Alteridade: a identificação da diferença

AutorNilson Tadeu Reis Campos Silva
CargoDoutorando em Direito Público pela Instituição Toledo de Ensino - ITE (Bauru/SP)
Páginas131-166
ALTERIDADE: A IDENTIFICAÇÃO DA DIFERENÇA
ALTERITY: IDENTIFYING DIFFERENCES
Nilson Tadeu Reis Campos Silva1
...temos o direito a ser iguais quando a nossa diferença nos in ferioriza; e
temos o direit o a ser diferentes quando a nossa igualdade nos descaracteriza.
Daí a necessidade de uma igualdade que reconheça a s diferenças e de uma
diferença que não produza, ali mente ou reproduza as desigualdades. (SO USA
SANTOS, 2003).
Resumo: O artigo analisa o predomínio do código econômi co na ordem jurídica, defendendo ser
necessária a adoção do princípio da negociação com o instrumento apto a permitir a inclusão das
minorias e dos grupo s vulneráveis, de modo a superar a insuficiência do acesso i gualitário ao Estado de
Direito provocada pela igualdade formal da linguagem dos direitos e pela utilização equivocada do
código do Ter. Assim, o estudo contextualiza na contemporaneidade brasileira a qu estão dos direitos
humanos com ênfase ao princípio da diferença, considerando ser a ausência da autoidentificação o traço
distintivo entre minorias e grupos vulneráveis, tendo a desquali ficação jurídica advinda da incapacidade
de articulaçã o como cara cterística que aproxima os integrantes dos dois estrato s sociais submetidos à
discriminação exclusiva, sem olvidar a permanente tensão causada pelo caráter universalista do s direitos
humanos em frente à premissa relativista dos direitos dos excluídos, para ressaltar aspectos relevantes
dos instrume ntos normativos internacionais e nacionais qu e se pre stam à proteção dos discriminados,
sublinhando a ainda presente falta de efetividade no manejo das políticas públicas de ações afirmativas,
concluindo pela necessidad e de se compreender a dialética da alteridade desde a distinção entre
minorias e grupos vuln eráveis e do uso d o código do Ser para que se obtenha a efetividade da tutela
jurídica de ambos os grupos.
Palavras-Chave: Igualdade. Discriminação. Alteridade. Direitos Humanos. Minorias. Grupos
Vulneráveis. Tutela Jurídica.
Abstract: This paper analyzes the prevalence of the economical code in juridical order, by defending
the necessity of adopting principles of negotiation a s an instrument able to allow the inclusion of
minorities and vulnerable groups in society, in order to overcome the inadequacy of the so called
equalized access to rights guarant eed by the State, which is provoked b y both, the formal equality of the
language of ri ghts, and by the misuse of t he Code of Havi ng - referring to economical position. T hus,
this study contextualizes issues regar ding human rights, in t he Brazilian contemporary society, with
emphasis i n the principle of differences, considerin g that the absence of a self-identification is the
distinctive trait b etween min orities and vulnerable groups, and also considering that the juridical
disqualification, which emerges fro m the incapacity of articulation, is a characteristic t hat approximates
the members of t he two social strata submitted t o exclusive discrimination; neverth eless, not forgetting
the permanent tension caused by th e universal character of human rights before the re lativist premise of
excluded people’ rights, in order to empha size some relevant aspects of the international and national
regulatory instruments, writte n to protect discriminated people, however, sh owing a current lack of
effectiveness in managing public policies of affirmative action s. T hus, it is concluded that it is
necessary to understand the a lterity dialectics, since th e beginning of this distinction betw een
minorities and vulnerable groups, but based on the use of the Co de of Being a good citizen, to obtain
juridical protection effectiveness for both groups mentioned.
Keywords: Equality. Discrimination. Alterity. Human Rigths. Minorities. Vulnerable Groups. Juridical
Protection.
1 Doutorando em Direito Público pela Instituição Toledo de Ensino - ITE (Bauru/SP); Mestre em
Direito Neg ocial pela Universidade Estadual de Londrina - UEL (Londrina/PR); Ba charel em Direito
pela Universidade Estadual de Maringá - UEM (Maringá/PR); Professor Assistente do Departamento de
Direito Público da UEM (Mari ngá/PR); Professor do Cur so de Pós-Graduação em Direito da Univel
(Cascavel/PR); advogado. E-mail: nilson895 1@gmail.com.
132 Direitos Culturais, Santo Ângelo, v. 5, n.8, p. 131-166, jan./jun. 2010
1 INTRODUÇÃO
Esta reflexão sobre a utilidade de se distinguir minorias de grupos
vulneráveis visa ao exame, não exaustivo, de como a questão da igualdade sob uma
óptica constitucional deve ser tutelada no plano interno e no plano supranacional, a
fim de propiciar uma di scussão reflexiva sobre sua (in)efetividade na práxis da
democracia brasileira, tendo como ponto de partida o
[...]comando pri ncipiológico, constante do art. 3º, inciso IV, de promover o
bem de todos, sem preconceitos de origem, raça, sexo, cor, idade e quaisquer
formas de discriminaçã o, hoje deveria reger a Administração Pública, o
Poder Judiciário, o Poder Legislativo e as aç ões dos particulares.2
Da mesma sorte, discutir-se-á a vigente Constituição Federal do Brasil que
alberga inúmeros dispositivos que se prestam a erodir desigualdades e, em
especial, obstruções conservadoras e elitistas de tônus neoliberais, preventivos de
uma derrocada do projeto estruturado de Estado-nação.
Essa proposta exige um prévio corte epistemológico que permita
