As Assistências Judiciária e Jurídica

AutorIonete de Magalhães Souza
Ocupação do AutorGraduada em Direito e Pós-Graduada lato sensu pela Universidade Estadual de Montes Claros - Unimontes. Advogada
Páginas57-89

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1 Poder econômico e informação

A CRFB/1988 trouxe ampliação à Assistência Judiciária dada às pessoas economicamente carentes, passando a tratar-se de Assistência Jurídica. Ela é concedida pelo Estado, atestada por simples comprovação de pobreza, podendo inclusive ser tão somente verbal, com a afirmação de que não há meios suficientes para arcar com o custo do processo, sem prejuízo próprio ou familiar. O acesso aos serviços da Justiça daquelas titulares é, prioritariamente, desenvolvido pela Defensoria Pública, mas ainda, pelo representante do Ministério Público, pelos Núcleos de Prática das Universidades ou por profissionais liberais. Essa assistência tem como maior problema a aplicação da própria Justiça, assegurando aos desafortunados condições para que possam satisfazer as suas pretensões, haja vista o alto custo dos trâmites processuais, sendo válidos seus direitos.

O acesso à Justiça pelos menos privilegiados economicamente se agrava pela falta de informação do direito, que é obstáculo em todos os sistemas jurídicos. Com isso, o direito judiciário apresenta dificuldades maiores que o direito legislativo, haja vista a existência, por vezes, de legislação para o que se aspira, mas a concretização do direito quando tem que passar pelo Judiciário não alcança o “espírito da lei”. Mauro Cappelletti amplia o alcance da Justiça, dando ao juiz poder criador de direito. (CAPPELLETTI, 1993, p. 84). Os juízes,

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pela função que exercem, devem sempre se inclinar para essa realidade da vida social, uma vez que são de direito iguais oportunidades de acesso aos tribunais.

A necessidade de ação em favor próprio ou do outro é sempre ressaltado por quem respeita direitos. Daí o tema “justiça” ser tão discutido desde os primórdios da humanidade. A justiça pode ser remetida às leis, mas também à conduta dos legisladores para se chegar às mesmas, podendo resultar em justas ou injustas. Entretanto, o que por vezes se vê é uma administração voltada para interesses não abertamente confessáveis, na qual uma grande parte de pessoas desconhece a existência das leis, o que leva ao não reconhecimento da injustiça, quando alvo desta.

Levando em consideração toda a linha filosófica de Ronald Dworkin, vê-se a complementação da moralidade com a filosofia, em que o direito equilibra-se na igualdade de tratamento. Contrário ao positivismo, critica a normatização pura como resultado satisfatório para a verdadeira justiça, por não facilitar o seu acesso. A moral deve ser a base interpretativa do Direito, para que se aproxime o quanto mais do desejo individual de quem espera justiça. (DWORKIN, 1989).

A igualdade e a equidade são dois critérios que poderão ser vistos como essenciais, quando se pensa em justiça no âmbito ético. A visão crítica das leis é necessária ao cidadão para que ele tenha melhores condições de lutar por seus direitos, sendo importante o valor de “justiça” em sua formação. A população sem recursos financeiros, de uma maneira geral, é desprovida de conhecimento sobre seus direitos e aqueles que também têm uma noção deles não sabem como e até onde podem usufruir de tais direitos. A informação precisa e correta deve ser levada a público, para uma melhor aplicação da CRFB/1988, mais especificamente, para a matéria em estudo, combinada com as demais legislações pertinentes. Segundo ela:

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Art. 5º Todos são iguais perante a lei, sem distinção de qualquer natureza, garantindo-se aos brasileiros e aos estrangeiros residentes no País a inviolabilidade do direito à vida, à liberdade, à igualdade, à segurança e à propriedade, nos termos seguintes: (...) LXXIV- o Estado prestará assistência jurídica integral e gratuita aos que comprovarem insuficiência de recursos; (...)

O problema da desigualdade socioeconômica, que se coloca à frente do efetivo acesso à Justiça, mostra que a população carente de recursos financeiros não possui sequer a quantia necessária para a formalização de documentação e material extrajudicial, essenciais para a composição do futuro processo judicial ou até mesmo para agilizar processos administrativos, notariais e de tabelionatos em geral. O número de pessoas excluídas dos serviços judiciais é grande frente aos inevitáveis gastos com a obtenção de documentos e possíveis perícias. A remuneração salarial de grande parte da população brasileira é fator impeditivo relevante na condução de direitos.

A pessoa de menor poder aquisitivo é tratada, muitas vezes, como um ausente na ordem jurídica. É vista, na maioria dos casos, como sendo um ser duplamente marginal: primeiro, por estar à margem de direitos e, segundo, quando, porventura, venha a se tornar um criminoso.

