Aplicabilidade da Lei Brasileira de Arbitragem - Lei 9.307/96

AutorAna Paula Santos Diniz
CargoProfessora na Faculdade de Pará de Minas (FAPAM) e do Instituto de Ensino Praetorium
Páginas36-45

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Desenvolver uma ideia sobre questões jurídicas não é tarefa das mais singelas, principalmente porque o direito é uma ciência humana que busca estudar as relações sociais, bem como os conflitos delas oriundos, que muitas vezes se apresentam complexos e sempre inexatos. Nesse sentido, foi desenvolvida, inicialmente e de forma breve, uma pesquisa acerca da aplicabilidade da Lei de Arbitragem no Brasil, trabalho apresentado, por esta autora em curso de pós-gradu-ação em direito empresarial. No decorrer da pesquisa, ficou constatado que o modelo arbitral é mais grandioso do que, realmente, se apresenta, conclusão que despertou a vontade e a necessidade de prosseguir com a pesquisa, desaguando na elaboração deste artigo, que terá por principal objetivo desenvolver a ideia outrora germinada.

Nesta ótica, verificou-se que os benefícios da arbitragem são muitos e capazes de atender a todas as esferas da sociedade, sendo que os princípios norteadores da lei arbitral não podem se resumir ao amparo dos meios comerciais e empresariais. Assim, pretende-se ratificar os resultados obtidos, como também trazer a lume novos elementos acerca da aplicabilidade da lei arbitral em terras brasilei-

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ras, como também difundir a cultura de paz, utilizando-se os mecanismos extrajudiciais de solução de conflitos que propiciam a harmonia entre as relações interpessoais.

Para tanto, será apresentado o desenvolvimento do procedimento arbitral na história do Brasil, fazendo-se referências à história da civilização, garantindo reflexão nos meios jurídicos, em virtude de seus efeitos na reestruturação do Poder Judiciário, prevendo o princípio da eficiência nos sistemas da prestação jurisdicional.

É fato que a prestação de serviços por parte do Estado não tem conseguido cumprir com o princípio da eficiência, situação que atinge todas as suas atividades, quais sejam legislativa, administrativa e jurisdicional. Especialmente na realização desta última atividade, da qual se encarrega o Estado, nota-se com nitidez certa deficiência, tamanha a morosidade com que é obtida na prática uma decisão transitada em julgado.

Como se sabe, o sistema judiciário, considerado o responsável pela entrega jurisdicional, não foi criado como se apresenta nos dias atuais, o que significa que sofreu e vem sofrendo alterações estruturais a fim de alcançar a sua finalidade maior, a justiça. Amorosidade da prestação jurisdicional, principalmente das ações concernentes a conflitos patrimoniais, resulta em prejuízos para a sociedade, posto que gera gastos improdutivos, causando perdas econômicas relevantes. Ademais, não sendo atendida com presteza em suas necessidades, a população desacredita na justiça, e passa a viver em um ambiente de insegurança jurídica nocivo à vida social.

Consciente da crise jurisdicional que vem se agravando, o Estado ao tentar resolver tal incidente emprega medidas tradicionais aumenta o número de câmaras nos tribunais e de secretarias judiciais; redistribui competências por matéria; aumenta as previsões orçamentárias para o Poder Judiciário; modifica dispositivos processuais e informatiza o serviço judicial.

Contudo, tais medidas não se mostram suficientes para solucionar o problema, fazendo com que outras fórmulas alternativas sejam buscadas. Uma dessas fórmulas é a revi-talização dos sistemas extrajudiciais de solução dos conflitos, o que se faz, entre outros métodos, por meio do procedimento arbitral.

A trajetória social, política e jurídica do homem passou por vários estágios no que diz respeito à solução dos conflitos de interesses. Embora haja previsão na história da legislação brasileira do procedimento arbitral, este recebia tratamento se-cundarizado, ficando relegado à posição de instituto processual. Ante a esta perspectiva, a inércia não pode restar configurada, pois aceitar as deficiências representa conformar com os problemas que podem resultar a eterna e traumática inanição do país.

Diante disto, surge a necessidade de entender o motivo pelo qual a arbitragem é pouco utilizada no Brasil, apesar de apresentar evidentes vantagens para a sociedade e, principalmente, para as partes envolvidas no litígio.

2. Homens,justiçaeleis sob a ótica do pensamento jusfilosófico

O estudo doutrinário da lei pode ser feito à luz da sociologia jurídica, obtendo-se, por esta via, o direito como fato social. Assim, preleciona F.A. de Miranda Rosa ao citar o jurista Al Ross: "O estudo doutrinário da lei jamais pode ser separado da Sociologia do Direito. Embora o estudo doutrinário esteja interessado na ideologia, esta é sempre uma abstração da realidade social" (Ross, 1993, p. 39.).

