As verbas recebidas pelos atletas profissionais de futebol e suas repercussões no contrato de trabalho

AutorFelipe da Silveira Azadinho Piacenti - Victor Hugo de Almeida
CargoAdvogado trabalhista. Especialista em Direito do Trabalho e Processual do Trabalho pela Fundação Armando Alvares Penteado ? FAAP, Campus de Ribeirão Preto. - Professor de Direito na Universidade Estadual Paulista 'Júlio de Mesquita Filho' (UNESP) ? Faculdade de Ciências Humanas e Sociais, Campus de Franca (SP).
Páginas141-158

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1. Introdução

O Brasil é um país naturalmente esportista.

Não são raras as ocasiões em que os brasileiros param diante dos aparelhos de televisão, rádio ou computadores para acompanhar um evento esportivo. Dentre tantos esportes praticados e adorados pelos brasileiros, não há dúvida de que o futebol se destaca. Haverá sempre alguém comentando sobre um jogo, um lance, um atleta ou manifestando sua opinião para a contratação de jogadores, como se bastasse simplesmente ajustar uma "módica" quantia salarial.

Daí surgiu a primeira motivação para este presente estudo: a paixão do brasileiro pelo esporte, em especial, o futebol. Todavia, apenas tal fundamento não seria o bastante para tornar relevante o tema para o mundo jurídico.

No âmbito do Direito Desportivo do Trabalho, ao qual coube disciplinar as verbas recebidas pelo atleta profissional de futebol, ainda é singular a quantidade de obras doutrinárias e artigos tratando sobre o assunto, principal-mente depois da recente alteração da "Lei Pelé" pela Lei n. 12.395/11, cuja legislação acarretou importantes modificações ao tema.

São tantos os nomes relacionados ao contexto em exame - direito de imagem, de arena, luvas, bichos - que acabam por confundir não apenas leigos, mas também operadores do Direito. Esclarecer o que é cada uma destas parcelas e como repercutem especificamente no contrato de trabalho especial dos atletas proi ssionais de futebol é o objetivo deste estudo, visando não apenas ao melhor entendimento do tema, mas também para que, aprimorando o conhecimento sobre tal assunto, o esporte possa ser mais bem organizado no Brasil e passe à margem da utilização fraudulenta de alguns dos institutos.

Trata-se de uma pesquisa exploratória e qualitativa, que buscou dei nir os institutos do direito de imagem, direito de arena, luvas e bichos, e esclarecer quais as suas repercussões no contrato de trabalho do atleta profissional de futebol. Diante disso, adotou-se o método de levantamento bibliográi co, visando à familiarização com o assunto e a reunião de dados acerca dos referidos institutos, por meio da consulta de materiais já publicados (doutrinas, artigos, sítios eletrônicos, jornais/revistas, legislação e jurisprudência); adotou-se, ainda, o método de caso, oportuno quando se procura investigar um determinado fenômeno em uma

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situação concreta e específica, permitindo discutir problemas potenciais ou efetivos1.

Os dados foram analisados à luz do método dedutivo. Desta forma, passa-se ao estudo.

2. Breve histórico do Direito Desportivo do Trabalho

O Direito Brasileiro positivou a primeira

legislação de caráter desportivo décadas depois de os tripulantes do navio Crimeia disputarem a primeira partida de futebol no Brasil, em 1878, na Rua Paissandu no Rio de Janeiro. Antes de existir qualquer lei a respeito do tema, o futebol já era praticado no país. Charles Miller, brasileiro, i lho de ingleses, jogou futebol durante o período em que estudou na Inglaterra, de onde trouxe, em 1884, ao retornar para sua terra natal, duas bolas, uniformes, chuteiras, bomba e agulha para encher bola. No dia 15 de abril do ano seguinte, promoveu uma partida entre um grupo de ingleses, formando-se dois times: h e Team Gaz e h e São Paulo Railway2.

A profissionalização do futebol ocorreu apenas em 1933, na cidade do Rio de Janeiro (antigo Distrito Federal), pela Liga Carioca de Futebol, sem qualquer regulamentação legal, inexistindo interferência por parte do governo brasileiro nas atividades esportivas desenvolvidas no país3. O Decreto-lei n. 526, de 1º de junho de 1938 foi responsável pela regulamentação desportiva no país, ao criar o Conselho Nacional de Cultura (CND) como órgão de coordenação de todas as atividades culturais no país, dentre elas, a educação física (ginástica e esportes)4.

Pelo Decreto-lei n. 1.056/39, foi instituída a Comissão Nacional de Desporto, com a promessa da realização detalhada de um estudo do problema desportivo nacional e apresentar um plano geral de sua regulamentação5. A primeira legislação desportiva brasileira de fato surgiu em 1941, com a entrada em vigor do Decreto-lei n. 3.199/41, visando ao controle pelo Estado das atividades desportivas, diante da necessidade política de vigiar associações desportivas e inibir atividades contrárias à segurança interna e externa6.

