A aplicação do Nexo Técnico Epidemiológico Previdenciário e do Fator Acidentário de Prevenção à responsabilidade civil por acidente de trabalho

AutorCristine Helena Cunha
CargoBacharel em Direito pela Universidade Federal de Santa Catarina
Páginas139-156

Page 140

1. Introdução

O levantamento de dados — realizado pela Previdência Social — no que concerne à ocorrência de acidentes do trabalho e doenças laborais revelou que o Brasil possui um elevado índice de incidência desses infortúnios, superando consideravelmente a média mundial; o estudo ainda apontou que determinadas atividades econômicas são mais propícias a desencadear em seus empregados estes males.

Um exemplo desta realidade é a atividade frigorí?ca. Conforme mostra o documentário Carne Osso1, esta atividade emprega cerca de 750 mil pessoas, incluindo as atividades de abate de bovinos e aves, sendo que a primeira atividade apresenta seis vezes mais risco de doenças por queimaduras — o que corresponde a um percentual de 596% de excesso de risco —, enquanto a segunda atividade representa um excesso de 743% de risco para ocorrência de plexos nervosos, lesões no punho. O excesso de risco é medido comparando a ocorrência destas moléstias em toda a classe trabalhadora com a incidência entre os empregados da atividade econômica.

Com base em dados estatísticos como esse, coletados pela Previdência Social, foi instituído no ordenamento jurídico brasileiro o Nexo Técnico Epidemiológico Previdenciário (NTEP), que relaciona a incidência de doenças laborais com a atividade econômica. Este instituto foi criado com o intuito de facilitar a caracterização do nexo causal entre a moléstia e o labor, ?cando presumido nos casos em que se veri?ca sua incidência.

A abordagem coletivizada trazida por este levantamento de dados tornou possível caracterizar a natureza ocupacional de doenças que antes não eram consideradas decorrentes do trabalho, em virtude da extrema di?culdade de comprovação do nexo causal.

Esta abordagem coletiva foi tratada no âmbito da atividade econômica e trouxe re?exos no sistema de contribuições previdenciárias. A ?m de estimular a prevenção de acidentes dentro de cada ramo e individualizar a contribuição, considerando os riscos gerados pelo empregador para a ocorrência de acidentes laborais, e não apenas por atividade econô-mica, foi positivado o Fator Acidentário de Prevenção (FAP).

Estes dois institutos trouxeram diversos efeitos na esfera administrativa previdenciária. Além de sua utilização pela autarquia previdenciária, tem-se começado a observar sua aplicação na seara judicial, no que tange à

Page 141

responsabilização do empregador por acidente laboral.

Neste trabalho, não se tem a pretensão de exaurir a matéria, mas sim trazer o debate acerca da importância da análise coletiva do ambiente de trabalho, por meio do NTEP e do FAP, tecendo algumas considerações a respeito dos institutos previdenciários e de possíveis re?exos nas ações de indenização por danos decorrentes das doenças relacionadas ao trabalho.

2. Nexo Técnico Epidemiológico Previdenciário

Até o ano de 2007, para que restasse con?gurado o liame causal, era necessária a emissão de Comunicação de Acidente de Trabalho (CAT) pelo empregador, caso contrário o obreiro deveria fazer prova, perante a autarquia previdenciária, que o infortúnio sofrido possuía relação causal com as atividades laborais.

O elevado número de doenças do trabalho não comunicadas ao INSS, as chamadas subnoti?cações2, juntamente com as di?culdades enfrentadas pelos trabalhadores para comprovar o nexo causal, fez com que o INSS buscasse uma nova sistemática de concessão de benefícios acidentários, com base no cruzamento de dados epidemiológicos com as atividades econômicas dos empregadores.

Esta alternativa encontrada pelo INSS foi positivada por meio da Medida Provisória n. 316/06, posteriormente convertida na Lei n.
11.430/06, que acrescentou o art. 21-A à Lei
n. 8.213/91, o qual prevê a possibilidade de ser caracterizada a natureza acidentária da incapacidade, pela perícia médica do INSS, quando constatada a ocorrência de NTEP entre o trabalho e a entidade mórbida motivadora da incapacidade elencada na CID.

O estabelecimento do NTEP considerou mapeamentos estatísticos profundos, de base empírica, de modo que tais estudos tornaram possíveis a demonstração e indicação das moléstias que possuem signi?cativa incidência em determinados ramos de atividade econômica, mas que, por vezes, na análise individualizada dos casos, era difícil comprovar seu caráter laboral.

A partir do início da análise do número de incidência de determinadas enfermidades em cada atividade econômica, tornou-se possível veri?car, pelo alto índice de ocorrência de certas moléstias nos diferentes ramos de atividade, o nexo causal entre a doença e a atividade econômica, que só foi possível a partir do momento em que a análise se tornou coletivizada. Por meio desta inovação, várias doenças de origem laboral, antes consideradas enfermidades comuns, passaram a ser consideradas doenças ocupacionais.

