Algumas Considerações acerca dos Contratos Agrários

AutorCassiano Portella Ceresér
Páginas119-140

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A preocupação com as questões inerentes ao meio ambiente está em sinergia com a evolução humana. Contudo, não se pode negar que a tal preocupação tomou proporções gigantescas neste novo milênio. Dentro desse contexto, a busca de um desenvolvimento sustentável se consubstancia com um dos principais objetivos dos Estados soberanos.

O mercado, importante componente na busca do desenvolvimento, é composto de inúmeras relações econômicas que se propagam por meio dos contratos. Nessa linha, os contratos nada mais são do que os instrumentos de viabilização do desenvolvimento almejado. E os contratos agrários, seja pela relevância ambiental dos bens que são objeto de sua exploração, seja pela sua natureza jurídica (negócios jurídicos), tem importante papel na efetivação desse objetivo traçado pelo Estado.

2. 1 Previsão legal, conceitos e modalidades

A produção legislativa nacional, em questões do campo, propaga-se, essencialmente, por meio de leis ordinárias esparsas, tutelando temas de forma específica. Em decorrência desse posicionamento, os contratos agrários não possuem qualquer previsão na legislação geral, quer seja, o Código Civil Brasileiro de 2002 que, enquanto norma geral, não faz qualquer tipo de menção a essas modalidades contratuais.

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Em contrapartida, o revogado Código Civil Brasileiro, que remonta ao ano de 1916, continha dispositivos que contemplavam matéria iminentemente agrária, mais especificamente acerca dos contratos agrários. No entanto, o fazia devido à ausência de disposição legal específica que regulamentasse o tema. Percebe-se, pois, que o legislador do Código Civil de 1916 não se mostrou indiferente à questão rural. Sua preocupação apenas mostrou-se um tanto maior para com a disciplina urbana52, posto que o aludido diploma legal concentrou as suas atenções apenas em duas espécie de contrato agrário, que são a parceria e o arrendamento rural53.

Com o advento do Estatuto da Terra e dos demais diplomas legais que o sucederam, tornou-se desnecessária a previsão de tais contratos no Código Civil. O legislador nacional, ao não prever qualquer norma atinente aos contratos agrários no Código Civil vigente, acabou por ratificar a previsão legal de tais contratos na legislação especial54. Todavia, os dispositivos gerais supracitados não perderam a sua importância, uma vez que ainda guardam uma função supletiva55.

Esta legislação, intitulada agrária, define com precisão os vínculos obrigacionais oriundos dos contratos sobre imóveis rurais, estipula normas de natureza substantiva e adjetiva, e estabelece preceitos imperativos e inarredáveis56. Enfim, disciplina, quase que integralmente, as questões jurídicas inerentes aos contratos dessa natureza. Nesse contexto, procura contemplar todas as formas de uso da terra, sejam elas nominadas - tais como a parceria e o arrendamento rural, que se encontram disciplinados

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por leis próprias, como a Lei nº 4.50457, de 30 de novembro de 1964 (Estatuto da Terra) e o Decreto nº 59.56658, de 14 de novembro de 1966 - ou não59.

O presente trabalho centra-se, especificamente, nos contratos tipificados na legislação agrária60. Estas formas de uso da terra são de conhecimento dos homens desde o início da segunda metade do século XIX. O proprietário contratava famílias para que estas explorassem a terra em troca de uma parte da colheita.

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Nessa época predominava o contrato de parceria61, embora um tanto mal formulado, e constituía-se numa forma dominação do proprietário sobre o trabalhador62.

Nota-se, portanto, que os contratos agrários são aqueles destinados a tutelarem a exploração dos imóveis rurais. Dentro da doutrina nacional há uma polêmica acerca da conceituação do que venha a ser imóvel rural. O conceito de imóvel rural, para a doutrina agrária63, é fornecido pela Lei nº 4.504/64 e repetido no artigo 4º, inciso I, da Lei nº 8.629/93. Para o Direito Agrário o que caracteriza o imóvel rural não é a sua localização, mas sim a destinação que é dada ao mesmo64. Desse modo, o Direito Agrário

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afasta o critério geográfico de caracterização do imóvel65, que define como rural aquele que se encontra fora do perímetro urbano, o qual é definido por cada Município, independentemente.

Os contratos agrários podem ser definidos66como aqueles acordos de vontades que tenham por objeto a tutela da atividade agrária, isto é, todo negócio jurídico que regulamente exploração permanente ou temporária de imóvel rural com o intuito de nele exercer atividade agrícola, pastoril ou mesmo extrativista.

Nesse sentido, o contrato de parceria rural está legalmente conceituado no artigo 4º, do Decreto 59.566/6667: Pode ser definido como aquele negócio em que o contratante se obriga a ceder ao contratado, por tempo certo ou não, a utilização integral, ou mesmo parcial, de um imóvel rural, com o intuito de nele ser exercida atividade agrária, mediante a partilha de riscos e lucros68.

