Aspectos Cognitivos Preliminares do Magistrado no Mandado de Segurança

AutorThales Veríssimo Lima
Páginas206-215

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Introdução

Partindo-se do modelo dialógico desenvolvido por Mikhail Bakhtin que se apresenta apto a justificar a solução dos conflitos por meio de uma sentença judicial terminativa, produzida por órgão judicial competente, que se apresentando como integrante do processo de comunicação, atuando de forma responsiva. Quando se estuda o mandado de segurança, verifica-se que a decisão judicial é prolatada com base na cognição percebida pelo julgador, ora magistrado, depois da análise trazida e sustentada de plano, com argumentos translúcidos, capazes de provar o direito perseguido de forma inquestionável, apesar do provimento de uma decisão liminar refletir a plena cognição sumária, o que normalmente é seguida por uma sentença de mérito procedente e exauriente, essa decisão pode não ser tão satisfativa a ponto de tornar o acórdão revisor imutável.

Isso acontece porque o modelo defendido pela doutrina majoritária, clássica, tem como ponto de partida a premissa de utilizar no direito as bases próprias das ciências naturais; quando observado sob o prisma dialógico, essa divergência não acontece, já que a sentença, por ser um enunciado que seja propenso a provocar embate de ideias e posicionamentos jurídicos, ainda assim goza do atributo da conclusividade e da exauribilidade, quando deve chegar a um fim decisivo e conclusivo, e deve findar, por exaurimento, toda a discussão sobre a matéria objeto da lide em apreço, mas ainda sim aberta à resposta na cadeia discursiva.

Assim, a decisão intercorrente que julgar um pedido de antecipação de tutela por meio de uma liminar inaudita altera pars é um enunciado completo, pleno de sentido, que se coloca para o outro, tal qual a sentença e o acórdão, mesmo que ainda seja de forma provisória e plenamente revisável, devendo ter o condão da reversibilidade.

No modelo de Mikhail Bakhtin, permite a possibilidade de modificação, não se podendo considerar um problema, posto que não é admitida a impossibilidade de revisão por meio do duplo grau de jurisdição, o que é inerente ao próprio processo e tramitação processual.

Na judicialização do Direito, há dois brocardos largamente utilizados ainda de expressões latinas. São no âmbito da atuação do Poder Judiciário e da prática forense com a finalidade de demonstrar a capacidade-dever do magistrado em apreciar a lide ao qual foi proposta e, consequentemente, prolatar uma sentença que ponha a termo a lide. Assim, ambas remetem à cognição prévia do magistrado, que são: "da mihi factum, dabo tibi ius" e "iura novit curia", que significam respectivamente: "dá-me os fatos, dar-te-ei o direito" e "o direito é conhecido dos tribunais". Com efeito, a primeira reme-

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te ao aspecto do antecedente da norma concreta a ser veiculada na decisão judicial, a qual deve ser previamente conhecida por todos e especialmente pelo magistrado, que utilizará a Lei na aplicação da solução prática; a segunda, com relação ao direito a ser aplicado ao caso, que não tem o condão de inovar a legislação nos tribunais, o que já deriva da norma prévia e já, anteriormente oposta ao caso, conhecida.

Quando o magistrado debruça-se sobre casos específicos de mandado de segurança deve, antes de qualquer aplicação de qualquer garantia legal, observar a presença dos dois aspectos acima dispostos, os quais devem, invariavelmente, vir demonstrados de forma cabal de plano, que são a direta e verossimilhança dos fatos e a comprovação probatória bastante para constituir o direito pretendido, de forma que o magistrado veja inquestionavelmente o direito alegado.

Nesse caminho, sendo o direito objetivo invariavelmente conhecido pelos tribunais, não have-ria margem para pontos de variâncias vinculadas a mesma lide concreta apresentada em distintos tribunais, já que se trata, a judicialização, como ciência jurídica, e gozando desse status haveria previsibili-dade de resultados, bastando assim ao magistrado compreender e julgar o pedido, sem margem para mudança que porventura viesse a influenciar no resultado da possível peleja judicial, por gozar do pressuposto de alto grau de probabilidade de confirmação da decisão ao final1.

O que o presente trabalho pretende analisar é a forma como são montadas as teorias do direito processual no direito moderno, quando observam a cognição judicial, mais especialmente no momento que garante a segurança pretendida, ou seja, no procedimento do mandado de segurança, em decorrência da simplicidade da demonstração do conjunto probatório que deveria ser de forma a saltar aos olhos até do mais leigo, esperando que a sentença não seja molestada pela possibilidade de revisão do duplo grau jurisdicional conforme atualmente previsto no art. 5º, inciso, da CF/19882.

