Análise da Lei nº 9.962, de 22 de fevereiro de 2000: a contratação de servidores públicos pela CLT

AutorProf. Gilberto Guerzoni Filho
CargoConsultor Legislativo do Senado Federal.
Páginas1-35

Page 1

1. A Lei Nº 9 962, de 22 de fevereiro de 2000

Foi promulgada a Lei nº 9.962, de 22 de fevereiro de 2000, que "disciplina o regime de emprego público do pessoal da Administração Federal direta, autárquica e fundacional".

O citado diploma legal determina que o pessoal admitido para emprego público na administração federal direta, autárquica e fundacional terá sua relação de trabalho regida pela Consolidação das Leis do Trabalho, aprovada pelo Decreto-Lei nº 5.452, de 1º de maio de 1943, e legislação trabalhista correlata, naquilo que a lei não dispuser em contrário e que leis específicas disporão sobre a criação dos empregos no âmbito da administração direta, autárquica e fundacional do Poder Executivo, bem como sobre a transformação dos atuais cargos em empregos.

Veda a lei que sejam submetidos ao regime por ela regulamentada os cargos públicos de provimento em comissão e os servidores atualmente regidos pela Lei nº 8.112, de 11 de dezembro de 1990, que estabelece o vigente regime jurídico dos servidores públicos federais da Administração direta, autárquica e fundacional.Page 2

Prevê, ainda, ela que a contratação de pessoal para emprego público deverá ser precedida de concurso público de provas ou de provas e títulos e que a dispensa de empregado público somente será admitida, mediante processo administrativo, nas hipóteses de prática de falta grave, dentre as elencadas no art. 482 da CLT, de acumulação ilegal de cargos, empregos ou funções públicas, de necessidade de redução de quadro de pessoal, por excesso de despesa e de desempenho insatisfatório, não se aplicando, entretanto, essas normas para dispensa do empregado às contratações de pessoal decorrentes da autonomia de gestão de que trata o § 8º do art. 37 da Constituição Federal.

Finalmente, estabelece a norma que é vedada a adoção de medida provisória para a criação de empregos públicos ou para a transformação de atuais cargos em empregos públicos.

Vale observar que o Excelentíssimo Senhor Presidente da República sancionou a proposição que deu origem à Lei nº 9.962, de 2000, com o veto de dois de seus dispositivos, a alínea "a" do inciso I do § 2º , que vedava fossem submetidos ao regime de emprego público os servidores que, em decorrência das atribuições de seu cargo efetivo, desenvolvam atividades exclusivas de Estado, nos termos das leis mencionadas no art. 247 da Constituição Federal, e o § 4º do art. 1º que determinava que, a critério da administração, os atuais contratados por tempo determinado para atender a necessidade temporária de excepcional interesse público cujo tempo de exercício supere o inicialmente previsto poderão ser transformados em empregados públicos permanentes, desde que a contratação tenha ocorrido mediante processo seletivo externo realizado por meio de provas ou de provas e títulos.

Na mensagem nº 247, de 22 de fevereiro de 2000, o Chefe do Poder Executivo, citando a manifestação do Ministério do Planejamento, Orçamento e Gestão, assim justificou o veto:

"Impõe-se o veto aos dispositivos supracitados por inconstitucionalidade e contrariedade ao interesse público.

A alínea ‘a’ do inciso I do § 2º do art. 1º deve ser vetada por contrariar o interesse público, uma vez que veda o regime de emprego público aos servidores que desenvolvam atividades exclusivas de Estado, nos termos definidos pelas leis que venham a regulamentar o art. 247 da Constituição Federal. Tais atividades, no momento, estão em processo de regulamentação por intermédio do Projeto de Lei Complementar nº 43, de 1999. Esta matéria, que tramita no Senado Federal, inclui um grande número de cargos, carreiras e atividades, o que na prática tiraria da Administração Pública a necessária flexibilização para o seu bom funcionamento, uma das principais justificativas para a criação do regime de emprego público, objeto do Projeto de Lei nº 57, de 1999.

Embora o PL nº 57, de 1999, trate da criação de um novo regime de emprego, a referida alínea poderá vir a criar dificuldades de natureza jurídica para a implementação deste novo regime, o que visivelmente contraria o interesse público. Page 3

O disposto no § 4º do art. 1º deve ser vetado por inconstitucionalidade, uma vez que fere o inciso II, do art. 37, da Carta Magna, que condiciona a investidura em cargo ou emprego público à "aprovação prévia em concurso público de provas ou de provas e títulos, de acordo com a natureza e a complexidade do cargo ou emprego, na forma prevista em lei...". Não há equivalência possível entre as expressões "concurso público" e "processo seletivo simplificado", sem ferir os princípios da legalidade, impessoalidade, moralidade e publicidade, insertos no caput do mencionado art. 37, da Constituição.

