As sociedades empresárias no Brasil

AutorFernando Schwarz Gaggini
Ocupação do AutorAdvogado e professor universitário. Pós-graduado/especialista em Direito Mobiliário (Mercado de Capitais) e Mestre em Direito Comercial pela Faculdade de Direito da Universidade de São Paulo
Páginas32-45

Page 32

No Brasil, no período compreendido entre a descoberta (ano de 1500) até a vinda da família Real, em 1808, vivenciou-se uma

Page 33

época de estagnação em termos de desenvolvimento do comércio, na medida em que Portugal impusera a exclusividade da mercancia brasileira para com os portugueses, em uma situação de monopólio que inviabilizava o desenvolvimento comercial da colônia (isso do ponto de vista legal, pois, extra-oficialmente, existia um fluxo de contrabando facilitado pela extensão costeira e territorial do Brasil).

No referido período não existia um direito comercial próprio brasileiro. Eram aplicáveis, à colônia, as regras de direito de Portugal e, dentre essas, em especial, as Ordenações Filipinas de 160329 (período do Rei Felipe II), que a partir daí vigorou por todo o período colonial brasileiro, e a Lei da Boa Razão, de 1769, que restringiu a influência do direito romano sobre o direito português, ao auto-rizar a aplicação de leis dos povos cultos para sanar omissões das regras portuguesas.

Tal situação somente começaria a mudar com a vinda de Dom João VI para o Brasil em 1808. Como consequência do estabelecimento da corte no Brasil, no mesmo ano se deu a abertura dos portos brasileiros, viabilizando o início do desenvolvimento do comércio brasileiro (até então fadado à situação monopolística imposta pela metrópole). Ainda, no mesmo ano de 1808, criou-se a "Real Junta de Comércio, Agricultura, Fábrica e Navegação", que tinha por finalidade a reunião dos comerciantes para tratar de seus negócios, mas, também, se prestava ao estudo das regras de comércio, semente para a concepção de um direito comercial brasileiro. Também, em 1808, se fundou o primeiro Banco do Brasil (conside-

Page 34

rada a primeira sociedade por ações do Brasil30, objeto também da primeira oferta pública de ações).

Em matéria de leis, entretanto, ainda continuaram vigentes as Ordenações portuguesas. Mesmo a Proclamação da Independência, em 1822, não alterou tal cenário, visto que, após a emancipação política, continuaram vigentes no Brasil as leis de Portugal promulgadas até 25 de abril de 182131e, posteriormente a essa data, as leis promulgadas por Dom Pedro (na condição de regente do Reino até a Proclamação da Independência e de imperador após tal ocorrência)32.

Constatada uma inadequação das leis vigentes para o comércio brasileiro33, em 1832 se constituiu uma comissão, destinada à

Page 35

elaboração de um projeto de Código Comercial. Referido projeto foi concluído em 1834, sendo notório que o seu texto continha evidente influência do Código Comercial Francês de 1807, do Espanhol de 1829 e do Português de 1833.

Após 16 anos de discussões legislativas, o projeto foi, enfim, aprovado em 1850 como a Lei n. 556, de 25 de junho, que se caracterizou como o Código Comercial Brasileiro. Estruturalmente, o Código Comercial foi dividido em três grandes partes, quais sejam:

(i) Do comércio em geral (arts. 1º a 456 - que tratavam sobre o comerciante, sociedades comerciais, banqueiros, contratos, títulos de crédito, entre outros temas); (ii) Do comércio marítimo (arts. 457 a 796) e (iii) Das quebras (arts. 797 a 913). É de se notar que, passado mais de um século e meio de sua promulgação, o referido código continua em vigor, embora em sua maior parte tenha sido revogado ao longo do tempo. Em especial, a parte dedicada às quebras foi inicialmente substituída em 1890, pelo Decreto n. 917, matéria essa que foi, posteriormente, tratada por diversas legislações, com destaques para o Decreto-Lei n. 7.661 de 1945 que, por sua vez, foi revogado pela nova lei de falências e recuperação de empresas, Lei n. 11.101 de 2005. A parte sobre o comércio em geral, embora tenha sofrido diversas mudanças ao longo do tempo34, veio a ser revogada na sua totalidade somente com o Código Civil de 2002. A parte sobre comércio marítimo, por sua vez, continua em vigor

Page 36

até os presentes dias (embora com alterações pontuais35). Por fim, o Código Comercial comportava um Título Único, composto por 30 artigos, denominado "Da administração da justiça nos negócios e causas comerciais". Referido título, entretanto, foi revogado pelo Código de Processo Civil de 1939 (Decreto-Lei n. 1.608/39).

