Entre Ariel e Calibã: Richard Morse e a Definição do 'Objeto América Latina

AutorRodrigo Medina Zagni
CargoDoutor, professor do curso de Relações Internacionais da Universidade Federal de São Paulo
Páginas42-62
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DOI: 10.11606/issn1676-6288.prolam.2015.102284
ENTRE ARIEL E CALIBÃ: RICHARD MORSE E A DEFINIÇÃO DO
“OBJETO AMÉRICA LATINA
BETWEEN ARIEL AND CALIBAN: RICHARD MORSE AND THE DEFINITION
OF THE “OBJECT LATIN AMERICA”
Rodrigo Medina Zagni(*)
Universidade Federal de São Paulo, Osasco (SP), Brasil
Resumo: Richard Morse, um dos mais importantes estudiosos norte-americanos da História do
Brasil, teve na obra O Espelho de Próspero sua mais importante e polêmica argumentação já pu-
blicada e cujos interlocutores foram, essencialmente, historiadores brasileiros. Nosso objetivo,
é o de mapear, por meio de revisão bibliográfica, a discussão historiográfica que se deu a partir
do impacto da publicação da obra no Brasil, revelando distintas e significativas visões sobre as
relações entre a América Latina e os Estados Unidos, e entre ambos e a Europa; contribuindo
assim com este denso e complexo campo de estudos.
Palavras-chave: Richard Morse; Ibero-América; Anglo-América.
Abstract: Richard Morse, a leading American scholars of the Brazilian History, had in his most
important work The Prospero’s Mirror his controversial arguments already published and whose
partners were essentially to Brazilian historians. Our goal is to map, through a literature review,
the historiographical discussion that took place from the publication of the piece in Brazil,
revealing distinct and significant views about the relations between Latin America and the
United States, and between both and Europe. The aim of our is contributing with this dense
and complex field of studies.
Keywords: Richard Morse; Latin America; Anglo American.
(*) Doutor, professor do curso de Relações Internacionais da Universidade Federal de São Paulo. E-mail: rodrigo.medina.
unifesp@gmail.com>. Recebido em: 22.08.2014; aceito em: 11.04.2015.
Entre Ariel e Calibã: Richard Morse e a Definição do “Objeto América Latina”
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1 INTRODUÇÃO
Richard McGee Morse (1922-2001), historiador e ex-professor de História das uni-
versidades de Yale e Stanford, defendeu doutorado no final da década de 1940 sobre a
cidade de São Paulo com a tese Formação Histórica de São Paulo, sendo reconhecido hoje
como um dos mais importantes estudiosos norte-americanos da História do Brasil.
A obra que assim o consagrou foi O Espelho de Próspero, publicada primeiro no Mé-
xico, em 1982, e no Brasil, em 1988, cujos argumentos ali sugeridos provocaram imensa
polêmica no ambiente acadêmico e intelectual brasileiro, sobretudo entre os estudiosos
do período colonial. Isso porque, ao invés de condenar a herança ibérica, seguindo a
interpretação vigente no período, Morse identificou vantagens que teria a cultura his-
pânica, em sua flexibilidade e possibilidades de interação com a intransigente cultura
norte-americana.
Sua análise teve como meta chegar às “mentalidades” vigentes nas sociedades ame-
ricanas, partindo da literatura como meio de interpretar a América e relacionando-as a
universos distintos no Velho Mundo, que explicariam as profundas cisões que cortam as
sociedades do Hemisfério Ocidental. Tendo optado pelo gênero ensaio, a obra é uma es-
pécie de continuação de dois artigos anteriores que exploraram a tradição política latino-
-americana: Toward a theory of Spanish American Government, publicado no Journal of the
History of Ideas (1954); e The Heritage of Latin America, publicado no livro organizado
por Louis Hartz (1919-1986), The founding of new societies (1964).
A alegoria do Espelho de Próspero é de origem shakespeareana e faz menção ao
universo representado no romance A Tempestade, considerada a última peça de William
Shakespeare (1564-1616), escrita de 1610 a 1613. A relação entre o romance e as ques-
tões de identidade superestrutural latino-americanas já havia sido feita por diversos
autores, o mais célebre deles o ensaísta uruguaio Jose Enrique Rodó (1872-1917), no
clássico Ariel (1947), publicado em 1900. Apesar da referência a Ariel, a inspiração para
o título, segundo o próprio Morse, foi o ensaio El mirador de Prospero também de Rodó,
este já de 1909 e no qual, ao contrário do que possa parecer, o termo mirador se refere
à torre, não a espelho.
Seu objeto no ensaio foram as faces anglo-saxônica e ibérica do Novo Mundo,
portadoras, no longo processo de interpretações que sofreu, de duas aparências: uma
Anglo-América mais moderna e realizada; contraposta à Ibero-América irregular e rela-
tivamente atrasada. O objetivo foi o de ampliar as reflexões anteriores e verificar, pelo
confronto dialético entre Anglo e Ibero-América, se a civilização ibero-americana, por-
tadora de história, teria alguma mensagem para o mundo moderno.
Para isso, a análise de Morse recorreu ao passado medieval com o objetivo de ras-
trear o nascedouro das clivagens entre o mundo anglo-saxônico e o ibérico no campo
das mentalidades, das concepções de sociedade e das escolhas políticas engendradas por
duas realidades: uma cientificista e outra tomista.
No percurso do Ocidente medieval à Europa Moderna, Morse articulou no tempo e
no espaço o estudo de autores da Filosofia, Teologia, História, poesia e ensaios literários,

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