O Direito de Acessar a Justiça como Garantia do Processo Trabalhista

AutorCarolina Tupinambá
Ocupação do AutorMestre e Doutora em Direito Processual. Professora Adjunta de Processo do Trabalho e Prática Processual Trabalhista na UERJ
Páginas131-151

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2.1. Introdução

No que concerne à garantia de acesso à justiça, o processo trabalhista, na forma como atualmente vem sendo compreen-dido, absorve determinados valores e regras que colocam em xeque a inafastabilidade do Poder Judiciário.

Sob este enfoque, no que diz respeito à contraposição de interesses em jogo, configuram ameaças ou restrições ao acesso à justiça, especificamente: (i) os custos do processo trabalhista;
(ii) a capacidade postulatória das partes; (iii) a inexistência de uma defensoria pública preparada para intervir em lides trabalhistas; (iv) a desinformação das partes, assim como (v) os procedimentos especiais previstos no processo do trabalho;
(vi) a inexistência de garantia de emprego; (vii) a perempção;
(viii) as regras de competência territorial449.

A efetivação do acesso à justiça, em contrapartida, pode ser plenamente assegurada não só através da recolocação dos entraves acima elencados que, como se diz popularmente, tem amplo potencial para “fazer destes limões uma limonada”, como também poderão ser alcançados com (i) a utilização de meios alternativos de solução de conflitos e (ii) a coletivização das demandas.

Discorreremos, a seguir, sobre os entraves e os pontos de esperança para a garantia de acesso à justiça no processo trabalhista.

2.2. Os custos do processo do trabalho como entrave à garantia de acesso à justiça

O ônus financeiro do processo do trabalho configura o maior obstáculo à concreção das garantias fundamentais para um processo justo.

A dificuldade de acesso da população pobre às informações que possibilitem o conhecimento do direito, acrescida do valor das custas processuais, acarreta barreiras socialmente intransponíveis para o acesso à justiça, haja vista o nível precário das condições econômicas da sociedade brasileira, bem

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como a pífia movimentação financeira verificada nas pequenas e microempresas.

O medo de represálias e a grande desigualdade na qualidade de serviços jurídicos prestados para as populações de maior ou menor poder aquisitivo, outrossim, usualmente, se mostram como causas de desconfiança das camadas mais baixas da população com relação à justiça450.

No Brasil, presenciamos uma acentuada concentração de renda, concomitantemente com a miséria da população. A situação é crítica, pois quase 40 % da população urbana sobrevive abaixo da linha da pobreza.

Os custos do processo trabalhista amplificam o problema sob diversos enfoques que serão doravante apresentados.

2.2.1. A absoluta ausência de critérios para a definição dos valores das causas

A indicação do valor da causa nas demandas trabalhistas repercute sobre (i) a escolha do rito procedimental, (ii) a eventual restrição ao cabimento de recursos, (iii) o eventual recolhimento de custas e, ainda, (iv) as possibilidades de produção probatória.

Embora não conste do rol dos requisitos da petição inicial consubstanciado no art. 840, § 1º, da CLT, a indicação do valor da causa tem sido concebida como essencial no ajuizamento das demandas.

Neste compasso, a parte autora que, via de regra, costuma ser o ex-empregado ou o prestador de serviços, indica um valor ao seu bel prazer, sem qualquer compromisso com os pedidos. Tanto assim que o valor da causa indicado pela parte não configura nem base nem teto para a liquidação da decisão, podendo a execução ser de cem mil, ainda que o valor atribuído à causa seja dez mil ou vice-versa451. Nas causas sujeitas ao procedimento sumaríssimo, entretanto, como a liquidação dos pedidos é requisito da petição inicial, é de praxe que o Autor confira à causa o valor correspondente ao somatório dos pedidos, o que não configura uma exigência legal, mas tão somente de um retrato do que se verifica na prática.

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Seja qual for o valor indicado, a partir dele o autor define o rito e os demais consectários aos quais o réu deverá submeter-se.