contextualizar essa que, a rigor, é uma discussão sobre as tensões dialéticas da
sociedade que avultam, em especial, neste limiar do Século XXI, ferindo os temas
igualdade e diferença, redistribuição e reconhecimento.
Por outras, mesmo partindo-se da premissa de que a arena apropriada à
discussão da alteridade na contemporaneidade seja a jurídica, suas diferentes
expressões nos diversos contextos culturais exigem um an tecedente debruar
d’olhos sobre topoi culturais dos dir eitos humanos – entendidos estes como
veículos emancipatórios3.
Para responder a tal indagação, mister que se façam alguns cortes
epistemológicos que permitam sejam conhecidas as pr emissas conceituais
referenciadas (ou mesmo, ant es embutidas) na digressão, de sorte a contextualizá-
las no panorama examinado.
Como ponto de partida da elaboração deste projeto, buscou-se a fixação de
um primeiro axioma, consistente na construção de um conceito individual sobre a
tessitura temática de fundo dos seminários: as minorias.
Dessarte, podemos conceituar minoria como grupo aut oidentificado e
(des)qualificado juridicamente pelo baixo ou inexistente reconhecimento efetivo de
direitos por parte dos detentores do poder, o que será melhor explicitado adiante.
Mercê do poder desobstrutivo da previsão programática in serta nos textos
constitucionais, a confiança na efetividade4 da Constituição é assegurada, de um
2Cf. ARAÚJO, Luiz Alberto David. Em busca d e um conceito de pessoa com deficiência. In GUGEL,
Maria Aparecida; COSTA FILHO, Wal dir Macieira da.; RIBEIRO, Lauro Luiz Go mes. Deficiência no
Brasil: uma a bordagem integral dos direitos das pe ssoas com deficiência. Florianópolis: Obra Jurídica,
2007, p. 12.
3Até porque, “ A reflexão centrada estritam ente no jurídico é sempre estéril (...) o Direito não é raiz. Se
raízes podem ser identificadas, elas são o econômico e o político, ‘revestidos’ pel o ideológico”
(CALMON DE PASSOS, J.J. Dir eito, poder, justiça e processo: julgando os que n os julgam. Rio:
Forense, 1999 p. 102).
4 Adota-se, aqui, a definição de B ARROSO, Luís Roberto, para quem efetividade “significa a realização
do Direito, o desempenh o concreto de sua função social. Ela representa a materialização, no mundo dos
fatos, dos preceitos legais e simboliza a aproximação, tão íntima quanto possível, entre o dever-ser
Nilson Tadeu Reis Campos Silva – Alterida de: a identificação da diferença
133
lado, pelo sistema de contrapesos entre os tr ês Poderes da República e, de outro,
pela viabilização de ações afirmativas mediante as quais o Poder Judiciário tem
realizado a Constituição à míngua (ou no déficit) de legislação infraconstitucional,
temas que, todavia, ultrapassam os limites deste trabalho.
Presta-se como exemplo paradigmático dessa realização a concr eção do
direito à saúde, por mandados judiciais, ausente a inda a fonte regular de
financiamento da política nacional para tanto.
2 DO CÓDIGO MOTRIZ
A globalização econômica, que em 2008 mostrou sua face impactante ao
mundo, em efeito dominó, desde uma prosaica crise i mobiliária estadunidense
deflagradora de escândalos industriais e financeiros mundiais, até a derrocada de
economias de quase todos os países, obrigando a todas as nações a repensarem
quanto ao intervencionismo do Estado nas atividades privadas, só tem feito validar
a prevalência do seu código – econômico – em todos os sistemas, sejam eles
políticos, jurídicos, ou sociais, ainda que tal código seja, às vezes, edulcorado com
pitadas de preocupações ambientais e sociais.
Ao contrário do que se dissemina no imaginário popular, esta não é uma
questão que aflige apenas os países periféricos ou de modernidade tardia como
querem alguns, mas, também, os tidos como n ucleares – tais como os europeus,
como se infere das críticas de AVELÃS NUNES ao T ratado de Maastricht5 e que
sublinham a subordinação das políticas sociais e da luta pelas exclusões, isto é, do
direito de cidadania, aos interesses econômicos:
[...] é evidente que a ponderação destes direitos continua a ter uma inspiração
econômica, subordinando-os à “necessida de de manter a capacida de
concorrencial da economia comunitária”. 6
O mesmo AVELÃS NUNES, reportando-se à Carta Social Europeia
(1961) e à Carta Comunitária dos Direitos Fundamentais dos Tr abalhadores
(1989), assevera que “[...] não passam, porém, de meras declarações políticas, sem
qualquer força vinculativa no plano jurídico.7” (itálicos do original), para concluir
que a Constituição Europeia
É um estatuto forte para as liberda des do (grande) capital
(sobretudo do capital financeiro), a suscitar preo cupações relativamente ao
normativo e o ser da realidade social.” In Temas de direito constitucional – tomo III. Rio: Renovar,
2005, p. 71.
5Assim conhecido por ter sido assinado na cidade holandesa d o mesmo nome em 6.2.1992. Consiste em
Acordo r elativo à política social celebrado entre os estados-membros da Comunida de Europeia, com
exceção do Reino Unido da Grã-Bretanha e da Irlanda do Norte.
6AVELÃS NUNES, António Jo sé. A constituição europeia e as política s sociais. In CANOTILHO, José
Joaquim Gomes e STRECK, Lenio Luiz. (or g,). Entre discursos e cultura s jurídicas. Stvdia Ivridica 89.
Boletim da Faculdade de Direito da Univ ersidade de Coimbra. Coimbra: Coimbra Editora, 2006, p.240.
7 Idem, p. 239-240.

Para continuar a ler

PEÇA SUA AVALIAÇÃO

VLEX uses login cookies to provide you with a better browsing experience. If you click on 'Accept' or continue browsing this site we consider that you accept our cookie policy. ACCEPT