Métodos Alternativos de Resolução de Conflitos - Expectativas ao Poder Judiciário

AutorAlexia Rodrigues Brotto Cessetti - Maureen Cristina Sansana
CargoProfessora de Processo Civil (FESP/PR) - Mestre em Direito (PUC/PR)
Páginas28-39

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1. Acesso à justiça

O direito subjetivo de ação1, comumente reconhecido na doutrina brasileira como o "direito de acesso à justiça" (Cintra, Grino-ver e Dinamarco, 2006, p. 87) para defesa de seus direitos, foi ampliado pela Constituição Federal de 19882, passando a abranger não somente a lesão, mas também a ameaça de lesão a direito, colocando o Poder Judiciário e, con-sequentemente, o processo como instrumento de viabilização dessa relação entre o lesionado ou ameaçado e o juiz. Por essa razão, falar-se em instrumentalidade do processo ou em sua efetividade significa falar dele como algo posto à disposição das pessoas com vistas a fazê-las mais felizes (ou menos infelizes) mediante a eliminação dos conflitos que as envolvem, com decisões justas (Dinamarco, 2003, p. 372-373).

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O princípio do acesso à justiça, nas palavras de Cappelletti (1974. p. 67), foi um dos grandes problemas processuais vividos desde o século passado3, tendo obtido sua primeira vitória com a supressão das jurisdições privilegiadas e com a proclamação da gratuidade da justiça.

Entretanto, a revolução jurisdi-cional acerca do acesso à justiça não eliminou todas as demais cargas patrimoniais necessárias para ingressar em juízo, e pior: criou um sistema tão amplo de acesso ao judiciário - com a gratuidade da justiça, ausência de advogado nos juizados especiais -fazendo com que se solucionasse o problema do ingresso à justiça, mas, devido ao sobranceiro número de demandas, não viabilizou o acesso à adequada prestação da tutela juris-dicional, que também é componente do princípio do acesso à justiça. A respeito lecionam Cintra, Grinover e Dinamarco (2006, p. 39-40):

Acesso à justiça não se identifica, pois, com a mera admissão ao processo, ou possibilidade de ingresso em juízo. (...) para que haja o efetivo acesso à justiça é indispensável que o maior número possível de pessoas seja admitido a demandar e a defender-se adequadamente, sendo também condenáveis as restrições quanto a determinadas causas (pequeno valor, interesses difusos); mas, para a integralidade do acesso à justiça, é preciso isso e muito mais. (...). O acesso à justiça é, pois, a ideia central a que converge toda a oferta constitucional e legal desses princípios e garantias. Assim, (a) oferece-se a mais ampla admissão de pessoas e causas ao processo (universalidade da jurisdição), depois (b) garante-se a todas elas a observância das regras que consubstanciam o devido processo legal, para que (c) possam participar intensamente da formação do convencimento do juiz que irá julgar a causa, podendo exigir dela a (d) efetividade de uma participação em diálogo - tudo isso com vistas a preparar uma solução que seja justa, seja capaz de eliminar todo o resíduo de insatisfação.

Em análoga linha de pensamento, prescreve Marinoni (2006, p. 65):

O direito de acesso à justiça, que na verdade garante a realização concreta de todos os demais direitos, exige que sejam preordenados procedimentos destinados a conferir ao jurisdicionado o direito à tutela adequada, tempestiva e efetiva. Nesse sentido, por direito de acesso à justiça entende-se o direito à preordenação de procedimentos realmente capazes de prestar a tutela adequada, tempestiva e efetiva.

Isso porque o acesso à justiça não deve ser compreendido como o mero ingresso em juízo (Dinamarco, 2005a, p. 134), mas como a pretensão endereçada ao magistrado para que produza um julgamento efetivo, adequado aos valores da sociedade, de modo a propiciar à parte litigante não só sua admissão em juízo, mas também sua participação ativa no processo.

O princípio do acesso à justiça - intimamente ligado aos princípios da inafastabilidade e indeclinabi-lidade do Judiciário, consagrados constitucionalmente - é a síntese de todos os princípios e garantias do processo (Dinamarco, 2003, 373), informando também o princípio da inafastabilidade, na medida em que se buscam métodos idôneos de fazer atuar os direitos sociais e uma justiça mais humana, simples e acessível (Portanova, 1999, p. 84).

De fato, todas as medidas com vistas à universalidade do processo e da jurisdição (Dinamarco, 2003, p. 373) consubstanciam a garantia constitucional do controle judiciário e o primeiro passo para o acesso à justiça. No entanto, aflui-se a insuficiência do tão só alargamento do âmbito de pessoas e causas capazes de ingressar em juízo, de forma a ser imprescindível o apri-moramento da ordem processual, apta a disponibilizar resultados satisfatórios e tempestivos às partes. Neste diapasão, traz-se à baila lição de Carmen Lúcia Antunes Rocha (Teixeira, 1993, p. 34) consignando que

"Ajurisdição é direito de todos e dever do Estado, à maneira de outros serviços públicos que neste final de século se tornaram obrigação positiva de prestação afirmativa necessária da pessoa estatal. A sua negativa ou a sua oferta insuficiente quanto ao objeto da prestação ou ao tempo de seu desempenho é descumprimento do dever positivo de que se não pode escusar a pessoa estatal, acarretando a sua responsabilidade integral.