A importância de articular o direito à sociologia está diretamente relacionada à finalidade da arbitragem: a solução da lide. Segundo Alexandre Freitas Câmara, a lide "não é um fenômeno jurídico, mas sociológico, consistente num conflito de interesse degenerado pela pretensão manifestada por uma das partes e pela resistência oposta pela parte contrária a essa pretensão" (Câmara, 2002, p. 10).

Muitas são as divergências a respeito da melhor forma de solucionar os conflitos.

Na filosofia jurídica, verificam-se argumentos consistentes e aplicáveis ao atual contexto social.

Partindo da necessidade de encontrar razões que justificam a arbitragem como melhor solução de conflitos particulares, foi desenvolvido um estudo sobre o pensamento do autor que analisou o homem sob um ângulo estratégico e inovador. A partir da exposição do pensamento jusfilosófico, perceber-se-á que a prática da justiça no passado e no presente tem como principal objeti-vo assegurar a liberdade do indivíduo em uma sociedade complexa, onde há predominância de interesses de classe.

Questionamentos aparecerão no decorrer da leitura com relação ao interesse prático imediato dessa abordagem filosófica. Portanto, há de se adiantar que serão rejeitados, uma vez que a finalidade principal deste trabalho é contribuir com informações sobre a Lei de Arbitragem em um Estado Democrático de Direito que está sendo repensado.

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Há uma complexidade da estrutura política e burocrática no Brasil que colabora para a ineficiência do serviço público, sendo que breve passagem pelo pensamento filosófico a partir da Idade Média contribuirá com bases teóricas importantes para o entendimento dos obstáculos epistemológicos e da mudança de paradigma na teoria do direito contemporâneo.

Não obstante seja um estudo superficial, é imprescindível para se ter uma visão crítica sobre a crise estatal dos dias atuais, cujas causas podem ser atribuídas à mudança de perfil do Estado após a primeira e a segunda guerras mundiais, momento em que as mazelas da sociedade ficaram expostas ao positivismo jurídico e este conferiu ao governo autoritário uma legalidade totalmente desvinculada de legitimidade.

Então, inaugura-se este capítulo histórico com referências àquele que é considerado um dos maiores pensadores da antiguidade clássica, Platão, que, por volta dos séculos V a IV a.C., definiu que o que caracteriza um bom governo é a sua legitimidade e não a presença de leis. Nas palavras do pensador grego, "é claro que, de certo modo, a legislação é função real; entretanto o mais importante não é dar força às leis, mas ao homem real, dotado de prudência" (Platão, 1991, p. 242).

Nesse sentido, essencial é a menção à filosofia, que, associada ao direito, propicia verdadeira mudança de paradigma ao pensamento moderno.

2.1. Os homens, as coletividades sociais e as leis no pensamento de Platão

Platão viveu em Atenas, no período áureo da democracia grega. Como cidadão de Atenas, uma cidade-Esta-do, foi influenciado por um ambiente de desigualdades sociais, pobreza relativa, população rural, exclusão das mulheres, dos escravos e dos es-trangeiros de participarem das assembleias públicas:

"(...) a cidadania, como expressão política, remonta à participação de algumas pessoas do povo (somente os homens livres, fora as mulheres, crianças e os escravos) nas assembleias realizadas em praças públicas das cidades-Estado gregas (polis), como em Atenas no apogeu da época clássica (fins do quinto século antes de Cristo), em que viveram Sócra-tes, Platão e Aristóteles" (Platão, 1991, p.8).

Suas críticas à democracia ateniense estavam fundamentadas no conhecimento que ele tinha da estrutura política da polis, obtida por meio da observação participante: Platão era um filósofo militante, plenamente envolvido com as questões políticas de sua época. Segundo ele, na democracia ateniense predominavam características oligárquicas, porquanto os direitos de igualdade perante a lei e o direito de falar nos debates da assembleia pertenciam apenas a uma pequena parcela da população, os "cidadãos". Nessa perspectiva:

"Segundo o princípio da isegoria qualquer cidadão tinha o direito de responder a esse apelo. Mas, de fato, apenas poucos o faziam. Os que possuíam dons de oratória associados ao conhecimento dos negócios públicos, os hábeis no raciocinar e no usar a voz e o gesto, estes é que obtinham ascendência sobre o auditório, impunham seus pontos de vista através da persuasão retórica e lideravam as decisões. A eloquência tornou-se uma verdadeira potência em Atenas" (Platão, 1991, p.8).

Platão não era exatamente um democrata. Para ele, a democracia constituía a exata oportunidade dos ignorantes governarem mal. Facilidade para os demagogos, pois o vulgo não tem capacidade para ponderar sobre o que é bom ou ruim para a comunidade política. Além desse princípio, Platão demonstrava a validade de sua crítica referindo-se à baixa participação nas assembleias pública, realizadas na ágora. Mesmo na Atenas da democracia direta, a apatia...

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