O direito ao trabalho analisado sob a perspectiva humanística: efeito corolário a uma (super)proteção na dispensa coletiva

AutorVitor Salino de Moura Eça - Cláudio Jannotti da Rocha
Páginas15-36

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1. Da relação homem, trabalho e sociedade e do direito ao trabalho como direitos humanos

Metaforicamente, pode-se afirmar que o trabalho e o homem são como o Sol e a Lua, tendo em vista que quando um sai o outro entra. Quando o homem não está realizando práticas de cunho pessoal (por exemplo: comer, namorar, assistir a um filme, pescar, alimentar-se, malhar, escrever, escutar música), está trabalhando. Tanto é assim que canta ARNALDO ANTUNES: "Acabou a hora do trabalho, começou o tempo do lazer. Você vai ganhar o seu salário, para fazer o que quiser fazer." A magnitude do trabalho na vida do ser humano é tamanha que uma grande parcela dos trabalhadores brasileiros permanece mais tempo em seu labor do que em sua própria residência.

O trabalho é uma das práticas mais antigas do homem, acompanhando-o desde os primórdios, no dito comunismo primitivo, passando pelo escravismo, feudalismo, permanecendo até a presente data no vigente sistema capitalista de produção.

A relação entre o homem e o trabalho vem desde a época pré-histórica, no dito comunismo primitivo, mais conhecido como a Idade da Pedra, período que começou há aproximadamente 2 milhões antes de Cristo e durou até 3 mil antes de Cristo. Os homens eram nômades, viviam da caça, desenvolveram as técnicas em lidar com cerâmicas, anzóis, e arco e flecha.

Já no final do comunismo primitivo, os homens passaram a desenvolver a escrita e a fala. Com o decorrer do tempo, surge a figura do Estado, e com isso se inicia o sistema de escravidão, pautado pela relação entre os escravos e os senhores.

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Os escravos eram destituídos de qualquer tratamento jurídico, não tinham qualquer direito, tendo em vista que eram considerados coisas, pertencentes ao seu senhor.

A escravidão se encerra e começa o feudalismo, caracterizado pela relação entre o servo e o senhor feudal. Enquanto o servo estava vinculado à terra, o escravo fazia parte do patrimônio do senhor. O servo em sentido literal não era mais considerado como escravo, porém ainda recebia um tratamento desumano e degradante, próximo àquele ofertado aos escravos.

Justamente no feudalismo, por intermédio dos homens livres (na maior parte, escravos e servos que eram libertados pelos senhores em dias festivos e comemorativos), surgiram as Corporações de Artes e Ofícios, pautadas pela figura dos mestres, aprendizes e companheiros (operários), que posteriormente dariam lugar às fábricas, por meio das Revoluções Industriais.

O sistema feudalista é derrocado e surge então o sistema capitalista de produção, quando se dá a formação do Estado Moderno, o Estado Liberal de Direito, quando surgem os direitos humanos da primeira geração: a liberdade e a igualdade. Durante o Estado Liberal, ocorrem as Revoluções Industriais; a primeira, pautada pela máquina a vapor, e a segunda, pela máquina elétrica.

Na Segunda Revolução Industrial, efetivaram-se novos modos de produção, criados por Frederick Taylor e Henry Ford, tanto no modelo produtivo taylorista como no fordista (que foi um aprimoramento do taylorista). Neste momento, cabia ao trabalhador exercer seu labor de forma quase mecânica, podendo inclusive ser considerado como segmento das máquinas, já que sua única função era operá-las. A linha de montagem estabelecia um ritmo cada vez mais acelerado em busca da maior produtividade possível.

É importante destacar que essa forma de trabalho, paradoxalmente, de um lado, aumentou a exploração sofrida pelo empregado, e, de outro, permitiu que os trabalhadores se identificassem uns com os outros, tendo em vista que, como realizavam o mesmo labor, passaram a ter os mesmos sentimentos, as mesmas angústias, uma identidade de necessidades, e isso facilitou o movimento sindical.

A situação criada pelas Revoluções Industriais acaba dando origem ao suporte fático para a relação empregatícia que seria justamente a base do sistema capitalista e do Direito do Trabalho: a relação de emprego, composta dos requisitos trabalho prestado por pessoa física, onerosidade, subordinação, habitualidade e pessoalidade, previstos, no caso brasileiro, nos art. e da CLT.

O Estado Liberal de Direito, pautado pelo absenteísmo, ao mesmo tempo que concedeu direitos aos cidadãos, introduziu a verdadeiro caos grande parte da população. Diante desta sistemática, surge o pensamento da luta de classes, que ensejou os movimentos sociais dos trabalhadores (revoltas e revoluções envolvendo paralisações, boicotes e inclusive quebra de máquinas), que estavam insatisfeitos com as precárias condições de trabalho.

