Alterações normativas trabalhistas

AutorMauricio Godinho Delgado
Páginas60-66

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O quinto grupo de fatores (modificações implementadas na configuração institucional e jurídica do mercado de trabalho e das normas que regulam suas relações integrantes) é de caráter preponderantemente conjuntural, variando segundo a experiência polí tica interna a cada Estado,

Tal grupo de fatores envolve as políticas públicas gestadas na cionalmente, dirigidas a acentuar a reestruturação do antigo siste ma trabalhista, em busca de um modelo desregulado de mercado de trabalho. À medida que as mudanças no mercado laborativo, mesmo quando institucionais, tendem a se cristalizar na ordem jurídica, pode- se identificar esse grupo, em resumo, a partir das próprias altera ções normativas trabalhistas.

É evidente que tais alterações normativas trabalhistas são produtos de diagnósticos da economia e da sociedade que foram hegemonicamente construídos nas últimas décadas. De maneira geral, tais diagnósticos têm se mostrado receptivos, em maior ou menor extensão, ao império das supostas determinações inescapáveis quer da terceira revolução tecnológica, quer da reestruturação empresarial externa e interna, quer da acentuação da concorrência capitalista. São diagnósticos que incorporam, portanto, em alguma medida, os traços centrais da matriz intelectual desconstrutivista do primado do trabalho e do emprego no capitalismo de finais do século xx e início deste século.

Contudo, a partir do instante em que semelhantes diagnósticos se convolam em políticas públicas, em normas jurídicas, em meios de institucionalização de direcionamentos e condutas individuais e sociais, eles contribuem para exacerbar os efeitos deletérios sobre o trabalho e o emprego inerentes a tais fatores estruturais e conjunturais que presidiram sua elaboração. Ou seja, as alterações normativas trabalhistas implementadas nas últimas décadas em parte significativa de países capitalistas ocidentais aprofundaram a crise e desvalorização do emprego e do trabalho, ao invés de reafirmarem seu primado na sociedade capitalista contemporânea.

Três exemplos são paradigmáticos nesse processo de normati zação perversa das relações de trabalho nas últimas décadas: Espanha, Argentina e Brasil.

No tocante à Espanha, trata-se de um dos primeiros países europeus, ao lado da Inglaterra de Margareth Thatcher, a partir ainda de fins da década de

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1970, ao incorporar uma agenda de modernização trabalhista (sic!), à base da desregulação e flexibilização do emprego, isto é, da redução de garantias e proteções ao empregado no contexto de sua contratação laborativa.

Antonio Baylos refere-se, nesse quadro, ao implemento de uma "política de emprego flexível levada a cabo desde as primeiras nor mas de 1979"16. Tal política somente sofreria reversão efetiva no ano de 1997, quando retomou prestígio a noção de empregoestá vel,visando diminuir a precariedade contratual trabalhista17.

Joaquín Pérez Rey fixa esse marco inicial até mesmo um pou co antes, em 1976, no Real Decreto-Ley (RDL) n. 18/1976, "em que se revisam dois pilares da estabilidade, a dispensa e a contratação provisória"18. A propósito, o elogio aos contratos de curta dura ção passaria a ser um dos sustentáculos da nova política trabalhista espanhola naquele período.

O diagnóstico sobre tais alterações normativas espanholas, que perduraram cerca de duas décadas, é claramente negativo: como se sabe, aquele país, naquela mesma época, liderou os índices negati vos de desemprego em todo o Ocidente desenvolvido. Por essa razão é que o jurista Antonio Baylos censura o processo de flexibiliza ção e desregulamentação aplicado durante vinte anos na Espanha, por meio do que qualifica de "obstinadas reformas do mercado de trabalho que jamais obtiveram os resultados perseguidos": foram apresentadas, naquele tempo, "altas ou desmesuradas taxas de de semprego com um processo permanente de precarização e even tualização da população assalariada".19

No que diz respeito à Argentina, trata-se do protótipo, na América Latina, da suposta modernização trabalhista baseada na flexibi lização e/desregulação do emprego. O governo Menem (1989-1999), no conjunto de medidas radicais de propagada integração da econo mia ao mercado internacional (tais como privatização ampla de empresas estatais, eliminação de barreiras alfandegárias, valorização artificial da moeda interna em benefício da competição externa den trodo país20), também se caracterizou por ampla desregulamenta ção e flexibilização da ordem jurídica trabalhista.

Um dos pontos de destaque dessa nova política trabalhista seria a incorporação da experiência espanhola de favorecimento aos contratos a termo, o elogio à

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provisoriedade da contratação de empregados, em contraste com a mais estável contratação por tem po indeterminado.

O resultado de todo esse estratagema disciplinadamente cumprido pelo governo e sociedade argentinos é bastante conhecido: em comparação ao marco de 1980, em que apenas 5% da população se situavam abaixo da linha de pobreza, conforme o Índice de Desenvolvimento Humano, da ONU (IDH), em torno do ano 2000, mais de 50% dos argentinos viviam abaixo da linha de pobreza. Some -se a esse quadro o fato de atingir o desemprego em 2002 em torno de 25% da força de trabalho do país, após uma década de índices também sempre significativamente elevados. A par...

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