O momento da impugnação ao valor da causa dependerá da indicação ou não na inicial do respectivo valor atribuído à demanda. Nas demandas que forem distribuídas à Justiça do Trabalho sem valor da causa, o juiz, em audiência, fixará o seu valor para a determinação de alçada. Não se conformando a parte com o valor fixado, ao aduzir razões finais, poderá impugná-lo. Mantido pelo juiz o valor anteriormente definido, poderá a parte inconformada valer-se do recurso denominado “pedido de revisão”, interposto diretamente no Tribunal Regional do Trabalho respectivo e no prazo de 48 horas encaminhado ao presidente do mesmo Tribunal, nos termos da Lei n. 5.584/1970.

Por outro lado, quando a peça vestibular já indicar o valor da causa, deverá ser aplicado o art. 261 do CPC, cabendo ao réu, quando da apresentação da defesa em audiência (art. 847 da CLT), impugnar o referido valor atribuído452.

Ambas as hipóteses dificilmente são exercitadas na prática. Além de serem extremamente antipáticas e mal vistas pelos juízes, não são satisfatoriamente trabalhadas na doutrina, o que acaba por deixar em aberto uma série de questões de ordem técnica e mesmo logística. Em outras palavras, os advogados sequer sabem ao certo, pelo absoluto silêncio da doutrina e da jurisprudência453, dizer se, de fato, o art. 261 do CPC se aplica ao processo trabalhista, se o presidente do TRT será o competente para atribuir novos valores à causa sob quaisquer hipóteses, dentre outras dúvidas que o próprio desuso do instituto da impugnação ao valor da causa deixou parecerem bastante razoáveis.

Neste cenário, sendo certo ser absolutamente inexpressiva a condenação do autor em custas processuais, abre-se espaço para a designação de valores verdadeiramente estratosféricos como forma de se amedrontar o réu, ameaçá-lo ou, simplesmente, impressioná-lo.

Para piorar o quadro “terrorista”, empresas que não tenham um estoque expressivo de ações, ou mesmo que tenham apenas “aquela” ação, ao contratarem um advogado, costumam ter os honorários previamente cobrados sobre um percentual do valor da causa ou até um valor fixo mensal. Daí, a indicação exagerada e impune do valor da causa pode também importar,

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logo na largada, no superfaturamento dos honorários advocatícios pela prestação de assistência jurídica à empresa, que mais comumente figura como ré nas demandas.

Todas estas circunstâncias (i) a completa falta de critério para a indicação do valor da causa, (ii) a impunidade ou inexistência de qualquer sanção pela indicação de valor não correspondente com o somatório dos pedidos, (iii) a arraigada prática de não se condenar o autor ao pagamento de custas processuais pelo valor indicado à causa, (iv) o atrofiamento das formas de impugnação do valor indicado, dentre outras relativas à atribuição do valor à causa, configuram sérios entraves ao acesso à justiça, em geral, pelo réu, presa fácil do arbítrio e das aventuras processuais do autor que, irresponsável e tranquilamente, se vê autorizado a utilizar o processo trabalhista como maléfico poder de barganha.

Neste particular, impende resguardar o acesso à justiça pelo próprio amadurecimento de seus operadores, é dizer, mister que o juiz trabalhista informe às partes os possíveis ônus derivados de indicação arbitrária da causa sem qualquer correspondência com o objeto da lide e que, de fato, didaticamente responsabilize o autor que faz da indicação do valor da causa um objeto de chantagem ou coisa que o valha. Ademais, os advogados devem exercitar as formas previstas para a legítima impugnação de valores desproporcionais.

2.2.2. A assistência jurídica e a concessão de gratuidade de justiça: possibilidades indefinidas e voltadas para um único polo da ação

Dispõe o inciso LXXIV, do art. da Constituição Federal, que “o Estado prestará assistência jurídica integral e gratuita aos que comprovarem insuficiência de recursos”454.

O comando estampado no texto magno não se dirige apenas a isenções de pagamento de taxas, custas e despesas processuais. A letra da Lei, outrossim, expressamente trata de outro tema: o da “assistência jurídica integral e gratuita” aos que, dela necessitando a requererem. Em verdade, o legislador constituinte disciplinou determinação para que o Estado garanta assistência jurídica integral e gratuita a quem necessitar.

Pela Carta, o Estado deve oferecer, para todos quantos precisarem, também o aconselhamento relativo ao comportamento que a pessoa deva ter diante do texto legal, de quais atitudes tomar, que caminhos seguir, assinar ou não um contrato, firmar uma quitação, notificar alguém...

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