As alegorias da história de Walter Benjamin e as possibilidades de uma história do direito

AutorIvan Furmann
CargoCentro Universitário Curitiba-Unicuritiba
Páginas186-210
P A N Ó P T I C A
Panóptica, Vitória, vol. 7, n. 1 (n. 23), 2012
ISSN 1980-775
AS ALEGORIAS DA HISTÓRIA DE WALTER BENJAMIN E AS
POSSIBILIDADES DE UMA HISTÓRIA DO DIREITO
Centro Universitário Curitiba - Unicuritiba
1. INTRODUÇÃO: QUEM É WALTER BENJAMIN? UM FLANEUR?!
Que tipo de intelectual era Benjamin? É impossível se afirmar com precisão. Benjamin
sempre foi um pensador sui generis (ARENDT, 2008, p.167), de difícil ou impossível
rotulação. Mesmo as descrições mais reconhecidas como a de crítico literário ou a de ensaísta
resumem de forma arbitrária a vastidão de seus temas e a inovação de sua abordagem.
Hannah Arendt com sua habitual sensibilidade e sutileza discorre:
Para descrever adequadamente sua obra e seu perfil de autor dentro de nosso quadro
habitual de referências, seria preciso apresentar uma série imensa de declarações
negativas, tais como: sua erudição era grande, mas não era um erudito; o assunto dos
seus temas compreendia textos e interpretação, mas não era um filólogo; sentia-se
muitíssimo atraído não pela religião, mas pela teologia e o tipo teológico de
interpretação pelo qual o próprio texto é sagrado, mas não era teólogo, nem se
interessava particularmente pela Bíblia; era um escritor nato, mas sua maior ambição
era produzir uma obra que consistisse inteiramente em citações; foi o primeiro alemão
a traduzir Proust (juntamente com Franz Hessel) e St.-John Perse, e antes disso
traduzira Quadros parisienses de Baudelaire, mas não era tradutor; resenhava livros e
escreveu uma série de ensaios sobre autores vivos e mortos, mas não era um crítico
literário; escreveu um livro sobre o barroco alemão e deixou um imenso estudo
inacabado sob re o século XIX francês, m as não era historiador, literato ou o que for;
tentarei mostrar que ele pensava poeticamente, mas não era poeta nem filósofo.
Todavia, nos raros momentos em que se preocupou em definir o que estava fazendo,
Benjamin se considerava um crítico literário, e, se se pode dizer que tenha de algum
modo aspirado a uma posição na vida, teria sido a de "o único verdadeiro crítico da
literatura alemã" (como colocou Scholem em uma das poucas belíssimas cartas ao
amigo que foram publicadas), com a ressalva de que a própria idéia de assim se tornar
um membro útil da sociedade tê-lo-ia repugnado (ARENDT, 2008, p.167-8).
Sua vida foi conturbada, em todos os sentidos. Judeu, filho mais velho dentre três de família
de comerciantes de antiguidades, nasceu em 1892 na Alemanha. Vivenciou a primeira guerra
mundial, a ascensão do nazismo e refugiado acaba sucumbindo diante das perseguições na
Segunda Guerra. São inúmeras as situações de sua vida que juntas formariam um quadro de
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desastre e sofrimento, mas a sua capacidade de observar o mundo, mesmo quando este
avançava contra ele, faz de Benjamin uma pessoa interessantíssima.1
Hannah Arendt ressalta uma alegoria de Benjamin, a figura do flâneur. Essa mistura de
desocupado e boêmio, que vagueia entre as multidões, aquele que está contra elas, apartado
delas e no meio delas, é esse personagem que talvez mais se identifique com Benjamin em
sua postura como intelectual. Alegoricamente pode ser visto como um boêmio da
intelectualidade.
(...) o flâneur (...) vagueando a esmo entre as multidões nas grandes cidades, num
estudado contraste com a atividade apressada e intencional delas, que as coisas se
revelam em seu sentido secreto: "A verdadeira imagem do passado passa rapidamente"
("Sobre o conceito da História"), e apenas o flâneur, que ociosamente vagueia, recebe a
mensagem. (...) o flâneur vive a experiência de sua transfiguração final. (ARENDT,
2008, p.177).
A flâneur, entretanto, não existe sem a multidão, mesmo caminhando contra ela.
O flâneur não existe sem a multidão, mas não se confunde com ela. Perfeitamente à
vontade no espaço público, o flâneur caminha no meio da multidão “como se fosse
uma personalidade”, desafiando a divisão do trabalho, negando a operosidade e a
eficiência do especialista. Submetido ao ritmo de seu próprio devaneio, ele sobrepõe o
ócio ao “lazer” e resiste ao tempo matematizado da indústria. A versatilidade e
mobilidade do flâneur no interior da cidade dão a ele um sentimento de poder e a
ilusão de estar isento de condicionam entos históricos e sociais. Por isso, ele parte para
o mercado, imaginando que é só para dar uma olhada. As fantasmagorias do espaço a
que o flâneur se entrega, tentando conquistar simbolicamente a rua, escondem a
“mágica” que transforma o pequeno burguês em proletário, o poeta em assalariado, o
ser humano em mercadoria, o orgânico no inorgânico. (D’ANGELO, 2006, p.242).
1.1. ALEGORIAS E A ALEGORIA DO FLÂNEUR
É interessante lembrar que para Benjamin a própria noção de alegoria não é uma simples
metáfora ou ato de comparação. “Alegoria (...) não é uma técnica lúdica ilustrativa, mas uma
forma de expressão, assim como a fala é expressão, e, de fato, tal como é a escrita”.
(BENJAMIN, 1998, p.161).
A alegoria, sugeriu ele, poderia assumir o papel do pensamento abstrato. Os objetos e
figuras que habitam as passagens jogadores, prostitutas, espelhos, poeira, figuras de
1 Para um breve e didático relato da vida de Benjamin é interessante o texto KONDER, Leandro. Walter
Benjamin (...), p. 23-109.

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