Arbitragem nas parcerias público-privadas

AutorAna Carolina Weber
CargoMestranda em Direito Internacional na Universidade do Estado do Rio de Janeiro.
Páginas125-1423

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1. 1 - A Evolução do Estado

O Senador Afonso Arinos de Melo Franco, falando na sessão de 16 de dezembro de 1966, se reportava à

“contradição na apresentação do problema econômico, à contradição entre este autoritarismo político e o liberalismo econômico da Constituição. Isto atribui certo sabor reacionário. A constituição pode ser definida como social e economicamente reacionária por esta razão: porque fortalece, indiscutivelmente, o poder político do Executivo, e afrouxa, enormemente, o controle do Estado, no campo da economia e no campo das relações sociais.” 2

Traço marcante de toda a história mundial constitui a tentativa de o Estado conciliar políticas que atendam ao interesse público a decisões que sejam economicamente e financeiramente viáveis à nação. Com esse norte, o ente estatal, constantemente, depara-se com a necessidade de coadunar sua capacidade de agir ativamente na economia com a sua vertente reguladora e defensora dos interesses públicos e sociais3

Uma breve digressão histórica nos permite vislumbrar, no campo das Ciências Sociais, um esforço por identificar modelos estatais que consigam equilibrar os dois objetivosPage 126anteriormente mencionados. Assim, é que a partir da constatação da falência do Welfare State (modelo estatal que privilegiava as políticas governamentais relativas ao desenvolvimento social dos países e, por assim ser, de suas populações) e das incongruências do Fordismo, estudiosos vêm tentando traçar as linhas mestres do que seria um Estado mais eficiente e menos oneroso.4

Antes da década de 1980, o Estado apresentava- se como controlador, diretor, produtor direto de bens e serviços, planejador e até mesmo árbitro dos conflitos nos quais era parte, de forma a garantir o pleno emprego nas economias relativamente fechadas e auto-centradas, ajustando a demanda às necessidades criadas pela oferta e mantendo a negociação coletiva dentro dos limites compatíveis com os níveis de crescimento. Era um Estado pleno, que se fazia presente na vida pública e na particular.

Na década imediatamente seguinte, em razão da falência dessa excessiva centralização, percebe-se uma nova e diferente vertente nos modelos estatais. Os governos passam a enfatizar a desregulamentação da economia, a abertura comercial a importações e à entrada de empresas estrangeiras, a revogação dos monopólios públicos, possibilitando uma maior concorrência entre as empresas privadas e, com isso, um incremento na dinâmica da economia, e a privatização de empresas públicas. Foi em decorrência deste cenário, estruturado na década de 1990, que se produzem os reflexos atuais, os quais qualificam e identificam o perfil estatal hodierno.5

Entretanto, em razão de fatores sociais, políticos e econômicos, o modelo estatal ainda não chega perto do que se pode considerar ideal. Diversos problemas caracterizam nações como o Brasil, tornando recorrentes temas como o da reforma do Estado. Os debates, na verdade, ganham nova dimensão: procura-se estruturar os governos e suas políticas internas e internacionais, tendo por norte a internacionalização dos fluxos financeiros, a integração das economias periféricas aos mercados globais e a reorganização dos padrões de produção.6

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1. 2 As Parcerias entre o setor Público e o setor Privado

O Estado depara-se, neste instante, com um desafio ainda maior: dar condições a sua economia para que ela se mantenha competitiva no cenário internacional. Contudo, e por isso mesmo trata-se de um desafio, há diversos embaraços e dificuldades que se colocam aos governos a fim de propiciarem uma conjuntura favorável ao desenvolvimento econômico. Busca-se a redução dos índices de endividamento, porém, em razão do aumento das produções e da necessidade de permitir que os bens cheguem aos seus consumidores finais, faz-se necessário o dispêndio de grandes quantias para viabilizar uma infra-estrutura que sustente todo esse crescimento.

Todavia, os recursos públicos que podem ser destinados a investimentos de infra-estrutura são ínfimos perto das necessidades que produzem tal crescimento econômico. Por conta disto o Estado brasileiro veio a aprovar a Lei n° 11.079/2004: chegou-se à conclusão de que a solução estaria em obter uma forma de parceria entre a Administração Pública e os interesses lucrativos das empresas.7

O governo federal encontrou no instituto das Parcerias Público-Privadas o meio para manter o crescimento nacional, dando condições logísticas para o mesmo, sem onerar demasiadamente os cofres públicos. Xavier Borges, assim, nos ensina:

"A PPP envolve, por um lado, a utilização de recursos privados para que o Estado atinja seus objetivos e, por outro, permite que o setor privado realize negócios em atividades cuja natureza sempre foi mais afeitas, exclusivamente, ao setor público. (...)

