Sentença arbitral e a sua natureza jurídica

AutorMichelle Cristina Bazo/Rozane da Rosa Cachapuz
CargoGraduacáo Stricto Sensu da Universidade Estadual de Londrina/Mestre em Direito Negocial, com concentracáo em Direito Processual Civil
Páginas206-227

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1 Introduçáo

O presente trabalho tem como objetivo o estudo acerca da natureza jurídica da sentenca arbitral, especialmente em vista do tratamento que lhe foi dispensado pela Lei ne 9.307 de 23 de setembro de 1996, que dispoe sobre o instituto, ao igualar seus efeitos aos produzidos pela sentenca judicial e constituí-la em título executivo, dispensando homologacáo pelo Poder Judiciário, fazendo sobre ela incidir os efeitos da coisa julgada.

Diante da realidade em que se encontra hoje o Poder Judiciário, sufocado com a imensa quantidade de processos que diariamente sao ajuizados e sao acomodados aos já existentes, é necessário buscar solucoes a dar efetividade a atividade estatal. Isso porque o escopo maior do processo é a efetivacáo concreta da justica; logo, o Estado como detentor do poder de solucionar os conflitos deve proporcionar aos cidadáos o acesso a justica, a ordem jurídica justa, ainda que tenha que criar novos instrumentos paralelos a atividade jurisdicional tradicional, para garantir a efetividade.

O instituto da arbitragem é assim um instrumento de pacificacáo social célere e efetivo que existe justamente para auxiliar o Estado no cumprimento de sua missáo. Por essa razáo, deve ser dada a devida atencáo a sentenca arbitral, pois é ela que contém a solucáo do confuto e, portanto, o foco do debate sobre a validade do instituto.Page 207

O Art. 23 da Lei da Arbitragem inovou o instituto, pois conferiu as partes a faculdade de fixar o prazo para a entrega da sentenca arbitral e no caso de silenciar, determinou que o prazo seja de 06 (seis) meses. Revelar seus atributos essenciais e demonstrar a razáo de sua existencia é fundamental para o desenvolvimento e aperfeicoamento do instituto, contribuindo, na seqüéncia, para a promocáo da paz social e realizacáo do ideal de justica.

Dessa forma, partindo-se dos fundamentos da teoría da sentenca judicial, aplicados á sentenca arbitral, será possível aferir a adequacáo da construcáo doutrinária, de modo a estabelecer urna regra geral de tratamento para a sentenca arbitral, apta a orientar o tratamento doutrinário dispensado a esta figura jurídica.

O arbitro, enquanto juiz privado, no exercício dos poderes jurisdicionais, nao necessita do Poder Judiciário para dar validade ás suas decisoes, dispensando-se a homologacáo da sentenca arbitral. Contudo, deve observar em sua atividade os principios que regem o instituto, inclusive os constitucionais, assim como as garantías processuais que lhe sejam pertinentes.

Com o conhecimento gradativo da Lei da Arbitragem vé-se que este instituto possui fatores que permitem a rápida e efetiva solucáo de confiitos de interesses, revelando grande vantagem em relacáo á via judicial: a celeridade da entrega da tutela buscada que é a solucáo do confuto de interesses, cumprindo o mister do principio da efetividade processual.

A confeccáo das conclusoes a que se propoe o presente trabalho será possível por meio da confrontacáo da sentenca arbitral com a sentenca judicial, especialmente, quanto á sua teoría, permitindo, assim, verificar a natureza jurídica da sentenca arbitral.

2 Sentenca judicial e sentenqa arbitral

Para que seja possível determinar a natureza jurídica da sentenca arbitral é necessário verificar a correspondencia prática entre a teoría da sentenca judicial e a vivencia jurídica arbitral, analisando-se todos os seus aspectos e estabelecendo elementos identificadores e diferenciadores entre as duas especies de sentencas.

Para facilitar a compreensáo, apresenta-se um exemplo: urna rescisáoPage 208 contratual solucionada tanto pela via arbitral como pela via judicial, em que a pretensáo da parte autora foi acolhida, ao menos, em parte. Trata-se de situacáo complexa envolvendo problemáticas peculiares a situacáo fática que lhe originou, o que permitirá analisá-las sob a ótica de todas as teorías expostas.

Esse confronto é imprescindível, pois assim será possível determinar de forma adequada os elementos essenciais da sentenca arbitral, viabilizando delinear sua natureza jurídica.

2.1 Elementos identificadores e diferenciadores

Pautando-se exclusivamente pela teoría da sentenca judicial, há que se admitir pela existencia de elementos identificadores e diferenciadores entre sentenca judicial e sentenca arbitral.

A identificacáo entre essas especies de sentencas é verificada a partir da definicáo legal proposta pelo legislador. Tanto o § 1° do Art. 162 do CPC como o Art. 29 da Lei da Arbitragem define a sentenca como sendo o ato que encerra o processo (SILVA, 2000)1. O conceito legal proposto pelo legislador da lei processual civil permite a inclusáo em seu bojo da sentenca arbitral de maneira mais adequada que a própria sentenca judicial, haja vista cumprir aquela o propósito de encerrar o processo o que, normalmente, nao ocorre no processo judicial.