Com o correr dos anos, a legislação sobre o tema sofreu modificações no Brasil. O CND, por meio da Deliberação n. 48, de 30 de agosto de 1945, editou o Código Brasileiro de Futebol e, ainda, o Superior Tribunal de Justiça Desportiva (STJD), os Tribunais de Justiça Desportiva e as Juntas Disciplinares Desportivas. Ainda sob a vigência do Decreto-lei n. 3.199/41, a proi ssão de atleta de futebol foi regulamentada pelo Decreto n. 51.008, de 20 de julho de 1961, que, além disto, estabeleceu condições para a prática de competições desportivas e deu direitos trabalhistas para os atletas, tais como, horários em que as partidas poderiam ser realizadas, intervalo mínimo entre um jogo e outro e férias entre 18 de dezembro e 7 de janeiro. O Decreto n. 53.820/64 dispôs sobre o vínculo desportivo, popularmente conhecido como "passe", que posteriormente também foi tratado pela Deliberação n. 9/67 do CND7; e a Lei n. 5.939, de 19 de novembro de 1973, que garantiu ao atleta profissional de futebol o benefício da previdência social8.

A Lei n. 6.251/75, posteriormente revogada pela Lei n. 8.672/93, foi a segunda lei a regulamentar o Direito Desportivo no Brasil, tratando-se apenas de uma nova roupagem dada ao Decreto n. 3.199. Já a Lei n. 6.354/76,

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conhecida como "Lei do Passe", foi posterior-mente revogada pela Lei n. 12.395/11, que tratou principalmente dos direitos trabalhistas do atleta profissional de futebol.

A Lei n. 8.672/93, regulamentada pelo Decreto n. 981, de 11 de novembro de 1993, nomeada como "Lei Zico" em homenagem a Arthur Antunes Coimbra, o Zico, Secretário Nacional de Esporte da época, também determinou regras gerais sobre o desporto, passando a ser a principal lei sobre o tema9.

A Lei n. 9.615/98, batizada como "Lei Pelé" em homenagem ao notável jogador que, à época, ocupava o cargo de Ministro Extraordinário dos Esportes, sucedeu a Lei Zico e, embora alterada pelos Decretos ns. 3.659/2000, 4.201/2002 e recentemente pela Lei n. 12.395/2011, ainda se encontra em vigor. É um regramento amplo, que abarca tanto os órgãos organizadores, gestores, jurídicos, como as entidades de prática desportiva e os atletas, conferindo-lhes direitos e deveres. Ainda, durante a vigência da Lei Pelé, em 23 de dezembro de 2003, com fundamento no inciso VI do art. 11 da Lei n. 9.615, o Conselho Nacional de Esportes editou a Resolução n. 1, denominada como Código Brasileiro de Justiça Desportiva (CBJD)10. Ainda se relacionam ao desporto a Lei n. 11.345/06, que criou a Timemania, e a Lei n. 11.438/06, que estabeleceu incentivos para fomentar as atividades desportivas.

No plano constitucional, a Carta Maior de 1967 foi a primeira Constituição brasileira a citar o desporto (art. XVII, al. "q"). Porém, foi a Constituição Federal de 1988 que abordou especificamente o tema, elevando o desporto à condição de assunto de interesse constitucional, cujo dispositivo foi apelidado de "cláusula pétrea do desporto".

3. Contrato de trabalho do atleta profissional de futebol

Assim como qualquer empregado, o atleta profissional de futebol exerce suas atividades sob a égide de um contrato de trabalho. Depois da entrada em vigor da Lei Pelé, o legislador passou a denominar o documento que formaliza o vínculo entre clube e atleta de contrato especial de trabalho desportivo11.

O contrato do atleta profissional de futebol continha dois requisitos: a remuneração e a cláusula penal. Contudo, com a atualização da Lei Pelé pela Lei n. 12.395/2011, a cláusula penal desapareceu do ordenamento jurídico, dando lugar a dois outros institutos desportivos: a cláusula indenizatória desportiva e a compensatória desportiva.

Por ser considerado especial, o contrato de trabalho desportivo possui algumas peculiaridades em relação aos ajustes contratuais celebrados pelos trabalhadores em geral. Explica Homero Batista Mateus da Silva que o contrato de trabalho do atleta profissional de futebol exige forma escrita, sem prejuízo aos direitos do atleta caso o pacto não cumpra tal exigência legal12. Ralph Cândia esclarece que a ausência de registro, a falsa existência ou a evidente inexistência da associação não colocam o jogador ao desabrigo dos direitos a eles conferidos pela legislação desportiva13.

Outra peculiar característica do contrato do atleta profissional é a obrigatoriedade da i xação de termo final, fazendo dele uma espécie de contrato por prazo determinado, cujo instituto é dei nido pelo art. 443 da Consolidação das Leis do Trabalho.

O prazo-limite de duração do contrato de trabalho do atleta profissional é diferente do previsto para trabalhadores em geral, em decorrência da especialidade da proi ssão e das consequências econômicas, como a valorização ou desvalorização do atleta conforme o seu desempenho

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nas competições das quais participa. A Lei n. 6.354/76 determinava...

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