No entanto, o magistrado apenas poderá tangenciar-se desse grau de certeza vertendo-se sobre a prova verossímil3, art. 273 do CPC, momento em que poderá vir a compreender a lide em sua completude por meio de um processo de cognição intrínseco em um plano fático-normativo bastante para garantir segurança e irreprovabilidade a sentença prolatada; nesse caminho, verifica-se que o juiz busca pautar sua decisão na previsibilidade legal, tanto defendida no modelo kelseniano.

Considerando a teoria dos níveis de cognição, o magistrado vai formando seu convencimento pelos elementos trazidos ao processo por meio de gradação cognitiva, onde se inicia marco zero do desconhecimento do fato anteriormente acontecido, até o momento final da sentença terminativa com o trânsito em julgado processual. Assim, não é difícil prever que quanto mais elementos trazidos ao processo maior a quantidade de variáveis que o magistrado poderá valorar ao formar seu convencimento levando, invariavelmente, a uma densidade cognitiva maior do problema.

Se a cognição é condição necessária para o julgamento preciso, e se se trata de um amadurecimento do conhecimento fático no trâmite processual, é possível deduzir que a cognição pode ser parcial (não exauriente) ou atingir seu estado de amadurecimento pleno (exauriente). Nesse estágio, até mesmo uma decisão antecipatória seria plena e imutável, quando a decisão estaria protegida por sua completude, e não poderia ser reformada nem por um acórdão superior. Ocorre que não há previsão processual para tal estágio de perfeição jurisdicional processual prematura, mesmo havendo a possibili-dade de cognição exauriente ad initio litis.

O que deve ficar sempre claro é que as decisões proferidas por magistrados, via de regra, são passíveis de reapreciação, ora pela instância superior, ora pela apresentação de prova nova por meio de uma

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ação rescisória4 (art. 485 do CPC) mesmo depois do trânsito em julgado; contudo, em tramitação regular, as reformas das decisões terminativas, porém, sem caráter definitivo, podem, inclusive, alterar completamente o sentido do julgamento, em virtude da possibilidade do duplo e triplo grau de jurisdição, por via dos recursos, que são garantias legais e não é raro acontecer, especialmente para poder reapreciar possíveis error in judicando ou error in procedendo.

Logo, a via do mandado de segurança é garantia constitucional, que tem no bojo de seu provimento a possibilidade de concessão de medida liminar, inaudita altera partes e, conseguintemente, de sentença de mérito, momento em que termina a atuação jurisdicional de primeiro grau, prolatada, normalmente, depois do contraditório, podendo ser seguida pelas vias recursais com o reexame da matéria por meio da turma recursal que ao final publicará seu acórdão ou, ainda, por intermédio de um desembargador, juiz de segundo grau, que publicará sua decisão monocrática de tribunal, ambos em caráter definitivo5

(art. 557 do CPC).

1. Da análise do discurso e utilização da linguagem

Foi inicialmente apresentado por Mikhail Bakhtin, seguido de inúmeras discussões realizadas por estudiosos da teoria da linguagem, da filosofia, das ciências sociais e da análise do discurso, e obviamente com consequências nas reflexões do direito, situação em que, apesar de a linguagem já haver ingressado na pauta das discussões jurídicas atuais, por outros doutrinadores como Luis Alberto Warat, Paulo de Barros Carvalho e outros, considerando-se a teoria desenvolvida por Mikhail Bakhtin, em sua obra, o enunciado ingressa como categoria fundamental para o uso persuasivo da língua. Conforme observa o filósofo, "o emprego da língua efetua-se em forma de enunciados (orais e escritos) concretos e únicos, proferidos pelos integrantes desse ou daquele campo da atividade humana"6, assim como em outro momento da mesma obra o doutrinador afirma que a linguagem é "unidade real da comunicação discursiva"7. A verdade é que não há um entendimento padronizado para explicar de forma objetiva e homogênea o uso indutivo da língua, situação em que cada autor possui uma interpretação específica sobre o tema.

Mikhail Bakhtin passa a explicar de forma mais detalhada, afirmando que há diferença entre o enunciado concreto e o efeito real, quando no primeiro caso é a ideia hipotética, situação em que é diferente da possibilidade real da ideia e a verificação das consequências diferentes da prevista entre os participantes, conforme se segue:

O enunciado concreto (e não a abstração linguística) nasce, vive e morre no processo da interação social entre os participantes da enunciação. Sua forma e significado são determinados basicamente pela forma e caráter desta interação. Quando cortamos o enunciado do solo real que o nutre...

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