Arbitragem no Direito Individual do Trabalho: Incompatibilidade Presente
Autor | Alberto Luiz Bresciani de Fontan Pereira |
Ocupação do Autor | Ministro do Tribunal Superior do Trabalho. |
Páginas | 97-104 |
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Motivados, ao menos sob primeira razão, por pretensas dificuldades enfrentadas pelo Poder Judiciário para oferecer a prestação judicial tempestiva e eficazmente, refletem os profissionais ligados ao Direito, de forma crescente, também no campo trabalhista, em torno das denominadas formas extrajudiciais de solução de conflitos interindividuais.
Dentre elas, extrai-se a arbitragem, nos moldes estabelecidos pela Lei n. 9.307, de 1996, e legislação esparsa. A questão que se adianta, quando em foco o modelo jurídico, gira em torno da compatibilidade do instituto com o Direito Individual do Trabalho, postos em campo de cogitação os princípios que o regem, além do arsenal de normas que integram o direito objetivo correlato.
Nesta oportunidade, ultrapassando as formas de autotutela, fixo-me na espécie arbitragem, vinculada ao gênero heterocomposição, em que a solução de contendas estabelecidas decorre da intervenção de terceiro ou de terceiros. Aqui, encontram sede também a jurisdição, a conciliação e a mediação.
São institutos de contornos diversos, ainda que mantenham, sob aspectos, identidades em sua etiologia.
A jurisdição decorre de garantia constitucional (Constituição Federal, art. 5º, XXXV) e, exercitada por juízes ou tribunais nela investidos, segundo protocolos especiais, consolida-se pela prolação de sentença (ou decisões de igual natureza, mas de diferentes denominações), dotada de efeito coercitivo e características peculiares que o ordenamento jurídico delineia.
Na conciliação, o desfecho do conflito é obtido pela interação entre as partes, conduzidas embora por profissional preferencialmente especializado, que, sob conhecimento do tema em discussão e dotado de técnica própria, leve-as à pacificação. A figura se afina com a mediação, em que o terceiro promove esforços para a aproximação dos litigantes. Em nenhuma destas situações, o terceiro dispõe de poder decisório. Sua atuação se restringe ao aconselhamento e sugestão.
A arbitragem comparece à cena com personalidade mais forte e incisiva. Nela, o árbitro detém poder decisório e seu decreto obrigará as partes que o elegem.
Em simplificação preliminar, quer pela oferta da solução jurisdicional, quer pela necessidade e possibilidade de livre escolha do meio e de árbitro,
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quer, ainda, pela natureza dos direitos aflorados, quando de natureza trabalhista, a arbitragem traz maiores espinhos, razão pela qual esta abordagem a ela coarcta-se.
A discussão do assunto tomou corpo, firme-se, com a edição da Lei n. 9.307, de 1996, a denominada Lei de Arbitragem.
A figura não é nova no Direito brasileiro. Já a previa o Código Comercial de 1950, a ela aludindo a Constituição imperial de 1824, o Código Civil de 1916 e o Código de Processo Civil. No âmbito do direito comparado, a arbitragem, para os litígios individuais trabalhistas, remarque-se, ainda não encontra farta ressonância.
Examinem-se, rapidamente, os contextos normativo e doutrinário que recortam o instituto.
A arbitragem poderá ser obrigatória ou facultativa. A primeira decorrerá de comando legal ou de prévia convenção entre as partes, do que resulta a cláusula compromissória (Lei n. 9.307/1996, art. 4º). Será facultativa quando eleita pelas partes dentro do ambiente já litigioso, tomando corpo via compromisso arbitral, tanto extra quanto endoprocessualmente (Lei n. 9.307/1996, art. 9º, caput e § 1º).
A Constituição Federal, no art. 114, §§ 1º e 2º, facultou a adoção da arbitragem nos casos de conflitos coletivos de trabalho:
Art. 114. Compete à Justiça do Trabalho processar e julgar:
(...)
§ 1º Frustrada a negociação coletiva, as partes poderão eleger árbitros.
§ 2º Recusando-se qualquer das partes à negociação coletiva ou à arbitragem, é facultado às mesmas, de comum acordo, ajuizar dissídio coletivo de natureza econômica, podendo a Justiça do Trabalho decidir o conflito, respeitadas as disposições mínimas legais de proteção ao trabalho, bem como as convencionadas anteriormente.
