Alimentos gravídicos -aspectos materiais e processuais dalei 11.804/08

AutorDenis Donoso
CargoAdvogado e consultor jurídico em São Paulo Mestrando e especialista em Direito Processual Civil pela PUC/SP
Páginas17-21

Page 17

1. Introdução

A Lei 11.804/08, publicada no D.O.U. de 6 de novembro do mesmo ano (e nessa mesma data entrou em vigor, conforme o seu art. 12), fez inserir no ordenamento jurídico pátrio, de forma expressa, a figura dos chamados alimentos gravídicos, concedendo à gestante o direito de buscar alimentos do suposto pai durante a gravidez.

A intenção da referida lei é das melhores, posto que concretiza valores bem conhecidos e relevantes à pessoa humana, tudo isso somado ao fato de poderem ser fixados "prematuramente", desde a concepção do sujeito, embora - e a isso volto mais detidamente adiante - nunca tenha sido vedado o acesso do nascituro ao pleito de alimentos.

Noto, entretanto, que nem todas as disposições da lei são tão salutares quanto aparentam. Ao contrário, há problemas interpretativos de índole material e processual que precisam ser equacionados.

Meu objetivo neste escrito é trazer uma análise clara e objetiva do "novo" instituto, levantar problemas e apresentar-lhes as respectivas soluções. Todo meu trabalho, como não poderia deixar de ser, será guiado pela ótica constitucional, implícita ou explicitamente.

Para tanto, procede-se a uma brevíssima incursão por temas propedêuticos e necessários, restringindo sua abordagem apenas aos pontos que efetivamente interessam, de modo a não cansar meu caro leitor. Criadas as necessárias premissas - e montado o alicerce intelectual - passo ao enfrentamento da Lei 11.804/08 em si.

2. Direito aos alimentos
2.1. Extensão objetiva da obrigação

Os alimentos, no seu aspecto técnico e jurídico, têm conotação ampla. Significam os auxílios de ordem material que uma pessoa presta a outra para prover suas necessidades vitais.

O artigo 1.694, caput, do Código Civil, deixa claro que os alimentos devem permitir que seu credor viva de modo compatível com a sua condição social, inclusive para atender às necessidades de sua educação1.

A regra geral é complementada pelo § 1e do mesmo dispositivo, segundo o qual devem os alimentos ser fixados na proporção das necessidades do reclamante e dos recursos da pessoa obrigada.

Importante ressaltar que o valor fixado a título de alimentos é, a todo tempo, passível de revisão. Deveras, como bem posto no art. 1.699, caso haja mudança na situação financeira de quem os supre, ou na de quem os recebe, poderá o interessado reclamar ao juiz, conforme as circunstâncias, exoneração, redução ou majoração do encargo.

2.2. Extensão subjetiva da obrigação

Os pais devem pagar alimentos aos seus filhos. É ler o que dispõe a primeira parte do art. 1.696 do Código Civil e a conclusão soa óbvia. Aqui não há espaço para dúvidas.

Interessante, neste momento, é destacar que a obrigação de pagar alimentos é extensiva a todos os ascendentes, recaindo nos mais próximos em grau, uns em falta de outros (art. 1.696, 2a. parte, do Código Civil). Em complemento, vem o art. 1.697 do Código Civil dispondoPage 18 que cabe a obrigação aos descendentes, na falta dos ascendentes (guardada a ordem de sucessão). Faltando descendentes, cumprirá o pagamento da prestação aos irmãos, assim germanos como unilaterais.

De todo exposto, vê-se que a lei cria preferências ao estabelecer o devedor de alimentos. Antes, os pais; após, os ascendentes, os descendentes e os irmãos.

A regra da preferência, porém, convive de forma harmônica com a regra da complementaridade ou concorrência. Com efeito, ateordo que dispõe o art. 1.698 do Código Civil: "Se o parente, que deve alimentos em primeiro lugar, não estiver em condições de suportar totalmente o encargo, serão chamados a concorrer os de grau imediato; sendo várias as pessoas obrigadas a prestar alimentos, todas devem concorrer na proporção dos respectivos recursos, e, intentada ação contra uma delas, poderão as demais ser chamadas a integrar a lide."

Destarte, surge aquilo que se convencionou chamar de alimentos avoengos. É que, de acordo com os arts. 1.696 e 1.698 do Código Civil, o avô pode ser convocado a suplementar os alimentos devidos aos netos quando o encargo não é integralmente satisfeito pelo parente diretamente obrigado (normalmente, os próprios pais).

Neste sentido, convém destacar decisão da lavra doTJDFT:

"Alimentos. Incapacidade financeira dos pais para suprir as necessidades dos menores. Obrigação subsidiária do avô, que tem condições de auxílio. Obrigação Alimentar reconhecida. 1 - O avô possui legitimidade para a ação de alimentos cuja causa de pedir está assentada na insuficiência dos alimentos prestados pelos pais. 2 - De acordo com os arts. 1.696 e 1.698 do Código Civil, o avô pode ser convocado a suplementar os alimentos devidos aos netos quando o encargo não é integralmente satisfeito pelos parentes diretamente obrigados. 3-O fato de o pai dos menores pagar alimentos não inibe nem exclui a responsabilidade subsidiária do avô, desde que vislumbrada a presença dos requisitos emoldurados nos arts. 1.694, § 2-, 1.696 e 1.698 da Lei Civil. 4 - Comprovado o exaurimento da capacidade financeira dos pais e a persistência da necessidade alimentardos menores, ao avô que ostenta condições econômicas pode ser imposta obrigação complementar. 5 - Recurso conhecido e desprovido". (TJDF, 6a. Turma Cível, Agravo de Instrumento ne 2007.00.2.005397-9, rel. des. James Eduardo Oliveira, j. 11.7.2007, v.u.).

Tenha-se atenção ao fato de que, à exceção dos ascendentes de primeiro grau, são os avós aqueles parentes mais próximos a quem a lei impõe a obrigação de prestar alimentos.

Faço uma ressalva no sentido de que as questões ligadas à extensão subjetiva da obrigação de prestar alimentos é, em minha opinião, uma das mais interessantes. Devo, contudo, restringir-me às ideias que acabo de desenvolver, porque do contrário acabaria por me alongar demasiada e desnecessariamente no tema.

2.3. Alimentos e a situação específica do nascituro

De acordo com o art. 2- do Código Civil, o marco inicial da personalidade é o nascimento com vida, embora nosso ordenamento resguarde os direitos do nascituro desde a concepção. Daí que se diz que o nascituro tem direitos em estado potencial, sob condição suspensiva (direito condicional ou eventual), pois aguardam a verificação de evento futuro e incerto (nascimento com vida) para ter eficácia.

Pelo que sinto, no entanto, o dispositivo sub examine ainda merece ponderações mais detalhadas. É que alguns direitos o nascituro já tem, sim, independentemente de seu nascimento com vida. Em outras palavras, sempre vi o nascituro como titular do direito ao nascimento com vida. Basta lembrar que a Constituição garante a todos o direito à vida, assim como, em linhas mais gerais, a dignidade da pessoa humana.

Como se não bastasse, deve-se ter atenção ao que dispõe o art. 130 do Código Civil, que garante ao titular de direito eventual - e o nascituro está entre eles, como visto - o exercício dos atos destinados à sua conservação. Entre os atos de conservação - não há como se afastar desta constatação - está o...

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