Programas Públicos de Trabalho, Emprego e Renda: Apontamentos de Realidades, Análises, Sugestões e Críticas

AutorAlan da Silva Esteves
Ocupação do AutorJuiz do Trabalho/TRT 19. Mestre em Direito Público. Especialista em Direito Constitucional do Trabalho. Professor da Escola Judicial do TRT/19. Professor da Escola da Magistratura ? Ematra/19
Páginas97-138

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Foi analisado no capítulo precedente que o problema da automação é controverso, mas se reconheceu que no trânsito entre a perda e a recuperação do trabalho há muito sofrimento, especialmente no processo adaptativo. Daí a necessidade de o trabalhador ser protegido pela existência de inúmeras políticas públicas de trabalho, emprego e renda.

Tais programas são arquitetados para atender diversas populações de trabalhadores, entre elas aquelas atingidas pelas reestruturações administrativas e tecnológicas. É o propósito, então, desta parte da investigação: trazer dados qualitativos e quantitativos de diversas políticas sociais que existiram e existem para conformar realidades e saber se estas têm ligação com os potenciais efeitos jurídicos do inciso XXVII do art. 7º da Carta Magna.

4.1. Programas de autoemprego a experiências de financiamento de crédito para criação de negócios

Políticas de autoemprego são encontradas em vários estados brasileiros e, em geral, são formados por instrumentos de apoio aos trabalhadores atingidos pelas transformações no mundo do trabalho no sentido de oferecer-lhes oportunidades. Isso já marca características sobre qualquer política social sob o signo

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daquela especificidade: ela é direcionada para certas populações de trabalhadores e constituída para o exercício da cidadania.

Nesse sentido, existiu um Programa de Autoemprego (PAE), criado pelo Governo do Estado de São Paulo, que foi uma iniciativa exitosa, a qual, na época, atendeu mais de 10 mil pessoas; por meio dela, foram abertas mais de 260 microempresas ou cooperativas. Dados informam que mais de mil pessoas foram beneficiadas diretamente e um sem-número de trabalhadores passaram a atuar como autônomos após a participação.1

Com efeito, a riqueza dessa política está em descobrir capacidades produtivas e perfis empreendedores para se conseguir o autoemprego. Ora, se há trabalhadores excluídos; se há possibilidade de geração de ocupações produtivas e renda; se há recursos e vocações econômicas da comunidade; se há possibilidade de capacitação profissional; se há possibilidade de acesso a créditos, por que não trabalhar a inserção social de trabalhadores a partir de todos esses mecanismos?

A grande contribuição desse tipo de política é, além de combater o desemprego, cumprir a Constituição Federal no que diz respeito ao objetivo da República previsto no art. 3º, III: “[...] erradicar a pobreza e a marginalização e reduzir as desigualdades sociais e regionais”.2

A metodologia utilizada para tal política foi a da capacitação massiva criada pelo sociólogo Clodomir Santos de Morais e reconhecida por várias organizações como a Organização Internacional do Trabalho. Ela trabalha com as seguintes perspectivas: (1) reconhecer que os indivíduos de quaisquer comunidades têm capacidades; (2) reconhecer que existem recursos materiais não utilizados que podem ser desenvolvidos; (3) reconhecer que haja participação dos indivíduos no processo organizacional, de forma democrática, no sentido de desempenho de função empresarial como planificar, dirigir e usufruir de todos os resultados.3

A grande novidade desse tipo de política é a mobilização de comunidades. Para isso é seguida a seguinte cartilha de quatro fases. Na primeira, escolhe-se um local, um espaço físico, chamado de LOT (Laboratório Organizacional de Terreno); os técnicos fazem o mapeamento da área em termos de oportunidades de geração de negócios que levam em conta, sobretudo, as particularidades locais; a população é convidada pelos meios de comunicação; ocorrem reuniões em fins de semana para facilitar a participação; os técnicos explicam o programa e deixam equipamentos de capacitação profissional; os técnicos solicitam às pessoas que indiquem locais de capacitação e nomes de pessoas que podem atuar como professores; em seguida, os técnicos desaparecem propositadamente. Logo a confusão irrompe-se e

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a impressão é a perda de controle da multidão. Porém, logo aparecem participantes tentando organizar os grupos em torno dos equipamentos aludidos.4

Daí a primeira lição a apreender dessa primeira fase: a comunidade pode organizar-se e conciliar interesses para atingir os fins comuns que se pretende sem necessariamente ser conduzida ou manipulada.