É válido comentar que, em sequência à criação do Código Comercial, diversas leis comerciais foram promulgadas, com especial destaque para os Regulamentos ns. 737 e 738, criados ainda no ano de 1850, em atendimento à determinação do artigo 27, do Título Único do código. O Regulamento n. 737 disciplinava as regras dos processos comerciais (e teve imensa repercussão no Brasil em razão de ter definido os atos de comércio, suprindo a lacuna do código em relação ao tema de indiscutível importância para a própria definição de comerciante), enquanto o Regulamento n. 738 disciplinava os tribunais do comércio e os processos de quebras.

Com a criação do Código Comercial, formalmente, o Brasil passou a ter a disciplina legal de suas sociedades comerciais36. Começava, então, a história das sociedades comerciais no Brasil, com base em uma legislação efetivamente nacional. O código contemplava cinco espécies de sociedades, quais sejam: (i) as companhias de comércio ou sociedades anônimas, tratadas em seus artigos 295 a 299; (ii) as sociedades em comandita, tratadas nos artigos 311 a 314; (iii) as sociedades em nome coletivo ou com firma, disciplinadas nos artigos 315-316; (iv) as sociedades de capital e indústria, tratadas nos artigos 317-324; e, por fim, (v) as sociedades em conta de participação, regulamentadas nos artigos 325 a 328.

Page 37

Do quadro acima se observa que o código brasileiro, basicamente, adotou o rol clássico de sociedades comerciais estabelecido pelo Código de Comércio Francês de 1807, com exceção da exclusão da sociedade em comandita por ações (prevista no francês e inexistente no brasileiro) e com a inclusão da sociedade de capital e indústria (inexistente no código francês, mas adotada no brasileiro por influência do código português de 1933, que continha tal tipo).

Esse quadro societário inicial viria a sofrer uma primeira mudança significativa em 188237, por força da Lei n. 3.15038, que passou a regular as sociedades anônimas. Se o Código Comercial tinha destinado somente cinco artigos ao tema, a nova legislação buscou dar um tratamento mais detalhado ao longo de seus 42 artigos.

Por outro lado, a disciplina das sociedades anônimas, no código de 1850, seguiu um padrão, antes vigente na França, de impor a necessidade de autorização governamental para a constituição de companhias39. Nesse sentido, constava do artigo 295 do Código Comercial Brasileiro que:

Page 38

"as companhias ou sociedades anônimas, designadas pelo objeto ou empresa a que se destinam, sem firma social e administrável por mandatários revogáveis, sócios ou não sócios, só podem estabelecer-se por tempo determinado, e com autorização do Governo, dependente da aprovação do Corpo Legislativo quando hajam de gozar de algum privilégio: e devem provar-se por escritura pública, ou pelos seus estatutos, e pelo ato do Poder que as houver autorizado."

Tal regra, restritiva quanto à constituição de companhias, foi abandonada com a lei de 1882, que eliminou a necessidade de auto-rização governamental para a criação de sociedades anônimas logo em seu 1º artigo, que dispunha que "as companhias ou sociedades anônimas, quer o seu objeto seja comercial ou civil, se podem estabelecer sem autorização do Governo"40.

Ainda, a lei de 1882 estipulou o número mínimo de sete sócios para a formação de uma sociedade anônima (vide seu artigo 3º), disciplinou a constituição e a dissolução das companhias, a admi-

Page 39

nistração social, as assembleias de sócios, regulamentou as ações e autorizou expressamente a emissão de títulos de dívida ("obrigações ao portador") como forma de captação de recursos, dentre diversas outras disposições sobre o tema, elencadas entre os artigos 1º e 34, destinados a regular as sociedades anônimas.

Por sua vez, os artigos 35 em diante inseriram, em nosso ordenamento, a figura da sociedade em comandita por ações que, apesar de prevista já no Código Francês de 1807, não fora acolhida pelo Código Brasileiro de 1850 (sendo ainda que sua utilização foi objeto de vedação expressa pelo Decreto n. 1.487, de 185441). Assim, com a lei de 1882, o ordenamento brasileiro passou a adotar mais um tipo societário, criando-se a divisão entre as sociedades em comandita "simples"...

Para continuar a ler

PEÇA SUA AVALIAÇÃO

VLEX uses login cookies to provide you with a better browsing experience. If you click on 'Accept' or continue browsing this site we consider that you accept our cookie policy. ACCEPT