As modernas formas de soluções de conflitos e de acesso à justiça no Brasil e no mundo

AutorJoão Batista Martins César
Ocupação do AutorMestre em Direito pela Unimep. Desembargador no TRT 15ª, em vaga destinada ao quinto constitucional (MPT)
Páginas58-122

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O ideal de que todos tenham acesso a uma ordem jurídica justa ainda não foi atingido, haja vista que se vive numa sociedade de massa, decorrência inexorável do processo de globalização. Daí a tendência do desenvolvimento dos meios de proteção aos interesses metaindividuais, abandonando-se a postura de proteção individual até agora dominante.131 Para que se alcance uma sociedade pluralista, na qual prevaleça a igualdade, é necessário haver um processo com caráter coletivo, desvinculado dos grilhões econômicos e, também, dos vínculos com o processo civil tradicional, assegurando-se a todos o pleno acesso à Justiça e fazendo valer os direitos fundamentais em toda a sua plenitude.

Para a efetividade do processo como meio de acesso à Justiça existe, mais do que alterações legislativas, a necessidade de uma alteração no pensamento dos operadores do Direito. A mudança de mentalidade é o passo principal para a transformação cultural de juízes, membros do MP — Ministério Público —, advogados, defensores públicos, sindicalistas, ambientalistas, governantes, empresários, legisladores e demais operadores jurídicos, o que certamente levaria à implementação de uma nova ordem processual que possa solucionar os conflitos de massa na forma e prazo que a sociedade brasileira exige e necessita.132É preciso ter em mente que o intérprete deve respeitar a lei, mas, ao mesmo tempo, quebrar-lhe a rigidez lógica, de modo que venha a prevalecer o interesse social, que apresenta maior grau de superioridade.133Some-se a isso que é grande a preocupação do Poder Legislativo em relação à instrumentalidade substancial e maior efetividade do processo, bem

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como com sua adequação à nova realidade socioeconômica, ou seja, a economia de massa. Tudo isso exige a formação de uma nova mentalidade pelos juízes, construindo-se uma sociedade menos individualista, egoísta e, ao mesmo tempo, mais participativa e solidária.134As soluções criadas pelo processo civil tradicional para as lides individuais não se mostram adequadas para resolver os problemas das demandas coletivas. Pensar em resolvê-las com regras individuais significa retroceder na ciência do processo.135Sobre a necessidade de alteração na mentalidade dos operadores do Direito, Raimundo Simão de Melo entende que, “para ser justa, toda prestação jurisdicional deve ser célere, ainda mais no âmbito trabalhista em que o que se discute, na maioria dos casos, são verbas de natureza alimentar.”136Não se pode descartar a corrente doutrinária no sentido de apregoar a necessidade de que o Judiciário se preocupe com a justiça de suas decisões, que almejem à justiça social, pois os resultados de uma justiça injusta e formalista não pode ser imputada apenas à lei, mas também aos magistrados, que poderiam proferir decisões mais consentâneas com os postulados da justiça social.137A democracia trouxe novos valores, como participação mais ativa por parte do Estado e do juiz na condução do processo, que deve agasalhar o interesse social. Para Pedro Lenza, este último não pode mais:

[...] atuar durante a instrução processual como uma simples “estátua” na comparação feita por Barbosa Moreira, bem como deixar de utilizar os diversos deveres-poderes que lhe foram conferidos pela lei processual, quando haja a necessidade de sua utilização a fim de se assegurar a Justiça.138Em palestra proferida no XVI Congresso Nacional dos Procuradores do Trabalho, em 14 de abril de 2011, o vice-presidente do STF, ministro Carlos Ayres Britto, promoveu a seguinte indagação: “eu me pergunto se o intérprete da Constituição e seu guardião tem o direito de ser conservador. Por que não internalizamos a ideia de que a Constituição exige de cada um de nós uma