O NTEP é, portanto, um conceito previdenciário, que decorre da relação entre a atividade econômica do empregador e a entidade mórbida que ensejou a incapacidade prevista na CID, a ser caracterizada por meio de perícia médica realizada pelo INSS, com incidência estatística relacionada com a Classi?cação.

Com o advento deste instituto, o gênero “doença ocupacional” passou a incluir a espécie “doença com NTEP”, com presunção relativa de nexo causal em prol da vítima.

Isto porque, por meio da Instrução Norma-tiva n. 31, de 10 de setembro de 2008, o INSS uni?cou o reconhecimento do NTEP, ?xando as categorias3: nexo pro?ssional ou do trabalho,

Page 142

fundamentado nas associações entre as patologias constantes das listas A e B do Anexo II do Decreto n. 3.048/99; nexo técnico individual ou nexo técnico por doença equiparada a acidente de trabalho, decorrente de acidentes típicos ou de trajeto ou, ainda, de condições especiais em que o trabalho é realizado (art. 20, § 2º, Lei n. 8.213/91); e NTEP, aplicável quando houver associação estatística epidemiológica entre a CID e a CNAE, conforme lista B do Anexo II do Decreto n. 3.048/99.

Assim, o art. 21-A da Lei n. 8.213/91, ao trazer o NTEP, consagrou a inversão do ônus probante em prol do empregado, transferindo ao INSS a incumbência de estabelecer o nexo causal e ao empregador o ônus de desconstituir o caráter laboral do agravo4, a uma porque é este quem detém maior aptidão de produzir as provas necessárias, a duas, pela hipossu?ciência do empregado, que lhe di?culta a produção de provas.

É importante notar que depois de ser instituído o NTEP, houve uma alteração radical no per?l de concessão de auxíliosdoença acidentária, com o incremento de 148%5. Ressalta-se que este crescimento no registro de doenças ocupacionais não se deu pelo aumento do número de casos, mas pela classi?cação como ocupacionais de moléstias que equivocadamente eram enquadradas pela autarquia previdenciária como “comuns”6.

Desta feita, com a introdução do NTEP no ordenamento jurídico pátrio, observou-se uma expressiva alteração dos dados estatísticos relacionados às doenças laborais: em 20067. foram registradas 30.170 doenças ocupacionais com emissão de CAT, não havendo qualquer dado estatístico a respeito das subnoti?cações. Em contrapartida, em 20078, depois do advento do NTEP, foram noti?cados ao INSS
22.374 trabalhadores adoecidos em virtude da atividade laborativa, além dos 141.1089 obreiros que não tiveram CAT emitida, mas que foram acometidos de doenças ocupacionais.

3. Riscos ambientais do trabalho e Fator Acidentário de Prevenção

A análise periódica dos dados estatísticos referentes a acidentes de trabalho tornou possível mapear as atividades econômicas quanto à sua potencialidade de acarretar dano à saúde de seus empregados. Com base nisto, houve a promulgação de nova legislação previdenciária
Lei n. 11.430/06 — responsável por instituir o sistema de cobrança dos Riscos Ambientais do Trabalho (RAT) e o mecanismo do Fator Acidentário de Prevenção (FAP), juntamente com o NTEP.

3.1. RAT e a gradação tributária dos riscos por meio da CNAE

A gradação da contribuição do empregador de acordo com o risco da atividade exercida foi implementada na Lei n. 8.212/91, que prevê os percentuais de 1%, 2% ou 3% incidentes sobre o valor total da remuneração paga ou creditada, a qualquer título, no decorrer do mês, aos segurados empregados e trabalhadores avulsos, de acordo com o grau de risco da atividade preponderante da empresa.

Page 143

O enquadramento da empresa nos diferentes graus de risco10 — e, consequentemente, nas distintas alíquotas — se dá a cargo da própria empresa e deve ser feito mensalmente, de acordo com sua atividade econômica preponderante, seguindo o estabelecido na Relação de Atividades Preponderantes e Correspondentes Graus de Risco, elaborada com base na CNAE e prevista no Anexo V do RPS.

O enquadramento da empresa por ativi-dade preponderante e a progressividade de alíquotas decorrente deste enquadramento, contudo, não se mostraram e?cientes em estimular os empregadores a investirem em um meio ambiente de trabalho mais seguro11, com a prevenção de acidentes. Isto porque, ao se instituir uma alíquota coletiva, a cobrança do seguro se revelou de caráter...

Para continuar a ler

PEÇA SUA AVALIAÇÃO

VLEX uses login cookies to provide you with a better browsing experience. If you click on 'Accept' or continue browsing this site we consider that you accept our cookie policy. ACCEPT