Acrescente-se ainda que a doutrina considera inadequado o conceito legal estabelecido no CPC para a sentenca por existirem situacoes diversas em que nao há encerramento do processo quando de sua emissáo2. Nesse aspecto, a sentenca arbitral cumpre, com maiorPage 209 especialidade, o escopo da definicáo legal e a missáo de encerrar efetivamente o processo com a entrega da solucáo para o confuto de interesses.

Considerando-se a definicáo legal, a doutrina formula conceitos outros sobre a sentenca, muitas vezes, trabalhando o próprio conceito legal, sem que isso ofereca contribuicóes novas e significativas para a teoría da sentenca. Entretanto, emerge da própria doutrina um conceito de sentenca que se apresenta adequado a encerrar a celeuma instaurada com a definicáo legal. Por este, a sentenca pode ser conceituada como "ato que decide um litigio autónomo, independente de encerrar ou nao o processo."

O litigio autónomo é aquele que existe independente do mérito da acáo (é urna relacáo de direito material livre), mas que com ele guarda alguma relacáo, merecendo, pois, a manifestacáo por parte do julgador, de modo a eliminar o confuto que dele nasce.

Nesse sentindo, é possível defender a identificacáo da sentenca arbitral com a judicial, pois, no processo arbitral, ainda que nao solucionada pelo arbitro, sendo remetida para o Poder Judiciário, a sentenca solucionará um litigio autónomo; é o que ocorre, por exemplo, quando há necessidade de manifestacáo acerca de questáo referente a direito patrimonial indisponível devendo ser ela apreciada pelo Poder Judiciário.

No mais, o próprio confuto em torno de direito patrimonial disponível, objeto do juízo arbitral, é um litigio autónomo: tem vida própria e é ele que reclama a manifestacáo do arbitro para pacificar as partes. Com efeito, o juízo arbitral foi constituido para que houvesse solucáo para o confuto de interesses existente entre as partes. Sua finalidade, portanto, é a pacificacáo do confuto; logo, contendo a sentenca a solucáo para o litigio autónomo encerrado está o juízo arbitral.Page 210

Os aspectos técnicos ou estruturais ñas duas especies de sentencas sao os mesmos. A Lei da Arbitragem e o CPC estabelecem como requisitos da sentenca o relatório, a fundamentacáo e o decisorio, conforme se extrai dos Arts. 26 e 458, respectivamente. A finalidade de cada um desses elementos também se identifica cumprindo eles os mesmos objetivos.

Na sentenca arbitral, porém, a data e o local onde foi proferida ganham relevo de notoriedade, eis que o local revela a qualidade da arbitragem, se nacional ou internacional, e a data, a observancia do prazo estabelecido para sua entrega, seja o estabelecido pelas partes, seja o fixado pela lei no caso de omissáo daquelas. A ausencia desses requisitos pode acarretar a nulidade da sentenca arbitral ou ainda a responsabilizacáo do arbitro que nao pode se eximir de decidir o litigio.

O que o legislador fez foi acrescentar dois requisitos a estrutura da sentenca arbitral, inerentes a sua natureza e finalidade sem que tais elementos ocasionem a quebra da teoría que lhe é aplicada.

No contexto dos requisitos, a teoría dos capítulos de sentenca tem aplicacáo adequada a sentenca arbitral, eis que esta pode abracar mais de urna pretensáo, como por exemplo, a existencia de pedidos cumulados, condenacáo ñas despesas processuais e honorarios de arbitros, pedido de rescisáo contratual, reconvenció, restituicáo de valores, entre outros.

O principio da unidade da sentenca informa que ela deve ser apresentada em um documento único, proferida, igualmente, em um único momento com a finalidade de solucionar o litigio (autónomo) carecedor de pacificacáo e, quando possível, encerrar o processo. Como ato solene, a sentenca deve atender a formalidades legáis, isto é, os requisitos estruturais estabelecidos no Art. 458 do CPC e, no caso da arbitragem, no Art. 26 da respectiva lei: relatório, fundamentacáo e dispositivo.

Embora se exteriorize em um texto único e se constitua de partes estruturais, a sentenca pode ainda ser divida em capítulos, cada um contendo um julgamento distinto conforme ensina Cándido Rangel Dinamarco (2003, p. 666) ao afirmar que os capítulos de sentenca sao "como as partes em que ideológicamente se decompóe o decisorio de urna sentenca ou acórdáo, cada urna délas contendo o julgamento de urna pretensáo distinta."Page 211

No exemplo apresentado anteriormente, sobre a rescisáo contratual, seja na arbitragem, seja na via judicial, os julgadores se manifestam sobre todas essas pretensoes, confeccionando sentencas distribuidas em capítulos para urna melhor análise das pretensoes, as quais sao mencionadas nos respectivos dispositivos. Por outras, havendo pedido acerca de violacoes contratuais pelas partes, inadimplemento contratual, damos materiais e moráis, por exemplo, os julgadores deveráo se manifestar sobre cada um deles, além de se manifestar sobre a sucumbéncia.

Observe-se ser evidente a existencia de capítulos em ambas as especies de sentenca.

No aspecto formal3 a sentenca...

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