A informação de direitos propriamente dita não poderá ser efetivada direta e exclusivamente pelas normas processuais, ressaltando a importância da implantação das Defensorias Públicas nos moldes constitucionais, proporcionando a orientação jurídica ali estabelecida, o que ainda não se realiza integralmente.

O ensino de Direito deve aprofundar-se na doutrina, nos princípios gerais de Direito, na argumentação jurídica e em estágios supervisionados, mostrando aos estudantes não o imediatismo da profissão, mas a valorização dos conhecimentos científicos aplicados na realidade, sob uma ética absoluta, para que

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a interpretação das leis não seja mais política do que social, prejudicando grande parte da população. A assistência jurídica de boa qualidade é imprescindível ao acesso à Justiça, para que o natural e positivo direito se torne realidade.

Uma sociedade com bem-estar social atribui à Ética um papel direcionador da igualdade, da liberdade e consequentemente de um direito justo. A crise em que se encontra o Brasil não se resume ao econômico, mas muito especialmente se deve ao cultural, pois padrões éticos são ignorados ou dissolvidos, desestruturando famílias, ambientes de trabalho e sociais, esvaziando o sentimento de solidariedade. O abandono dos valores éticos cria situações alarmantes, como violações dos direitos humanos, trabalho escravo, crimes ecológicos e tantos outros danos contra a humanidade.

O valor ético, ressaltado neste estudo, é tido como a parte mais importante do Direito. Entretanto, a ética é vista nos cursos de Direito, na maioria das vezes, tão somente como análise do Código de Ética da Ordem dos Advogados do Brasil, e não como ciência que deveria sustentar todo o curso, levando à formação de técnicos e não de juristas. Os futuros advogados, juízes, delegados, promotores, oficiais de Justiça, legisladores, etc. perdem o valor do significado da união Direito–Justiça.

A exclusão é vista nas relações sociais de emprego, lazer, atendimento médico-hospitalar, no campo, em função da raça, das condições físicas, da idade e da vida socioeconômica. Mas o grande preconceito no Brasil é com relação ao pobre. A esperança é a Justiça. O pobre, quando constitui um advogado, entende que encontrou alguém que caminhará com ele, dando-lhe apoio e segurança.

O real valor dado à dignidade da pessoa humana desde a concepção é oferecer-lhe moradia, saúde, escola e segurança.

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Isso equivale a uma mudança de mentalidade, laborando para uma convivência pacífica, com distribuição de renda, criação de condições sociais adequadas e efetividade das leis. Equivale, também, a aprender a conviver na diversidade, seja religiosa, cultural ou social, preservando a consciência ética e dando um basta à corrupção e à impunidade. Criar um “espírito” de boa vontade para maior acesso à Justiça e uma sociedade sem miséria. A comunicação eficiente aos cidadãos dos direitos a eles atribuídos está intimamente ligada à facilitação de se estar em juízo.

Se se partir da observância do Princípio da Igualdade vê-se claramente uma imposição ao legislador no sentido de criar condições sociais para assegurar uma real e equivalente digni-dade social sob todos os âmbitos, caracterizando, dessa forma, uma verdadeira democracia econômica e social. A democracia deve oferecer aos cidadãos uma abertura de participação, elevando os elementos da igualdade constitucional na aplicação e na criação do direito. São de todos os cidadãos os direitos fundamentais, sendo Princípio do Estado Social, juntamente com o Princípio da Universalidade. Princípios constantes do texto constitucional são, portanto, direitos positivados, que aguardam a sua concretização.

A legitimação dos direitos constitucionais deverá ser analisada sob o único ângulo da imposição da efetividade desses direitos, abarcando uma proteção eficaz e tempestivamente razoável.

(...) a garantia do acesso aos tribunais pressupõe também dimensões de natureza prestacional na medida em que o Estado deve criar órgãos judiciários e processos adequados (direitos fundamentais dependentes da organização e procedimento) e assegurar prestações (‘apoio judiciário’, ‘patrocínio judiciário’, dispensa total ou

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parcial de pagamento de custas e preparo), tendentes a evitar a denegação da justiça por insuficiência de meios económicos... O acesso à justiça é um acesso materialmente informado pelo princípio da igualdade de oportunidades. (sic) (CANOTILHO, 1999,
p. 468)

É lamentável que o pobre quase que só conheça a Justiça como “réu” em ação criminal. A melhoria da qualidade de vida dos excluídos do acesso à Justiça, por motivos econômicos e ignorância de direitos, deve liderar os anseios de uma ação social condigna, provocando uma responsável aplicação da lei nas desigualdades sociais, porque o nível de insatisfação da comunidade é alto. Não há que se caracterizar necessariamente uma opção pelos pobres, como deve ocorrer com a Defensoria Pública e com outros “defensores públicos” de toda espécie, mas uma preocupação com a real condição de vida de grande parte dos habitantes do...

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