Apontamentos sobre a Antecipação da Tutela no Processo do Trabalho

AutorSalvador Franco de Lima Laurino
CargoDesembargador do Tribunal Regional do Trabalho da 2ª Região. Mestre em Direito Processual pela Faculdade de Direito da Universidade de São Paulo
Páginas58-65

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A necessidade de proteger direitos contra a demora na prestação jurisdicional e, ao mesmo tempo, agir com cautela para evitar a invasão indevida na esfera jurídica do réu sempre se colocou como um desafio para a elaboração de um sistema processual capaz de aportar na conciliação entre duas exigências geralmente contrastantes: a celeridade e a ponderação.

Talvez seja o mais antigo e intrincado problema dos sistemas processuais em todos os tempos, visto que a necessidade de fazer depressa colide com a necessidade de fazer bem2. A sabedoria do legislador está em saber distribuir de maneira equilibrada entre os litigantes o custo imposto pelo tempo para não onerar um deles em benefício do adversário.

Como ensinou GALENO LACERDA, a milenar lição da história revela a coexistência de dois sistemas processuais perfeitamente diferenciados. “Um, a iniciar-se com mandado liminar de autoridade; outro, a pressupor o equilíbrio e a igualdade dos litigantes no contraditório. O processo não passa, no fundo, de um produto da cultura e da civilização do meio onde atua. Num ambiente de individualismo jurídico, o rito processual se torna lento, pesado, longo no tempo. Na medida, porém, em que preponderem valores sociais, a tendência se inverte, em favor do procedimento sumário. O ideal haverá de residir no ‘justo equilíbrio’ destas tensões.”3Na primeira metade do século XX, o surgimento do processo do trabalho resultou da necessidade de adaptação da legislação processual a um ramo do direito material que rompia com o individualismo e avançava em direção à socialização. Enquanto o processo civil se destinava à solução de conflitos em que os litigantes supostamente se encontravam em pé de igualdade, o processo do trabalho disciplinava uma relação marcada pela desigualdade de forças e voltada à proteção do sujeito mais fraco.

Inovações como o impulso oficial, o poder de instrução do juiz, o recurso contra sentença sem efeito suspensivo, a irrecorribilidade das decisões interlocutórias, o poder do juiz de iniciar a execução de ofício miravam o equilíbrio de forças entre os litigantes e que rompiam com a concepção individualista do processo civil clássico, em que o juiz agia como mero espectador de um duelo entre sujeitos considerados iguais, sem maiores poderes de impulso e instrução para que sua intervenção não viesse a desequilibrar a disputa judicial. Embora o processo do trabalho tenha sido pioneiro em criar regras que levassem os litigantes à paridade de armas, visando assegurar efetiva tutela jurisdicional, o movimento de superação do individualismo de cunho liberal que se verificou na segunda metade

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do século XX refletiu-se no processo civil, que corrigiu a rota e avançou orientado pelo ideal de efetividade simbolizado pelo postulado da “maior coincidência possível”.

Se no começo do século XX e ainda nos anos 1970, o processo do trabalho impulsionou a evolução do direito processual em direção à efetividade da proteção judicial, em nosso tempo, ele se enriquece com a unidade do direito processual e, em função da regra de aplicação subsidiária contida no art. 769 da CLT, beneficia-se da modernização do processo civil de forma a reforçar o seu histórico compromisso com a efetividade da tutela jurisdicional.

É sabido que a Constituição de 1988 operou uma revolução de juridicidade no sistema jurídico. Como o texto constitucional é essencialmente baseado em princípios, o sistema jurídico deixou de ser concebido como um sistema de regras para ser compreendido como um sistema de princípios. A partir do final dos anos 90, consolidou-se a abordagem por meio da qual a ordem jurídica passa a ser lida e apreendida sob a lente da Constituição4.

Em face dessa perspectiva, o “justo equilíbrio” entre as exigências contrastantes de celeridade e ponderação deve ser encontrado à luz dos princípios do acesso à justiça e do devido processo legal, que, proclamados nos incisos XXXV e LIV do art. 5º da Constituição, equacionam a tensão entre autoridade do Estado e liberdade dos indivíduos e grupos. São os pontos de partida que devem presidir a aplicação e a interpretação das normas de direito processual.

O acesso à justiça representa a autoridade. É o direito à jurisdição, a garantia de que as pretensões dirigidas ao sistema judiciário serão aceitas, processadas e julgadas de modo a atribuir adequada, efetiva e tempestiva tutela jurisdicional a quem tem razão. O direito de livre e amplo acesso à jurisdição é o pressuposto de eficácia de todos os demais direitos5. De pouco valeria o direito material se não houvesse juízes independentes e com força superior aos litigantes para impor o cumprimento da lei quando falta a obediência espontânea6.

O devido processo legal representa a liberdade. É o direito a um processo justo, qualificado pelas garantias de justiça conquistadas ao longo da história de lutas da humanidade contra o despotismo7. O processo é um procedimento em contraditório: um conjunto ordenado de atos que disciplina o exercício do poder do juiz e a participação das partes na formação do provimento8. Enquanto o procedimento é a garantia de legalidade, de que

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as atividades realizadas no processo, destinadas à aplicação da lei, serão também guiadas pela lei, o contraditório é a garantia de que os litigantes terão ciência dos atos praticados no processo para que possam reagir e participar da formação do convencimento do juiz, formulando alegações, produzindo provas, interpondo recursos para obter um provimento favorável9.

A força normativa dos princípios não invalida o papel da lei. A recente teoria constitucional exagerou a importância dos princípios e gerou uma perspectiva que desdenha tanto da relevância como da capacidade de o direito infraconstitucional solucionar os conflitos jurídicos. É comum...

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