As normas legais

AutorMayr Godoy
Ocupação do AutorMestre em Direito do Estado pela Universidade de São Paulo
Páginas26-56

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No estudo da teoria da legislação, precede, à técnica e ao processo, o conhecimento das espécies das normas legais adotadas no Estado, as competências para elaborá-las e as finalidades de cada um desses diplomas.

A atividade do Estado e dos cidadãos3, ou de ambos, deve ser regida pela lei, que é uma fórmula a expressar a necessidade de uma ação no Estado de Direito4. A normatização, as disposições imperativas que regem essa ação, têm finalidades específicas para cada uma das situações criadas pela vida na comunidade organizada5.

A primeira das normas, a fundamental, é a Constituição; no nosso caso, a Constituição da República Federativa do Brasil, criada no Pacto Federativo de 1988, da Federação Brasileira. Dela derivam as suas emendas, as constituições dos Estados-Membros, a organização do Distrito Federal e dos Municípios e toda a legislação que, com ela, estrutura o sistema jurídico brasileiro.

A Constituição vai muito além da normatização jurídica; todavia, fora do escopo deste trabalho: é ela que “regula a forma do Estado, a forma de seu governo o modo de aquisição e o exercício do poder, o estabelecimento de seus órgãos e os limites de sua ação. Em síntese, a Constituição é o conjunto de normas que organiza os elementos constitutivos do Estado”.

Estatui a Constituição que as normas legais, além das já enunciadas, as infraconstitucionais, do gênero lei, serão expressas em lei complementar, lei ordinária, lei delegada, medidas provisórias

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com força de lei, resolução e decreto-legislativo. As normas menores6, o decreto, a portaria, o aviso, a circular e tantas outras de efeitos jurídicos, não pertencem ao gênero lei, estão fora do processo legislativo, embora lhes tenham validade o processo e a técnica legislativa, o controle e a juridicidade; porem este trabalho, não as inclui na sua abordagem especial. Há, ainda, os atos judiciais que atuam como autêntica norma legal: trata-se do ativismo judicial, quando o magistrado assume postura legiferante, inovadora do ordenamento jurídico.

1. A constituição federal

Nos Estados de regime federativo, onde existem vários Entes compondo o Estado Federal, como no Brasil, dá se, à sua lei fundamental, o tratamento de Constituição Federal, para distingui-la, porque os Estados-Membros têm suas constituições estaduais e o Distrito Federal e os Municípios têm suas leis orgânicas, que estatuem esses Entes Federados. Esta é a tradição; todavia, a Constituição vigente, ao ser promulgada, em 5 de outubro de 1988, o foi com o nome de Constituição da República Federativa do Brasil7.

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A Constituição, como lei fundamental, se sobrepõe à todas as normas legais. Sua legitimidade, para isso, advém do consenso da comunidade, como sua vontade política, apurada na decisão dos seus representantes, em uma Assembleia Constituinte, tendo como finalidade organizar juridicamente o Estado, para assegurar, a todos, o direito e a justiça.

A superioridade da Constituição Federal a todas as normas legais, do sistema jurídico brasileiro, estabelece a hierarquia das leis como a cabeça da ordem normativa. A ela se deve engastar toda lei que vier a ser criada, ou seja, a criação de qualquer texto legal só pode se dar em consonância com suas disposições e na forma nela preceituada. A elaboração normativa, em desacordo ao processo legislativo, como forma, ou à linguagem constitucional, nos seus objetivos, não vale nada na ordem jurídica; esse ato será nulo, porque contrariou a lei fundamental8. Essa circunstância se reveste de especial importância na técnica legislativa, como advertência preambular para qualquer iniciativa na preparação de uma lei, criando direito, na Federação Brasileira.

A criação das normas pressupõe a necessidade reguladora de ação a ser regida por lei, pelo que, para que essa ação não venha a trazer outras complicações, de inconstitucionalidade, é primacial que o legislador conheça a Constituição Federal, como condição inarredável para o ofício.

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2. As emendas à constituição federal

As nossas constituições republicanas, promulgadas pelas Assembleias Constituintes, foram todas de caráter rígido, prevalecendo a supremacia formal da Constituição, não admitindo reforma, não ser com certas limitações.

As reformas constitucionais, no atual direito positivo, se dão através as emendas à Constituição, promulgadas pelas Mesas da Câmara dos Deputados e do Senado Federal, por força do chamado poder Constituinte derivado9, como determina o Art. 60, da Ordenação Federativa.