Não há como aproveitar, por intermédio de transformação, os empregos temporários originados de contratos regidos pela Lei nº 8.745, de 9 de dezembro de 1993, ou os decorrentes dos revogados arts. 232 a 235 da Lei nº 8.112, de 11 de dezembro de 1990, que se referem à contratação temporária de excepcional interesse público, como empregos permanentes, sem violar a Constituição Federal."

De acordo com a Exposição de Motivos dos Senhores Ministros de Estado Chefe da Casa Civil da Presidência da República e da Administração Federal e Reforma do Estado, que acompanhou a proposição que deu origem à Lei em debate, face à supressão feita pela Emenda Constitucional nº 19, de 1998, do dispositivo que prescrevia a instituição de regime jurídico único para os servidores da Administração direta, autárquica e fundacional de cada ente federado,

"(...) o presente projeto de lei tem por escopo adotar o modelo ‘celetista’ para a grande maioria dos empregos efetivos no serviço público. O regime comum passa a ser o da legislação trabalhista.

Essa fórmula confere maior flexibilidade à relação de emprego no âmbito do Estado, a par de transferir ao regime previdenciário comum os servidores regidos pela legislação trabalhista. Tais vantagens representam considerável economia para as finanças públicas, em momento crucial de ajuste de contas, dado o déficit elevado da previdência do setor público, incapaz de se auto- sustentar, por falta estrutural de concepção."

Efetivamente, a principal diferença entre os dois regimes está em seus pressupostos. O regime estatutário é um regime unilateral, no qual o servidor adere a determinadas condições impostas por lei e que podem ser alteradas somente pela Administração. As pendências são decididas pela Justiça Federal. Já o regime celetista é contratual e, como contrato, não pode ser alterado unilateralmente. As respectivas pendências são decididas pela Justiça do Trabalho.

2. A contratação de servidores pela clt no regime constitucional anterior

Na verdade, a contratação de servidores públicos na Administração direta, autárquica e fundacional não é novidade.Page 4

A partir dos Governos Militares, surgidos como conseqüência do Movimento de 1964, iniciou-se uma tentativa de modernização da Administração Pública brasileira, que tinha como objetivo tornar a máquina administrava mais ágil, mais próxima dos critérios existentes para a iniciativa privada, o que possibilitaria aumentar a sua eficiência e eficácia. Acreditava-se, na época, que um dos fatores que dificultavam o desempenho do serviço público prendia-se à pouca flexibilidade permitida pelo então vigente Estatuto dos Funcionários Públicos da União, aprovado pela Lei nº 1.711, de 28 de outubro de 1952.

Assim, a partir de 1967, facultou-se à Administração Federal admitir servidores pela Consolidação das Leis do Trabalho, ao lado daqueles estatutários. Essa duplicidade de regimes teve origem na Constituição de 24 de janeiro de 1967, que previa, em seu art. 104, verbis:

"Art. 104. Aplica-se a legislação trabalhista aos servidores admitidos temporariamente para obras, ou contratados para funções de natureza técnica ou especializada."

Nesse sentido, já dispunha o Decreto-Lei nº 200, de 25 de fevereiro de 1967, que, no campo da Administração Pública, sistematizou as diretrizes de Governo sobre a matéria, em seus arts. 96 e 97:

"Art. 96. Nos termos da legislação trabalhista, poderão ser contratados especialistas para atender às exigências de trabalho técnico, em institutos, órgãos de pesquisa e outras entidades especializadas da Administração Direta ou autarquia, segundo critérios que, para esse fim, serão estabelecidos em regulamento.

Art. 97. Os Ministros de Estado, mediante prévia e específica autorização do Presidente da República, poderão contratar os serviços de consultores técnicos e especialistas por determinado período, nos termos da legislação trabalhista."

Posteriormente, o que era exceção tornou-se regra e o que era regra, exceção. O art. 106 da Emenda Constitucional nº 1, de 17 de outubro de 1969, em seu art. 106, dispôs:

"Art. 106. O regime jurídico dos servidores admitidos em serviços de caráter temporário ou contratados para funções de natureza técnica especializada será estabelecido em lei especial."

Regulamentando a matéria e, de fato, estendendo ainda mais o dispositivo constitucional, estabeleceu a Lei nº 6.185, de 11 de dezembro de 1974:

"Art. 1º Os servidores públicos civis da Administração Federal...

Para continuar a ler

PEÇA SUA AVALIAÇÃO

VLEX uses login cookies to provide you with a better browsing experience. If you click on 'Accept' or continue browsing this site we consider that you accept our cookie policy. ACCEPT