Aprendizagem e qualificação profissional de adolescentes em cumprimento de medidas socioeducativas em meio aberto e fechado

AutorGeny Helena Fernandes Barroso Marques - Mariane Josviak - Sueli Teixeira Bessa
CargoProcuradora do Trabalho - Procuradora Regional do Trabalho. - Procuradora do Trabalho.
Páginas257-284

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1. Esclarecimentos prévios

Em cumprimento ao deliberado na XXV Reunião Nacional da Coordena-doria de Combate à Exploração do Trabalho de Crianças e Adolescentes do Ministério Público do Trabalho - COORDINFÂNCIA, instituiu-se comissão para estudo da implementação do direito à proissionalização para adoles-centes em cumprimento de medidas socioeducativas.

No presente estudo, pretende-se abordar, no plano teórico e norma-tivo, a sistematização das práticas existentes no Brasil e a proposta de um modelo de atuação para implementação da aprendizagem proissional dirigida a adolescentes em cumprimento de medidas socioeducativas em meio aberto e fechado.

De início, saliente-se que foi realizada análise da legislação aplicável à espécie, notadamente que prevê o direito de proissionalização, via apren-dizagem, bem como da Lei n. 12.594/12, que instituiu o SINASE - Sistema Nacional de Atendimento Socioeducativo e regulamentou a execução das medidas socioeducativas destinadas a adolescentes, autores de ato infra-cional; tudo a im de aferir a viabilidade de implementação da aprendizagem para esse público especíico.

Assim, num primeiro momento e, sob o prisma teórico, aventaram-se algumas possibilidades de implementação, observadas certas peculiaridades, especialmente para os adolescentes que cumprem medidas em meio fechado. Posteriormente, a comissão entendeu pertinente, com vistas a nutrir este estudo de análises de casos práticos, realizar visitação em insti-tuição com experiência em cursos de aprendizagem e proissionalizantes a adolescentes autores de ato infracional e, ainda, em instituição não imple-mentadora do direito de proissionalização. Na busca, tomou-se ciência de duas instituições: uma na Bahia e outra no Rio Grande do Sul, optando-se pela visita a esta última. Com relação à instituição não implementadora, foi realizada visitação, por um dos Membros da Comissão, na cidade de Campos dos Goytacazes/RJ.

Por im, com base nas informações colhidas, consolidou-se o presente estudo para implementação de aprendizagem para adolescentes em cumprimento de medidas socioeducativas em meio aberto e fechado.

Ressalte-se que este estudo não tem a pretensão de propor um mo-delo deinitivo para conferir efetividade ao direito de proissionalização ao público acima mencionado, mas sim um modelo inicial para oferecimento de uma resposta da sociedade aos adolescentes que cumprem medidas socioeducativas, proporcionando a qualiicação proissional e, por via de

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corolário, uma melhor e mais digna inserção no competitivo mundo do trabalho, tornando-os capazes de exercer sua plena cidadania.

O presente estudo busca, assim, desenvolver ações relacionadas à proissionalização dos adolescentes autores de ato infracional, na perspectiva do que prevê o Estatuto da Criança e do Adolescente e, ações de escolarização, numa abordagem que observe o respeito à condição peculiar de pessoa em desenvolvimento e a capacitação proissional adequada ao mundo do trabalho.

2. Fundamentos jurídicos

A. A evolução da legislação de proteção da criança e do adolescente

A Constituição Federal de 1988, marco jurídico da transição democrática e da institucionalização dos direitos humanos no Brasil, ao estabelecer novos princípios e garantias de direitos individuais, conferiu tratamento especial e privilegiado às crianças e adolescentes, tendo abrigado a "Doutrina de Proteção Integral e da Prioridade Absoluta", segundo a qual a criança e o adolescente passaram a ser vistos como sujeitos de direitos que devem ser colocados a salvo de qualquer forma de opressão ou exploração que desrespeite sua condição peculiar de pessoa em desenvolvimento, constando da Constituição Federal de 1988, notadamente no caput do art. 227, que:

Art. 227. É dever da família, da sociedade e do Estado assegurar à criança e ao adolescente, com absoluta prioridade, o direito à vida, à saúde, à alimen-tação, à educação, ao lazer, à proissionalização, à cultura, à dignidade, ao respeito, à liberdade e à convivência familiar e comunitária, além de colocá-los a salvo de toda forma de negligência, discriminação, exploração, violência, crueldade e opressão.

Como assevera Moacyr Motta da Silva (1998), a doutrina da proteção integral airma o valor intrínseco da criança como ser humano; a necessidade de especial respeito à sua condição de pessoa em desenvolvimento; o valor prospectivo da infância e da juventude, como portadora da continuidade de seu povo e da espécie e o reconhecimento da sua vulnerabilidade, o que torna as crianças e adolescentes merecedores de proteção integral por parte da família, da sociedade e do Estado, o qual deverá atuar por meio de políticas específicas para promoção e defesa de seus direitos.

