A liquidação por arbitramento e a liquidação por artigos: pontos relevantes sob a ótica das leis 11.232/05 e 11.382/06

AutorRodrigo Mazzei
CargoProfessor do Instituto Capixaba de Estudos (ICE)
Páginas485-516

Professor do Instituto Capixaba de Estudos (ICE). Advogado. Vice-presidente do Instituto de Advogados do Estado do Espírito Santo (IAEES). Mestre pela Pontifícia Universidade Católica de São Paulo (PUCSP) e doutorando pela Faculdade Autônoma de Direito (FADISP).

Em estudo anterior, com foco único na Lei 11.232/05, analisamos os principais pontos da liquidação de sentença, abordando também a chamada 'liquidação por cálculos' (aqui não analisada), a saber: Liquidação de sentença. In: NEVES, Daniel Amorim Assumpção, et al. Reforma do CPC: Leis 11.187/2005, 11.232/2005, 11.276/2006, 11.277/2006 e 11.280/2006. São Paulo: RT, 2006, cap. 06, p. 145-198. No presente texto, limitamo-nos às liquidações de sentença por arbitramento e por artigos, fazendo também breve análise da Lei 11.382/06, com a revisão e atualização de pontos anteriormente desenvolvidos. Para leitura mais profunda e com maior extensão sobre liquidação de sentença, indicamos o pretérito texto acima referenciado. A execução de títulos extrajudiciais, por sua vez, foi tratada no volume seguinte (Reforma do CPC 2: Leis 11.382/2006 e 11.341/2006. NEVES, Daniel Amorim Assumpção, et al. São Paulo: RT, 2007).

Agradeço ao colega Marcos Simões Martins Filho, pesquisador do Instituto Capixaba de Estudos (ICE), pela ajuda na correção final e na atualização de referências doutrinárias ao estudo.

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1. Do objeto do estudo

Ao se falar em liquidação de sentença 1 é intuitiva a lembrança dos títulos executivos judiciais 2, não se recordando, ao menos num primeiro momento, das execuções deflagradas por títulos executivos extrajudiciais. De fato, a liquidação de sentença possui espaço muito mais fértil no ambiente voltado aos títulos executivos judiciais, podendo se dizer que se trata de fase antecedente - em algumas hipóteses (por iliquidez do título) - ao cumprimento de sentença, consoante se infere da parte inicial do art. 475-J do CPC 3- 4, notadamente quando a questão envolver a liquidação por arbitramento ou a liquidação por artigos, alvos do presente estudo.

Assim, a liquidação de sentença possui raízes bem apegadas à Lei 11.232/05 que, como é curial, implementou postura reformadora na execução dos títulos de nascedouro judicial. No entanto, a recente Lei 11.382/06 - que tratou da execução de títulos extrajudiciais - possui alguns regramentos que também merecem ser analisados, uma vez que permite, em certa medida, a verificação de 'incidentes' com natureza afim à liquidação. Page 486

Nosso texto, muito longe de traçar abordagem completa e definitiva sobre o tema, busca destacar questões que entendemos ser de alguma relevância nas Leis 11.232/05 e 11.382/06, com o objetivo de estampar o atual perfil e campo de utilização da liquidação por arbitramento e por artigos.

2. Da (atual) natureza jurídica da liquidação de sentença por arbitramento e por artigos

Antes de tecermos qualquer comentário respeitante às liquidações de sentença por arbitramento e por artigos, nos parece fundamental captar a pretensão legislativa de alteração estrutural das figuras jurídicas em comento. Com efeito, após as modificações inseridas pela Lei 11.232/05, o art. 475-A, ao abrir o novo Capítulo IX do Livro I do CPC, dá notícia - através do seu § 1º - do novo perfil assumido pela liquidação de sentença. Percebe-se que se pretende deixar de tratar o instituto como ação autônoma (de natureza declaratória 5- 6) para encará-lo como incidente 7. Page 487

Para se entender a alteração de postura não basta a simples leitura do § 1 º do art. 475-A do CPC, quando aponta que a cientificação do devedor se dará através de "intimação" na pessoa de seu advogado. 8 Esta colocação isolada, pensamos, não seria suficiente para se caracterizar a mudança da natureza da liquidação de sentença. Entretanto, passeio mais cuidadoso pelo Capítulo IX do Livro I do CPC 9, permite-nos tal leitura, haja vista que, em nítidos sinais, busca-se uma transmutação da liquidação de sentença para um incidente. Senão vejamos:

* O § 1º do art. 475-A não exige petição inicial, reclamando apenas "requerimento", típica postulação incidental de marcha processual.

* Será proferida "decisão", segundo o parágrafo único do art. 475-D, e não mais "sentença", tal qual constava no revogado parágrafo único do art. 607 do CPC.

* O recurso que desafiará a "decisão" deverá ser o agravo de instrumento, nos termos do inédito art. 475-H.