Tal possibilidade, com efeito, é justificada pela equivalência entre os hemisférios trabalhador, assistido pelo sindicato profissional, e empregador, por si ou agrupado em entidade sindical. São coletividades em contraponto.
Não há dúvidas, diante da expressa dicção constitucional (art. 114, §§ 1º e 2º), de que a arbitragem é aplicável na esfera do Direito Coletivo do Trabalho. O instituto encontra, nesse universo, a atuação das partes em conflito valorizada pelo agregamento sindical.
No Direito Individual do Trabalho, contudo, outras são as perspectivas.
Atenção para a Lei n. 9.307/1996, que, em seu art. 1º, dispõe:
"Art. 1º As pessoas capazes de contratar poderão valer-se da arbitragem para dirimir litígios relativos a direitos patrimoniais disponíveis."
Para além do diploma de regência, o ordenamento jurídico, aos poucos, vai aditando parcelas de conflitos compatíveis com a arbitragem.
O art. 23, § 1º, da Lei do Trabalho Portuário (Lei n. 8.630, de 1993) preconizava a obrigatoriedade da arbitragem de ofertas finais nos casos que regula. Embora revogada a Lei, a norma restou mantida no art. 33, § 1º, da Medida Provisória n. 592, de 2012. Também a Lei Complementar n. 75, de 1993, regente do Ministério Público, no art. 83, IX, autoriza seus membros à atuação como árbitros, desde que o desejem os contendores (arbitragem facultativa) em dissídios individuais trabalhistas. A Lei n. 12.395, de 2011, por seu turno, a despeito de aludir à arbitragem, deixa claro que seu objeto serão os "litígios relativos a direitos patrimoniais disponíveis", com inserção em acordo ou convenção coletiva de trabalho, dependendo a sua instituição de "concordância expressa de ambas as partes, mediante cláusula compromissória ou compromisso arbitral" (art. 90-C e parágrafo único).
A Lei n. 9.307/1996 entusiasma juristas de escol. Afirmam-na como promissora solução para o congestionamento processual, argumentando, de pronto, com as deficiências do Poder Judiciário. Prosseguem, alinhando, em síntese, a inclinação mundial para a quebra do monopólio da jurisdição, de modo que ao Estado fossem confiadas, preferencialmente, as questões pertinentes ao Direito Público; a celeridade e economia do processo arbitral; a liberdade de eleição da via e a reserva de normas trabalhistas alheias à
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irrenunciabilidade e passíveis de transação (assim preservado o estatuto de ordem pública e os cânones que o garantem).
Também no âmbito jurisdicional, o cabimento do instituto recebeu acolhida. Pela constante excelência de seus fundamentos, enquanto magistrado paradigma, recorro a acórdão relatado pelo eminente Ministro Antonio José de Barros Levenhagen, hoje Presidente do Tribunal Superior do Trabalho, no processo TST-RR n. 144300-80.2005.5.02.0040, julgado no âmbito da 4ª Turma da Corte, em 15 de dezembro de 2010. Pontuava Sua Excelência em judiciosa manifestação:
Pois bem, o art. 1º da Lei n. 9.307/96, ao estabelecer ser a arbitragem meio adequado para dirimir litígios relativos a direitos patrimoniais disponíveis, não se constitui em óbice absoluto à sua aplicação nos dissídios individuais decorrentes da relação de emprego.
Isso porque o princípio da irrenunciabilidade dos direitos trabalhistas deve ser examinado a partir de momentos temporais distintos, relacionados, respectivamente, com o ato da admissão do empregado, com a vigência da pactuação e a sua posterior dissolução.
Nesse sentido, sobressai o relevo institucional do ato de contratação do empregado e da vigência do contrato de trabalho, em função do qual impõe-se realçar a indisponibilidade dos direitos trabalhistas, visto que, numa e noutra situação, é nítida a posição de inferioridade econômica do empregado, circunstância que dilucida a evidência de seu eventual consentimento achar-se intrinsecamente maculado por essa difusa e incontornável superioridade de quem está em...
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