Mas o acesso aos órgãos prestadores da jurisdição por parte do cidadão depende de um desempenho prévio do Estado, que se desdobra em dois comportamentos complementares: de um lado, impõe-se a facilitação do exercício do direito à jurisdição pela sua declaração normativa expressa, e, de outro, deve-se dar a saber ao povo deste como de todos os direitos fundamentais que lhes são assegurados. Estes comportamentos públicos são pressupostos imprescindíveis a serem cumpridos para que o direito à jurisdição não seja uma mentira legal ou uma possibilidade oficial, somente exercida por aqueles que dispõe de condições econômicas bastantes para saber de seus direitos e poder pagar o preço de seu exercício."

Bem acolhendo a postura da ministra do STF, Dinamarco (2005a, p. 133) entende que "não basta que o processo produza decisões intrinsecamente justas e bem postas mas tardias ou não traduzidas em resultados práticos desejáveis; nem sendo desejável uma tutela jurisdicional efetiva e rápida, quando injusta". Compreende o processualista que a plenitude do acesso à justiça importa remover os males resistentes à universalização da tutela jurisdicional4 e aperfeiçoar internamente o sistema processual.

Acrescendo, Grinover (1990, p. 244) doutrina acerca da necessidade de presteza da prestação jurisdicional como corolário do princípio do acesso à justiça:

"É necessário acentuar o conteúdo da idéia de acesso à Justiça que não há de significar simplesmente o acesso ao Poder Judiciário; não só porque também existe o direito à assistência pré-processual, mas também num senti-

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do mais amplo: é que acesso à Justiça significa, e deve significar, não apenas o acesso aos tribunais, mas o acesso à um processo justo, o acesso ao devido processo legal, àquele conjunto de garantias tão importantes que fez com que Mauro Cappelletti dissesse constituir o mais importante dos direitos, na medida em que dele depende a viabilização dos demais direitos."

Dessa forma, é insuficiente assegurar o simples acesso aos órgãos jurisdicionados para que se obtenha a tutela de seus direitos, fazendo-se necessário que a jurisdição seja prestada com a qualidade e efetividade que a situação fática lhe impõe, o que não se verifica no âmbito do Poder Judiciário, principalmente quando o assunto é morosidade. Afinal, nas palavras da ministra Cármen Lúcia Antunes Rocha (Teixeira, 1993, p. 37), "às vezes a justiça que tarda, falha. E falha exatamente porque tarda".

2. Os "problemas" do Poder Judiciário
2.1. O tempo no processo

A grande tendência do processo civil moderno orienta-se para resultados práticos, a fim de viabilizar a realização do direito e o acesso à justiça, com economia processual e celeridade, para que o povo não fuja da justiça (Pinto, 1998, p. 9). Entretanto, tem-se conhecimento que a profunda verificação das verdades trazidas ao processo faz com que transcorra tempo (Cappelletti, 1974, p. 46).

Jaques (1958, p. 379) já asseverava, em 1934, que a Constituição deveria garantir o rápido andamento dos processos, entendendo naquela época a necessidade da celeridade processual. Igualmente, Cappelletti (1974, p. 46) asseverava que muito embora houvesse um grande movimento de reformas processuais na década de 70, uma das características trazidas do velho sistema pro-cessual ainda era a "enorme, insuportável duração dos processos". Salienta o processualista que apesar das tentativas dos países europeus, ao final do século XIX, em tornar os processos mais céleres - sobretudo a partir do iluminismo, com notório esforço de tornar o processo mais racional (Cruz e Tucci, 1997, p. 16) -a duração ainda era grande, quer pela indevida glorificação dos tribunais e os procedimentos de apelação - sobretudo na Alemanha - quer pelo grande formalismo e dogmatismo de alguns países, agravada pela situação de inexecução das sentenças de primeiro grau até que se tenha transcorrido o término da apelação (Cappelletti, 1974, p. 47-48 e 550).

Em vista disso, como bem assevera o processualista francês Jean Vincent (La justice et ses institu-tions. Paris, 1991), citado por Cármen Lúcia Antunes Rocha (Teixeira, 1993, p. 37), surgiram alguns comportamentos paliativos, como a diminuição do número de instâncias processuais e a adoção de procedimentos urgentes. No entanto, a carência de um diagnóstico verdadeiro e definitivo sobre as causas materiais e formais da lentidão da prestação...

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