Existem, contudo, contradições que colocam em dúvida a assertiva de que a liquidação de sentença será sempre um incidente, pois:

* O § 2º do art. 475-A utiliza da palavra "pedido", quando, para coesão com o § 1º (em antecedência) poderia ter se valido de "requerimento".

* Apesar de plantada a expressão "no que couber" no art. 475-F, o legislador foi econômico, não fixando exatamente o que pretendeu com a remissão ao procedimento Page 488 comum (crê-se que a liquidação de sentença por artigos seguirá o procedimento comum, situação no mínimo estranha para um simples "incidente" 10).

Pensamos, em aferição que extrapola a interpretação gramatical das noviças normas, que não se afigura correta a dicção de que a liquidação de sentença se reduziu - em todos os casos - a incidente processual, dada a necessidade - em boa medida de hipóteses - de grande cognição até sua decisão final. Nestas situações, a liquidação de sentença continuará tendo natureza jurídica de ação, mesmo que para tal afirmação seja necessário nos valermos de interpretação lógica 11. Diante do exposto, há espaço para a crítica de Araken de Assis sobre a reforma no particular. Confira-se:

"Parece inequívoca a intenção do legislador transformar a liquidação, nas modalidades do arbitramento e dos artigos, em ação incidental, inserida no processo já pendente, em alguns casos processada em autos apartado (art. 475-A, § 2º). Em tal hipótese, à semelhança do que sucede no caso do réu reconvir, não se formará nova e independente relação processual, criando 'cúmulo de processo'; existirá a reunião de duas ações sucessivas (existindo o trânsito em julgado) ou simultâneas (na execução provisória, consoante art. 475-A, § 2º) no mesmo processo. Nem sempre, porém, as melhores intenções (e o objetivo presumível da reforma parece altamente discutível) acabam se materializando no direito posto. Por exemplo, a Page 489 liquidação por artigos seguirá as linhas mestras do procedimento comum, a teor do art. 475-F, senão eliminando, ao menos enfraquecendo a inclinação inicial, sem embargo da cautelosa cláusula 'no que couber'". 12

Assim, é de certa maneira ingênua a idéia que será possível tratar em todos os casos a liquidação de sentença com a simplicidade de um incidente processual, dada a sua natureza própria. 13 A lei não tem o condão de, ao impor simples alteração redacional em alguns dispositivos, mudar a própria estrutura de instituto jurídico dotado, inclusive, de força para formar coisa julgada material. 14 Page 490

Recorde-se ainda, que algumas regras apresentadas - tidas como novidades para prestigiar a efetividade - já eram contempladas na legislação processual, apesar de coloração um pouco diferente, tal como se pode perceber dos parágrafos do art. 475-B do CPC.

Forçoso, desse modo, entender que a reforma processual buscou trazer novo perfil para a liquidação de sentença, trazendo, em certa medida, soluções que permitirão uma maior agilidade processual, como é o caso do § 2º do art. 475-A do CPC 15. Todavia, não nos parece possível fechar os olhos e simplesmente aceitar que a empreitada legislativa, com pequenos retoques, afetou o núcleo da liquidação de sentença. Ao mesmo tempo em que não podemos nos agarrar no passado, com um saudosismo injustificado, não se deve desprezar as experiências pretéritas que desvendam os reais contornos da figura jurídica que se pretende reformar.

3. Liquidação por arbitramento (arts 475-c e 475-d)

A liquidação de sentença por arbitramento, antes da Lei 11.232/05, estava escorada basicamente nos arts. 606 e 607 do CPC, apesar de também atrair outras normas, como, por exemplo, os arts. 603 e 610. Com a nova ordem legal, tal modalidade de liquidação ficará repousada nos arts. 475-C e 475-D (que substituem os arts. 606 e 607), recebendo influência de outros dispositivos, a saber: art. 475-A (em permuta do art. 603), 475-G (que revogou o art. 610) e art. 475-H (sem precedente). Page 491

3.1. Características da liquidação por arbitramento e diferenças com a liquidação por artigos

Não foram alteradas as hipóteses de permissão da liquidação por arbitramento, pois, segundo o art. 475-C, esta ocorrerá quando: "I - determinado pela sentença ou convencionado pelas partes; II - o exigir a natureza do objeto da liquidação". Sobre tal formato, tem-se que é desnecessário o inciso II do art. 475-C, uma vez que a sentença somente assim irá determinar se justamente a natureza do objeto assim exigir, primeira situação do inciso I. 16

É incomum a liquidação por arbitramento em razão de convenção das partes (segunda parte do inciso I, do art. 475-C), mas, ocorrendo, há sujeição do controle judicial, uma vez que somente poderá ser permitida tal deliberação conjunta das partes se a liquidação por arbitramento se demonstrar como adequada para o aperfeiçoamento da obrigação...

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