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O contrato de parceria rural possui diversas modalidades, nos termos do artigo 5º, do Decreto 59.566/6669. Elas estão descritas nos incisos do dispositivo antes referido, a saber:

  1. No inciso I a parceria agrícola, cujo objeto é a cessão do uso do imóvel rural, no todo ou em parte, com o objetivo de se explorar a atividade de produção vegetal.

  2. No inciso II a parceria pecuária, cujo objeto é a cessão de animais para cria, recria, invernagem ou engorda.

  3. No inciso III a parceria agroindustrial, cujo objeto é a cessão do uso do imóvel rural, no todo ou em parte, e ou máquinas e implementos, com o objetivo de se explorar a atividade de transformação de produto agrícola, pecuária ou florestal.

  4. No inciso IV a parceria extrativa, cujo objeto é a cessão do uso do imóvel rural, no todo ou em parte, e ou animais de qualquer espécie, com o objetivo de ser explorada atividade extrativa de produto agrícola, animal ou florestal.

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  5. No inciso V a parceria mista, quando o objeto da cessão abranger mais de uma das espécies de parceria supra referidas.

    Na parceria, segundo o disposto no artigo 4º, do Decreto 59.566/6670, é denominado parceiro-outorgante o cedente, proprietário ou não, que entrega os bens para a exploração; e parceiro-outorgado o cessionário, pessoa ou conjunto familiar, representado por seu chefe, que os recebe para fins próprios das várias modalidades de parceria.

    Por conseguinte, o contrato de arrendamento rural, segundo Sílvio de Salvo Venosa71e Caio Mário da Silva Pereira72, foi tratado no Código Civil de 1916 sob a denominação de locação de prédios rústicos. Possui definição legal disposta no artigo 3º, do Decreto 59.566/6673. E pode ser conceituado como aquele em que o contratante se obriga a ceder ao contratado, por tempo certo ou não, o uso e o gozo integral, ou mesmo parcial, de um imóvel rural, com o intuito de nele ser exercida atividade agrária, mediante retribuição fixa ou mesmo aluguel74.

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    Nesse tipo de contrato, em conformidade com o artigo 3º, parágrafo 2º, do Decreto 59.566/6675, denomina-se arrendador ou arrendante76aquele que cede o imóvel ou o aluga, podendo ser o proprietário, o usufrutuário, o usuário ou o possuidor do imóvel. Ou seja, necessário que se encontre na posse do imóvel rural e dos bens, a qualquer título, desde que tenha direito à exploração e a destiná-lo aos fins contratuais. E arrendatário a pessoa ou conjunto familiar, representado por seu chefe, que recebe o imóvel ou o toma por aluguel77.

    É de se ter, ainda, que a legislação agrária prevê a possibili-dade de celebração de contratos de subarrendamento ou de sub-

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    parceria78. Para tanto, faz-se necessário o expresso consentimento do proprietário para o seu reconhecimento jurídico, de acordo com o artigo 95, inciso VI, do Estatuto da Terra79, e com o artigo 31, do Decreto 59.56680, sob pena de ensejar o desrespeito à norma legal, justa causa motivadora de despejo, como está alinhado no artigo 32, inciso II, do Decreto81.

    Importante salientar que somente o subarrendamento82encontra previsão legal, motivo pelo qual alimentou pertinente discussão doutrinária acerca da possibilidade de celebração de contratos

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    de subparceria. O Estatuto da Terra silencia acerca da questão. Porém, a matéria restou pacificada na doutrina, adotando-se o entendimento de que a ela estendem-se os dispositivos referentes ao subarrendamento83.

2. 2 Generalidades

Os contratos agrários, conforme já explanado, são um tanto peculiares. A sua particularidade encontra respaldo em regras de ordem pública, cogentes, ou seja, imperativas. Tais normas, de cunho obrigatório, são dotadas de um dirigismo contratual tamanho, pois o próprio ordenamento legal expõe as cláusulas indispensáveis aos negócios jurídicos em questão. Desse modo, caso haja qualquer estipulação contratual que as contrarie, a mesma será tida por nula de pleno direito e desprovida de qualquer eficácia jurídica84.

Outra característica destes contratos é a expressa proibição legal de renúncia, por parte dos arrendatários ou parceiros-outorgados, de direitos e vantagens advindos de qualquer norma vigente85. Essa regra objetiva proteger a parte hipossuficiente da relação contratual, quem seja, aquele que efetivamente explora a

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atividade, não sendo necessariamente aquele que obtém a maior rentabilidade com a atividade. Em decorrência de tal disposição, como já comentado, qualquer cláusula contratual que enseje a supressão de direitos será declara nula.

No exame da natureza jurídica dos contratos de parceria e arrendamento rural, pode-se concluir que os mesmos surgem de um livre e desembaraçado acordo de vontades e em função da pessoa do contratante (arrendatário ou parceiro-outorgado). Atribuem direitos e deveres as partes contratantes, reciprocamente. Tem cunho oneroso, uma vez que prevêem formas de remuneração pelo uso da terra. Podem ser celebrados de forma verbal ou...

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