A segunda fase acontece com a volta dos técnicos duas ou três horas depois, quando acontecem discussões sobre essa forma de organização, e são formados os grupos para capacitação, definidos os horários, os conteúdos dos módulos e os locais.5 O aprendizado é o exercício da democracia conduzindo os interesses.

A terceira fase é a da capacitação profissional e tem as seguintes características: (a) não pode ser longa; (b) visa ao potencial econômico da região; (c) visa profissionalizar para o trabalho de forma autônoma; (d) volta-se para o interesse da comunidade.6 O ensino dessa etapa é a incidência de cursos que atendam as necessidades daquela região.

A quarta e última fase é a do Programa propriamente dito e diz respeito a formar o aluno-empresa, ou seja, que ele gere o próprio emprego ou opere em forma de empresa. Isso acontece a partir do momento em que ele toma consciência de organização; cria a empresa virtual, mas operante; aprende a capacitação empresarial com noções básicas de cooperativismo, trabalho autônomo e de formação de empresas; é orientado por órgãos como Sebrae (Serviço de Apoio à Micro e Pequena Empresa) e de crédito popular, como o Banco do Povo, ONG e outras linhas de financiamento. Ao final do curso, os grupos formados são geradores de empresas ou cooperativas, ou atuam na formação de novas sociedades.7

A lógica de tal política é a de que, se existem interesses comuns, pode haver coesão. Esse tipo de pensamento vai ao encontro de cumprir o fundamento da República Federativa do Brasil no sentido da cidadania.8

A crítica que se faz a tal espécie de política é a de que não resiste à competição e ao individualismo, porque nem todas as pessoas estão preparadas para tomar decisões coletivas, de modo que o número de participantes é grande, mas de empreendimentos, pequeno. Assim, se não houver uma ação conjunta, toda política ligada a uma geração de trabalho, emprego e renda pode entrar em crise. Tanto isso é verdade que dados do Serviço Brasileiro de Apoio à Micro e Pequena Empresa (Sebrae) indicam que cerca de 80% desses empreendimentos deixam de operar nos dois primeiros anos de atividade.9

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Claro que as ações complementares devem existir e são no sentido de apoios técnicos e logísticos aos empreendimentos, como implantação de Fundo de Crédito Produtivo Popular, diminuição da carga tributária, reforma de legislação trabalhista e orientação aos pequenos empresários, entre outras medidas.

Em todo caso, o Programa de Autoemprego adotado no Estado de São Paulo, mais precisamente na capital, São Paulo, na época como alternativa viável de geração de emprego e renda, teve números expressivos com custo baixo.10

Por outro lado, no Município de Maceió já existiu programa com grandes semelhanças, chamado Projeto Cidadão. Ele foi desenvolvido pelo Centro Brasileiro de Estudos Latino-Americanos (Cebela), e fundamenta-se no seguinte pilar: profissionalizar para gerar renda e emprego.11 O grande pilar desse programa é a ideia de que a renda traz o trabalho, e não o trabalho traz a renda nessa ordem. A natureza dele, político-social, tem como escopo criar atividades econômicas, apoiar geração de renda e assistir à ampliação de ofertas de trabalho. O foco dele, como do PAE (Programa de Autoemprego) anteriormente referido, foi de trabalhar “[...] com a comunidade, alternativas de trabalho autogerido ou associado, através de cooperativas ou microempresas”.12

A lógica do desenho dessa política pauta-se na noção de que se há geração de atividades econômicas necessariamente haverá mão de obra, mas, para que isso ocorra, passa pelo desenvolvimento de recursos humanos. Seus dois pilares são: estimular a geração de atividades econômicas e desenvolver o associativismo e socialização do trabalhador.13

Mas, para que isso se torne realidade, de fato, a qualificação é indispensável tanto para inserir o trabalhador na competição do mercado, como na preparação de técnicos ou instrutores. Ele, o programa em foco, também estuda as demandas e tem ligação com o Plano de Qualificação do Governo Federal.

O seu núcleo básico é dar assistência, considerada a palavra em termos amplos, mas antes se faz necessária a educação para o trabalho. As populações de trabalhadores são indefinidas, ou seja, preferentemente aqueles que participem de formação, qualificação no Programa ou Subprogramas abrangidos, os quais podem seguir para o mercado formal, podem-se inserir-se como autônomos, podem associar-se como microempresários em alguma associação de produtores, ou ser membro de cooperativa.

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É importante apontar, como crítica, que essa política se apresenta de modo vago e é parternalista, pois visa conduzir os rumos dos grupos sociais. É uma carta de intenções boas, tendo em vista a criação de Centro de Desenvolvimento de Recursos Humanos, o apoio do Banco Cidadão, a abertura para ouvir as comunidades...

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