No campo infraconstitucional, competiu à Lei n. 8.069/90, Estatuto da Criança e do Adolescente, por menção expressa em seu art. 1º, disciplinar a proteção integral à criança e ao adolescente, declarando que são asse-

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gurados aos adolescentes, como pessoas em desenvolvimento, além de todos os direitos inerentes à pessoa humana, o direito à proteção integral, cujo fundamento se baseia na prioridade absoluta, atribuindo ao Estado o dever de assegurar esses direitos, a im de lhes facultar o desenvolvimento físico, mental, moral, espiritual, em condições de liberdade e dignidade.

Há que se destacar que a doutrina da proteção integral, fundamento do Estatuto da Criança e do Adolescente, substituiu a doutrina da situação irregular, rompendo com a concepção do Código de Menores, que se limitava a tratar daqueles que se enquadravam no modelo de situação irregular, passando a atribuir caráter universal e natureza jurídico-social ao tratamento destinado ao adolescente autor de ato infracional.

Em razão desse novo paradigma, as políticas de atendimento à criança e ao adolescente deixaram de focar a mera repressão e passaram a se dedicar ao processo socioeducativo. Assim, aos adolescentes em conlito com a lei passaram a ser aplicadas medidas socioeducativas que buscam a responsabilização do adolescente pelo seu ato, e, ao mesmo tempo, o resgate de sua cidadania.

O que se pretende com o atual sistema de medidas socioeducativas, como bem destacado por Josiane Veronese (2009, p. 29-46), é a superação das velhas concepções autoritárias de defesa social e de caráter retributivo, pois sabe-se que a melhor alternativa de superação à violência é a emancipação humana e somente a promoção de alternativas educativas e sociais são capazes de apresentar novos horizontes.

Com a publicação da Lei n. 12.594/12, foi instituído o SINASE - Sistema Nacional de Atendimento Socioeducativo e regulamentada a execução das medidas socioeducativas destinadas a adolescentes autores de ato infracional.

O SINASE consiste em política pública, articulada com as demais políticas imersas no Sistema de Garantias dos Direitos das Crianças e do Adolescente, com a inalidade de se dar atendimento dos adolescentes em conlito com a lei. Além da disciplina conferida pela Lei n. 12.594/12, o SINASE segue as diretrizes estabelecidas pela Constituição Federal, pelo Estatuto da Criança e do Adolescente, bem como pelos documentos inter-nacionais que embasam a promoção e proteção dos direitos da criança e do adolescente no âmbito do sistema de direitos humanos.

Assim, as medidas socioeducativas devem ser aplicadas em respeito ao princípio da dignidade da pessoa humana e observar o estado peculiar em que se encontram os adolescentes na condição de pessoas em desenvolvi-

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mento. A aplicação das medidas socioeducativas deve ter caráter pedagógico e promover o fortalecimento de vínculos familiares e comunitários.

B. Base principiológica

No tocante aos princípios constitucionais referentes à criança e ao adolescente, cabe destacar o princípio do interesse superior que consta da Convenção sobre os Direitos da Criança, ratiicada pelo Presidente da República e aprovada pelo Congresso Nacional, parte integrante do orde-namento jurídico brasileiro por força do art. 5º, §§ 2º e 3º, da Constituição Federal, por tratar-se de um tratado de direitos humanos.

Consoante Hélia Barbosa (2013), "esse interesse maior está associado ao valor da dignidade humana, ou seja, é a própria dignidade inviolável da criança e do adolescente e tem o sentido de norma fundamental, porque ultrapassa os liames do ordenamento jurídico, devendo ser respeitado por todos, pelo seu caráter erga omnes, isto é, direito oponível a todos. Daí que toda pessoa e autoridade pública ou privada tem o dever de respeitá-los e sobretudo, protegê-los com sentimento de justiça, assegurando-lhes os direitos fundamentais e coibindo todas as formas de ameaças, violações e violências a esses direitos".

Com base nesta deinição, surgiu a Doutrina da Proteção Integral, tanto no Estatuto da Criança e do Adolescente quanto na Constituição Brasileira, a prestigiar a prioridade absoluta da criança, do adolescente e do jovem, a exprimir valores de proteção, de defesa e garantia dos direitos de crianças, adolescentes e jovens, com o consectário lógico que recursos públicos se-jam efetivamente destinados para a produção do bem comum da infância, adolescência e juventude brasileira, a im de que efetivamente o orçamento prestigie e proteja os direitos assegurados por força de Lei.

A doutrina da proteção integral prevista na Constituição da República Federativa do Brasil de 1988 e na Lei n. 8.069/90 dispõe que crianças e adolescentes são sujeitos de direitos, sendo-lhes conferidas todas as ga-rantias fundamentais a essa condição, e os reconhece como pessoas em desenvolvimento, além de dispor que cabe à família, ao Estado e à socie-dade o dever de assegurar seus direitos...

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