A possibilidade de atração de capitais privados em um cenário de relativa escassez de recursos públicos viabiliza a realização de investimentos e permite a redução de gargalos da infra-estrurura econômica.” 8

O modelo que o Brasil acabou por adotar não foi inovação do legislador nacional. O instituto das Parcerias Público-Privadas teve seu nascedouro na Inglaterra, onde já opera há mais de dez anos e tendo sido responsável por investimentos ordem de mais de 30 bilhões de libras esterlinas.

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O modelo inglês foi estruturado como uma opção à privatização e ao sistema anterior, que matinha a autoridade governamental como responsável pela propriedade, manutenção e operação de ativos de interesse público.9

Os trabalhos ingleses surgiram a partir de uma "célula" no âmbito interno do Ministério da Fazenda: uma equipe denominada Treasury Task Force (Força Tarefa do Tesouro), constituída por pessoas qualificadas, provenientes tanto do setor público quanto do setor privado. A Treasury Task Force desenvolveu suas atividades como uma Unidade PPP da Administração Pública, sendo transformada, agora em 2001, em uma companhia mista na qual participam capitais públicos e privados10.

A experiência das PPPs foi se expandindo para outros países. Na Alemanha, por exemplo, até recentemente, havia pouco interesse nas parcerias público-privadas, à exceção de um pequeno número de projetos de transporte de grande visibilidade. A reforma fiscal, contudo, provocou significativa queda na arrecadação, o que, somado à elevação dos custos de reestruturação, levou o poder público a olhar com mais seriedade para esta opção. Hoje, alguns projetos-piloto já começam a surgir na esfera estadual, especialmente em áreas como a de educação. 11

A experiência das PPPs também foi adotada como instrumento de integração da União Européia. O Banco Europeu de Investimento valeu-se da mesma para a realização do Programa Trans European Networks (TENs), lançado pela União Européia para permitir e incentivar a integração e o desenvolvimento da infra-estrutura pan-européia nos setores de transportes, energia e telecomunicações.12

1. 3 O modelo de PPP adotado no Brasil

O projeto de lei das PPPs, depois da devida tramitação, restou aprovado em 23 de dezembro de 2004.Com relação aos Estados e Municípios, a lei federal apenas estabelece normas de caráter geral, as quais carecem de detalhamento e regulamentação em muitos aspectos, sobretudo no que concerne à instituição de órgão gestor do programa, normas específicas de controle e fiscalização e viabilização de garantias por parte do setor público.

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Por conta deste caráter genérico da Lei e em razão da morosidade do Legislativo federal em aprovar a Lei das PPPs, diversos Estados, antes mesmo da promulgação da Lei n° 11.079/2004, já tinham publicado leis estaduais instituindo as Parcerias Público-Privadas em seus territórios.13

A Lei n° 11.079/2004 limitou ao tratar do conceito de Parceria14 Públicoprivada em seu artigo 2°, que assim dispôs:

“Art. 2 o Parceria público-privada é o contrato administrativo de concessão, na modalidade patrocinada ou administrativa.”

Na verdade, não foi preocupação do legislador trazer um conceito de parceria público-privada. Ele restringiu-se a dizer que se trata de um contrato administrativo e a elencar suas modalidades, das quais trataremos em seguida. Entretanto, para fins acadêmicos, seria possível visualizar a Parceria Público-Privada típica como sendo a situação em que o particular assume o risco de projetar e construir uma determinada obra para, mantendo a propriedade desta após a sua conclusão, colocar os seus frutos à disposição do Estado ou da comunidade mediante um contrato de operação de longo prazo, fazendo jus a uma remuneração periódica do Estado se atender às metas e requisitos de qualidade previamente acordados.15

Em razão da não fixação de um conceito fechado de PPPs pela Lei n° 11.079/2004, seria possível vislumbrar aí uma maior facilidade e maior amplitude de atividades que poderiam ser beneficiadas pelas parcerias.16

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Desta forma, percebe-se que a ausência de uma previsão expressa na Lei n° 11.079/2004 e previsões incompletas e incertas no Plano Plurianual, permitem aos futuros parceiros vislumbrar um leque de atividades mais amplo a ser beneficiado pelas PPPs.17

1.3. 1 Concessão Patrocinada e Concessão Administrativa

O artigo 2° da Lei n° 11.079/2004 dispõe:

“Art. 2 o Parceria público-privada é o contrato administrativo de concessão, na modalidade patrocinada ou administrativa.

§ 1 o Concessão patrocinada é a concessão de serviços públicos ou de...

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