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Neste momento histórico, o número de acidentes de trabalho era altíssimo. Tal fato, inclusive, é considerado como uma das premissas para a criação do Direito do Trabalho, conforme lecionam Jorge Luiz Souto Maior e Marcus Orione Gonçalves Correia: "O acidente do trabalho, ou melhor, a necessidade de se estabelecer obrigações jurídicas pertinentes à sua prevenção e reparação, foi, assim, dos principais impulsos para a formação do direito social e do seu consequente Estado Social."

Homens adultos, mulheres e crianças recebiam o mesmo tratamento, o que resultava em uma enorme exploração do trabalho infantil e feminino (esses dois tipos eram os preferidos da classe patronal, pois esses trabalhadores eram vistos como empregados pacíficos, por não oferecerem resistência, e as crianças também, pela sua energia).

É importante destacar que, nesse momento histórico, surgiram os acordos de fábrica (analogicamente uma negociação coletiva), antes mesmo da criação de qualquer lei trabalhista e até mesmo do Direito do Trabalho, assim demonstrando Paulo Emílio de Ribeiro Vilhena: "Os primeiros raios de normatividade surgiram do próprio grupo, nas coalizões, mas em acordos que, em geral, eram descumpridos, pelo empregador, à falta de norma sancionadora."

Diante desse contexto, impulsionados pelos ideais socialistas e idealizados pelas ideias marxistas da Primeira Internacional de 1864 (conhecida inclusive como Primeira Internacional Socialista), os movimentos operários atingiram níveis de descontentamento alarmantes, tomando uma dimensão internacional, abrangendo toda a Europa, gerando assim uma onda de greves. Quanto à greve, leciona Marcus Orione Gonçalves Correia: "Isolado, sozinho, o trabalhador não tem força suficiente. Organizado, a partir de sua ligação com a coletividade, pode impingir ao empregador condições mais vantajosas para a sua preservação enquanto ser humano. Não é à toa que Mészaròs repara no fato de que a greve, por exemplo, é considerada, historicamente, uma das armas relevantes na luta cotidianamente travada na arena política. A luta do capitalismo contra a greve é prova desta afirmação. Diga-se, de passagem, que greves políticas e de solidariedade são altamente rechaçadas pela doutrina e jurisprudência pátrias. Ressalta-se, ainda, que a busca na vida dos direitos (veja-se, por exemplo, a decisão proferida pelo Supremo Tribunal Federal no que diz respeito à greve no setor público), a tentativa de limitar-se juridicamente este fato, maior do que o direito, é uma das buscas mais constantes dos ordenamentos jurídicos diversos. O fato, no entanto, continua, neste ponto, sendo maior e mais forte do que as forças do próprio direito".

O Estado Liberal é derrocado pela crise da grande depressão dos anos de 1929 a 1933, que atingiu questões de cunho econômico, político e social. Porém, tanto a Primeira (1914-1918) como a Segunda Guerra Mundial (1939-1945) contribuíram para o encerramento desse modelo estatal, que ficou marcado pelas injustiças e desigualdades sociais (através das Revoluções Industriais), com a ascensão e o acúmulo patrimonial de uma minoria e condições precárias da grande maioria.

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A partir dessa constrangedora situação, foi constituído, no século XX, o Estado Social de Direito, quando o Estado passou a ter uma interferência ativa - e não absenteísta - diante de seus jurisdicionados, sendo promotor de políticas sociais. O Estado passou a desempenhar um papel distinto daquele (absenteísta) que exercia, sendo interventor nas relações particulares e promotor de políticas sociais, dando origem aos direitos humanos da segunda geração.

Portanto, o trabalho é um direito humano da segunda geração, fruto do Estado Social de Direito, sendo um direito pertencente a todos os seres humanos, tendo em vista que é intrínseco a todos o direito ao trabalho.

Essa valorização do trabalho veio a reconhecer a importância do trabalho na vida do ser humano, como também para a sociedade.

Friedrich Hegel entendia que o trabalho possui um papel tão importante na vida do ser humano que poderia ser considerado o mediador entre o Homem e o mundo.

Para Santo Agostinho, o trabalho junto com a reza deveriam ser as atividades gloriosas de todos os cristãos.

Luiz Otávio Linhares Renault define: "Desde os primórdios da humanidade até a época atual, o trabalho tem sido condição sine qua non para a sobrevivência e para o crescimento moral, espiritual, religioso, intelectual, cultural, científico e material do homem."

Especificamente em relação ao Brasil, o direito ao trabalho encontra-se previsto nos direitos sociais do art. 6º da Constituição da República, junto à educação, à saúde, à alimentação, à moradia, ao lazer, à segurança, à previdência social, à proteção à maternidade, à proteção à infância e à assistência aos desamparados. Conforme se percebe, a República Federativa do Brasil, reconhecendo o trabalho como direito humano, tratou de valorizá-lo...

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