Aspectos configurativos do assédio moral

AutorAdriana Wyzykowski/Renato Da Costa Lino De Goes Barros/Rodolfo Pamplona Filho
Ocupação do AutorProfessora substituta da Universidade Federal da Bahia ? (UFBA)/Professor de Direito do Trabalho do Centro Universitário Jorge Amado e da Faculdade Dois de Julho/Juiz Titular da 1ª Vara do Trabalho de Salvador/BA
Páginas114-152

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3.1. Noções preliminares

O assédio moral é um tema que tem despertado grande interesse social em razão das graves repercussões resultantes de sua ocorrência.

Inúmeros são os trabalhos e as pesquisas que vêm surgindo sobre a presente temática, bem como reportagens e denúncias veiculadas na imprensa. Entretanto, o assédio moral é pouco compreendido e discutido nas organizações brasileiras, sendo bastante comum a confusão em relação ao assédio sexual.

Neste caminho, a importância e o mérito de se estudar um fenômeno como o assédio moral, nas palavras de Nascimento256, é justamente:

O alcance de uma definição que pode agrupar uma série de comportamentos que suas vítimas, principalmente aquelas que trabalham em empresas de médio e grande porte, notavam como sendo “algo errado”, porém pela falta de categoria específica deste mal, muitas vezes submetiam-se e tornavam-se cúmplices de tais práticas perversas.

É inquestionável o fato de que as práticas, hoje, reconhecidas como integrantes do processo de assédio moral, já são adotadas, há muito tempo, contra os trabalhadores. Pode-se dizer, até mesmo, que as humilhações, nas relações de trabalho, estão presentes desde a antiguidade, passando pela escravidão e chegando até os dias atuais.

Entretanto, o mérito de se estudar este fenômeno, como enunciado, é justamente que, antes, por não serem reconhecidas sequer suas condutas configuradoras, este fenômento não poderia ser compreendido e combatido.

Isso porque, somente, foi possível a compreensão desta conduta assediadora quando a linguagem esteve apta a enquadrá-la.

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Afinal, como se sabe, existe uma relação estrita entre a compreensão e a linguisticidade. Neste sentido, anuncia Gadamer257:

Se, se reconhece essa relação fundamental entre linguisticidade e compreensão, já não se poderá confirmar que o caminho que vai da inconsciência linguística à desvalorização linguística, passando pela consciência linguística, represente um processo histórico unívoco.

Nessa ótica, evidenciou o aludido autor que a assertiva da palavra que revela a coisa — que, neste estudo, é a conduta assediadora — é marcada pelo fato de que efetivamente revela a essência do “ser”. Neste sentido, Gadamer258:

A palavra é correta quando representa a coisa, isto é, quando é uma representação. Não se trata, naturalmente, de uma representação imitadora, no sentido de uma cópia direta, de modo que se reproduzisse o fenômeno audível e visível, mas é o ser, aquilo que se honra com a designação de “ser”, que tem de ser revelado pela palavra.

Nesse caminho, uma vez captado o fenômeno pela linguagem, o assédio moral passou a ser reconhecido como um fenômeno destruidor do trabalho, redutor da produtividade, que favorece a rotatividade e a demissão de funcionários259 por desgaste psicológico e debilidade física.

No Brasil, marcado por fortes características patriarcais, o assédio moral torna-se crítico por estar, na maioria das vezes, correlacionado às disputas de poder e competividade.

3.2. Conceito de assédio moral

O assédio moral é conhecido como: mobbing260 (Itália, Alemanha e países escandinavos); bullying (Inglaterra); harassment (Estados Unidos); harcèlement

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moral (França); ijime (Japão); psicoterror laboral ou acoso moral (em países de língua espanhola); terror psicológico, tortura psicológica ou humilhações no trabalho (em países de língua portuguesa).

A vitimóloga261 francesa Marie-France Hirigoyen262 entende o assédio moral como sendo:

Toda e qualquer conduta abusiva manifestando-se sobretudo por comportamentos, palavras, atos, gestos, escritos que possam trazer dano à personalidade, à dignidade ou à integridade física ou psíquica de uma pessoa, por em perigo seu emprego ou degradar o ambiente de trabalho.

De semelhante conteúdo e clareza foi o conceito elaborado por Sônia A. C. Mascaro Nascimento263 quando diz que:

O assédio moral se caracteriza por ser uma conduta abusiva, de natureza psicológica, que atenta contra a dignidade psíquica, de forma repetitiva e prolongada, e que expõe o trabalhador a situações humilhantes e constrangedoras, capazes de causar ofensa à personalidade, à dignidade ou à integridade psíquica, e que tenha por efeito excluir a posição do empregado no emprego ou deteriorar o ambiente de trabalho, durante a jornada de trabalho e no exercício de suas funções.

