiro Vieira
IOSCHPE, Gustavo. A ignorância custa um mundo: o valor da educação no
desenvolvimento do Brasil. São Paulo: Francis, 2004.
INSTITUTO DE PESQUISA ECONÔMICA APLICADA. Brasil em
desenvolvimento: estado, planejamento e políticas públicas. Brasília: IPEA, 2009.
Disponível em:pea.gov.br>. Acesso em: 12 maio 2010.
INSTITUTO DE PESQUISA ECONÔMICA APLICADA. Objetivos de
desenvolvimento do milênio. Relatório Nacional de acompanhamento. IPEA:
Brasília, 2010. Disponível em:http://www.ip ea. gov.br>. Acesso em: 11 maio 2010.
MENEZES, Roberto Goulart; RIBEIRO, Cláudio Oliveira. Políticas públicas
pobreza e desigualdade no Brasil: apontamentos a partir do enfoque analítico de
Amartya Sen. Disponível em: hp/
fass/article/view/ 3937/2974 >. Acesso em: 26 maio 2010.
SEN, Amartya Kumar. Desenvolvimento como liberdade. São Paulo: Companhia
das Letras, 2000.

Para continuar a ler

PEÇA SUA AVALIAÇÃO

VLEX uses login cookies to provide you with a better browsing experience. If you click on 'Accept' or continue browsing this site we consider that you accept our cookie policy. ACCEPT