Esta competência, do Congresso Nacional, em reformar a Constituição, foi-lhe atribuída pelo Constituinte originário para evitar que, ante a exigências inconformáveis da comunidade, houvesse convocação de nova Constituinte instituída ou, ainda de segundo grau10. Essa reforma fica limitada a uma adaptação às exigências novas, restrito ao Poder Constituinte de revisão11.

As emendas à Constituição não podem se processar durante o Estado de Sítio ou o Estado de Emergência, para garantia da livre manifestação do Constituinte Derivado. São as limitações circunstanciais. As outras limitações, de caráter material, dizem

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respeito à vontade Constituinte expressa. O Constituinte de segundo grau, no exercício do poder de emenda, não pode subverter o que está na Constituição, tácita ou expressamente12.

Se o Constituinte quis, por exemplo, que a Federação e a República não pudessem ser objeto de emenda, e o fez expressamente, estas restrições alcançam toda a estrutura constitucional que informa o caráter federativo e republicano, sem tergiversar; são as cláusulas pétreas.

A grande discussão doutrinária sobre o tema, só se limita às restrições tácitas ou implícitas. Há disposições subentendidas na letra constitucional que não podem ser emendadas porque desnaturam a ideia originária. Seria absurdo imaginar-se a enumeração expressa dos pontos onde recair vedação do poder de emenda, se a razão revisional, por exceção que é, deve restringir-se à adequação à exigências novas, sem ferir a ordem jurídica estabelecida.

A iniciativa da proposição de Emenda Constitucional, simplificada em PEC, na usança parlamentar, só se dá por um terço dos Deputados ou um terço dos Senadores, ou do Presidente da República ou de mais da metade das Assembleias Legislativas, e o quorum de três quintos dos parlamentares de cada Casa, para aprová-las em dois turnos, completam as restrições, estas formais, impostas pelo Constituinte originário, consoante o Art. 60, da Magna Charta.

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3. As constituições estaduais

Corre, ainda, uma grande discussão doutrinária13sobre o direito dos Estados-Membros de darem-se constituição.

Na Federação Brasileira, este direito está assegurado14, como Poder Constituinte, decorrente da Lei Fundamental, precisamente, no Art. 25.

Esse Poder preserva as peculiaridades regionais circunscritas à área territorial do Estado-Membro e assegura a descentralização vertical do Poder, essenciais do regime federativo.

A restrição constitucional dos Estados-Membros é expressa em pontos exemplificados e implícita nos princípios estabelecidos na Lei Fundamental, naquele mencionado Art. 25 e seus parágrafos, não podendo contrariá-la em sua linguagem volitiva: são restrições específicas e genéricas.

Em razão dessa circunstância e porque a tradição brasileira se assentou na competência residual dos Estados-Membros, suas constituições só podem ser elaboradas após a promulgação da Constituição Federal.

O Constituinte Estadual, por ser instituído, fica restrito ao disposto na Lei Fundamental e ao branco que por ela lhe é deixado, daí sua vontade, ou melhor, a vontade da comunidade que ela representa, ficar limitada de fundo negativo e positivo a organizar o Estado-Membro, dando-lhe ordem jurídica, peculiar e autônoma; todavia, presa aos princípios constitucionais sensíveis15e à linguagem da Constituição Federal.

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Nessas lindes, deve o Constituinte derivado trabalhar, traduzindo, com seu engenho, as aspirações de sua comunidade, para que as constituições estaduais não sejam documentos repetitivos em realidades diferentes, sem nenhum traço distintivo das peculiaridades de sua área, nem a tradução de um esforço para apurar, regionalmente, o caráter material da ordem jurídica16.

Processualmente, a feitura da constituição estadual está submetida ao formalismo da Lei Fundamental, ainda que exercida na condição inicial; fica vedado ao Constituinte estadual desviar-se das regras procedimentais postas para esse Constituinte institucionalizado.

4. As emendas à constituição estadual

A reforma das constituições estaduais se opera, ou decorrentemente de emendas à Lei Fundamental, a que elas devem se adaptar, por força do federalismo ou, face às exigências de sua comunidade, porém, dentro da permissão do Pacto Federativo de 1988.

Para as emendas, consequentes de novas exigências da comunidade estadual, permanecem as mesmas restrições materiais e formais constantes das limitações impostas ao Constituinte derivado, somadas às que, no texto original da Constituição Estadual, o próprio Constituinte regional lhe tenha imposto, como restrição, para a eventualidade de uma futura reforma.

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5. As leis orgânicas dos municípios e do distrito federal

Constituem as leis orgânicas, do Distrito Federal e dos Municípios, por eles editadas, uma norma...

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