Complementando os conceitos264 acima elecandos, contribui valorosamente Guedes265 ao evidenciar que “o assédio moral, na verdade, decorre de atitude deliberada de um perverso cujo objetivo é destruir a vítima e afastá-la do mundo do trabalho”.

Pertinente e apropriado mostra-se, também, o conceito elaborado por Pamplona Filho266, que diz:

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O assédio moral pode ser conceituado como uma conduta abusiva, de natureza psicológica, que atenta contra a dignidade psíquica do indivíduo, de forma reiterada, tendo por efeito a sensação de exclusão do ambiente e do convívio social.

Em nível jurisprudencial, tem entendido o E. Tribunal Regional do Trabalho da 5ª Região267 o assédio moral como sendo: um conjunto de posturas, assumidas pelo Empregador ou superior hierárquico, perpetrados de forma habitual, não esporádica, cuja intensidade acarreta uma violência psicológica no ofendido capaz de marginalizá-lo no ambiente de trabalho, de tal forma que lhe acarrete dificuldade de relacionar-se, além de sintomas físicos e psíquicos (TRT 5ª, RO 00749-2007-641-05-00-9, Relator: Des. Elisa Amado, 1ª Turma).

Sintetizando tais entendimentos, para este estudo, o assédio moral será considerado um conjunto de condutas abusivas e intencionais, reiteradas e prolongadas no tempo, que visam a exclusão de um empregado específico, ou de um grupo determinado destes, do ambiente de trabalho por meio do ataque à sua dignidade, podendo ser comprometidos, em decorrência de seu caráter multiofensivo, outros direitos fundamentais, a saber: o direito à integridade física e moral, o direito à intimidade, o direito ao tratamento não discriminatório, dentre outros.

Procura-se, desde já, extrair de tal definição elementos caracterizadores que servirão em análises subsequentes, haja vista o corte epistemológico do presente estudo. Dentre eles, destacam-se: (a) abusividade da conduta intencional; (b) repetição e prolongamento; e (c) ataque à dignidade do trabalhador. Cada um destes elementos serão aprofundados no tópico seguinte.

3.3. Elementos caracterizadores

Inicialmente, cabe dizer que, nesse estudo, considerar-se-á apenas assédio moral aquilo que preencher a totalidade dos elementos caracterizadores já evidenciados268.

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O rigor apresentado anteriormente é posto em consonância com o entendimento de Marie-France Hirigoyen269 quando diz que “a vitimação excessiva termina por prejudicar a causa que se quer defender”. E complementa: “se, com ou sem razão, enxergamos o assédio moral a todo o instante, o conceito corre o risco de perder a credibilidade”270.

Diante da proposta de configurar o assédio moral, bem como do entendimento de que existem peculiaridades em sua reparação, como será visto adiante, o rigor empreendido é utilizado a todo o momento neste estudo.

Analisem-se, pois, os três elementos configurativos.

3.3.1. Abusividade da conduta intencional

Por abusividade de conduta intencional271, entende-se como sendo aquela que extrapola os poderes de chefia, visando exclusivamente denegrir o trabalhador na sua esfera pessoal.

Tem-se muito discutido a respeito deste elemento, tendo a doutrina dividido-se, basicamente, em duas correntes: (a) a subjetiva, que considera a intenção como

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elemento constitutivo do assédio moral; (b) a objetiva, que considera a intenção como um elemento acessório, não sendo este indispensável para configuração de sua existência272.

Nesse sentido, esclarece Rodenas273:

En la actualidad se aprecian claramente dos concepciones diferenciadas del concepto de acoso moral en el trabajo, una subjetiva y otra objetiva en función a considerar la internacionalidad como elemento constitutivo del acoso moral en el trabajo, o a entender que la intencionalidad supone en realidad un elemento accesorio del concepto de acoso moral en el trabajo, cuya concurrencia no resulta imprescindible para apreciar su existencia.

Filia-se, entretanto, este estudo à corrente subjetiva274, entendendo ser o assédio moral uma conduta intencional275, logo dolosa, sendo capaz de constranger a vítima, ao explicitar sentimentos de humilhação e inferiorização.

Destaca, com propriedade, Guedes276, acerca dessa conduta dolosa, que:

Com efeito, estamos tratando daquelas atitudes humilhantes, repetidas, que vão desde o isolamento, passam pela desqualificação profissional e terminam na fase do terror, em que se verifica a destruição psicológica da vítima. As...

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