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militância profissional gloriosa? Temos uma mentalidade atrasada, somos conservadores, valorizamos excessivamente o nosso lado lógico, metódico. Somos idólatras da segurança e não hesitamos em sacrificar qualquer ideia de Justiça.”139 E prosseguiu afirmando que o texto legislativo está em constante movimento e só se dará por inteiro ao intérprete, caso ele se dê por inteiro àquele.140A justiça deve atuar sempre de forma a observar o princípio da dignidade da pessoa humana e o Poder, seja ele qual for, não deve ser exercido sobre a dignidade humana. Todos os princípios e valores que orientam a criação dos direitos interno e externo devem servir de base de sustentação aos direitos humanos — patamar mínimo civilizatório de todos os povos — que têm valia universal.141Dessa forma, mais do que novas normativas, necessário se faz o surgimento de uma eficaz e imediata alteração de mentalidade dos operadores do Direito. É preciso adotar uma nova forma de pensar e de encarar os conflitos de massa, bem como sua respectiva solução. Por meio das novas soluções coletivas torna-se muito mais fácil a implementação dos direitos fundamentais, atingindo-se, de forma célere e menos onerosa, o ideal de uma sociedade mais igualitária.

Nesse contexto, as novas formas de soluções de conflitos de massa ganham destaque, como se verá nos tópicos a seguir.

2.1. Inquérito civil

O inquérito civil é uma dessas novas formas que servem à solução dos conflitos de massa. Trata-se de um procedimento administrativo-investigatório que apresenta caráter inquisitorial e pré-processual, de natureza constitucional142, de titularidade exclusiva do MP, tendo por escopo a colheita de

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elementos de convicção por parte de seus membros sobre a veracidade dos fatos narrados na representação que ensejou a sua instauração.143O inquérito civil configura um instrumento de cidadania144, além do que não está sujeito ao princípio do contraditório, em razão de sua natureza inquisitorial.145 (grifo nosso).

De posse das informações colhidas no inquérito civil, o representante do MP pode chamar o investigado para a assinatura do TAC — Termo de Compromisso de Ajustamento de Conduta —, previsto no art. 5º, § 6º, da Lei da Ação Civil Pública (7.347/85)146, além de propor uma ação civil pública ou promover o arquivamento do inquérito, no caso de entender não existir ofensa ao ordenamento jurídico.147Ainda sobre o tema ora em comento, Luís Roberto Proença afirma que podem ser objetos do inquérito civil “as lesões aos direitos políticos e sociais garantidos pela Constituição, dentre inúmeros outros direitos e interesses de natureza coletiva lato sensu”148, além do que cabe destaque para o fato de que a Constituição Federal brasileira de 1988 — e a jurisprudência pátria149

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— alargou o objeto do referido remédio jurídico visando a abarcar toda e qualquer ação civil na área de atuação do MP150, atualmente demarcada pelo art. 129 — inciso III — daquela Norma Maior; pelo art. 1º da Lei da Ação Civil Pública; e pelo art. 6º da Lei Complementar n. 75/93.

No âmbito do Parquet151, o art. 84 — inciso II — da Lei Complementar n. 75/93 preceitua que o inquérito civil será instaurado para assegurar a observância dos direitos sociais dos trabalhadores.152Também é preciso deixar claro que o inquérito civil não configura condição de procedibilidade da ação civil pública, pois, tendo o membro do MP desde logo as provas necessárias, poderá a seu exclusivo critério optar pela via judicial sem instaurar o procedimento administrativo, que é apenas um meio para formação de sua convicção.153Em muitos casos, diante das provas que já acompanham a representação inicial, o Parquet pode optar por ajuizar diretamente a ação civil pública sem instaurar o inquérito civil. Em outros casos, diante da gravidade dos fatos noticiados na representação, a ação poderá ser uma opção do membro do

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MP para que a sociedade tome conhecimento da gravidade dos fatos, havendo, dessa forma, um efeito pedagógico inibidor de novas condutas irregulares.

2.1.1. Natureza jurídica

O inquérito civil é um procedimento administrativo, pois não há contraditório e, inexistindo este, não se está diante de um processo, mas de mero procedimento.

É procedimento administrativo porque no inquérito civil não existe acusado, mas investigado/inquirido. Também não serve para aplicar penalidades; quando muito, estas serão decorrentes de eventual assinatura de TAC, e não do inquérito civil.

2.1.2. Técnica para solução de conflitos coletivos

Outro papel que se destaca do inquérito civil é o seu uso como instrumento para solução dos conflitos de massa. Não raras vezes, sua simples instauração é suficiente para a adequação voluntária da conduta do investigado, que agia em descumprimento da lei por falta de consciência da norma e de seu respectivo alcance.

Em outros casos, levada a efeito a instauração do inquérito civil e a requisição de...

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