Entre a ação política das mulheres e a participação das mulheres na política: o que estamos negligenciando?

AutorSamantha Buglione - Bruna Anziliero
CargoDoutora em ciências humanas, mestre em direito, professora de ética e filosofia do direito, atualmente estuda Goethe e o Mal - Advogada, administradora pública, pós-graduanda em processo civil
Páginas36-60
Periódico do Núcleo de Estudos e Pesquisas sobre Gênero e Direito
Centro de Ciências Jurídicas - Universidade Federal da Paraíba
Nº 01 - Ano 2015
ISSN | 2179-7137 | http://periodicos.ufpb.br/ojs2/index.php/ged/index
36
DOI: 10.18351/2179-7137/ged.2015n1p36-60
Seção: Contextualizando Gênero
ENTRE A AÇÃO POLÍTICA DAS MULHERES E A PARTICIPAÇÃO
DAS MULHERES NA POLÍTICA: O QUE ESTAMOS
NEGLIGENCIANDO?
1
Samantha Buglione
2
Bruna Anziliero
3
Resumo: O presente estudo analisa a
participação política das mulheres a partir de
uma distinção entre ação política e participação
na política. O primeiro sentido, o de ação
política, está, neste estudo, vinculado a autores
como Maquiavel, Arendt e Agamben, enquanto
o segundo, o de participação na política,
vincula-se e destaca o locus da concepção
aristotélica e a estatização que ocorreu na
modernidade. Para realizar a pesquisa fizemos
um levantamento junto às duas revistas
acadêmicas mais antigas de gênero e feminismo
no Brasil: Cadernos PAGU e Revista Estudos
Feministas. O marco teórico é o conceito de
política como liberdade. Por essa razão, tanto o
ato quanto a ação política, estariam para além
da participação em governos, estados,
instituições e movimentos. A hipótese é que ao
se adotar o conceito de ação política como
exclusiva participação em instituições e
governos se está, não apenas a reforçar a
política como algo pertencente a um lugar
(locus), mas a limitar o sentido radical de arte
política. Entre as conclusões observa-se que a
construção teórica brasileira, ao menos o que foi
publicado em revistas confessamente feministas
e de gênero, nos últimos quinze anos, não
contemplou outros matizes de atos e ações
políticas, limitando-se a conceber a participação
e ação política das mulheres como participação
em instâncias de governos ou instituições.
Apesar dos avanços em se politizar questões
tradicionalmente vistas como não políticas, a
exemplo da reprodução e sexualidade e da
violência doméstica, a participação das
mulheres, mesmo nestes temas, só é vista como
política se ocorre dentro dos padrões
1
Este estudo não está vinculado a grupo de pesquisa ou obteve financiamento de agencias de fomento. Resulta,
exclusivamente, do interesse e tempo das suas autoras.
2
Doutora em ciências humanas, mestre em direito, professora de ética e filosofia do direito, atualmente estuda
Goethe e o Mal. E-mail: buglione.s@gmail.com
3
Advogada, administradora pública, pós-graduanda em processo civil. E- mail: brunaanz@gmail.com
tradicionais de um locus previamente eleito
como legítimo. Observa-se que o sentido da arte
política não foi revisitado. Por esta perspectiva
tradicional, política assume um papel
heterônomo e mediado e não autônomo.
Mantém-se, assim, a política como algo de um
locus: a polis; só que agora uma polis secular,
estatizada e jurisdicizada e perde-se, com isso,
a percepção da política como uma capacidade
dos sujeitos, ou seja, como liberdade e arte.
Palavras-chave: participação na política; ação
política, mulher, democracia.
Abstract: This study analysis political
participation of women while drawing a
distinction between political participation and
political action. The former, that of political
action, is in this study related to the writings by
Machiavelli, Arendt and Agamben. The later,
that of participation in politics, is related to and
highlights the idea of locus (or perspective)
conceived by Aristotle and modern day move
towards the state. To obtain our figures we
conducted surveys with the oldest academic
genre and feminism magazines in Brazil:
Cadernos PAGU and Revista Estudos
Feministas. The theoretical framework chosen
is the concept of politics as liberty. Due to this
political acts just as political action would fall
outside participation in government, states,
institutions and movements. The hypothesis is
that while adopting the concept of political
action to mean exclusively the participation in
institutions and government, we are in fact not
only reinforcing the idea that politics is
Periódico do Núcleo de Estudos e Pesquisas sobre Gênero e Direito
Centro de Ciências Jurídicas - Universidade Federal da Paraíba
Nº 01 - Ano 2015
ISSN | 2179-7137 | http://periodicos.ufpb.br/ojs2/index.php/ged/index
37
DOI: 10.18351/2179-7137/ged.2015n1p36-60
something that belongs within a given place
(locus) but it also limits the radical meaning
within political art. In the conclusions we notice
that the Brazilian theoretical construct, as least
as far as it appeared in expressly feminist and
genre publications these last 15 years, did not
take into account other shades of political
participation and actions. They limited
themselves to taking into account the political
participation of women in institutions and
government bodies. Inspite of the advances in
bringing into the political arena matters that are
traditionally seen to be as non political (for
example sexuality and domestic violence),
women’s participation, even in these subjects is
only seen as legitimately political should it
happen within the traditional framework of a
previously elected locus. We have noted that the
meaning of political art has not been revised.
Through this traditional perspective, politics
adopts diverse and mediatory roles but not an
autonomous one. In this way politics remains as
part of a locus: the polis; only now a secular
polis, which gravitates towards the state and in
this way legalised, politics loses its dimension
as an individual’s legal capacity, in other words
as liberty and art.
Key-words: participation in politics, political
action, women, democracy.
Introdução
IMPASSE
A maioria das gentes vive de convicções e não
de ideias. É uma sorte. O homem de ideias
pode por isso mesmo vir a abandoná-las
honestamente por outras, mas o homem de
convicção, nunca! O que não deixa de ser um
azar. Pois sendo as mesmas inabaláveis
convicções que movem este mundo, o resultado
é esse eterno desconcerto.
(Mario Quintana)
Qualquer indagação sobre o
sentido de temas complexos, como o de
política, exige uma resposta tão simples e
conclusiva que todas as outras estariam
dispensadas. É dessa forma que Hannah
Arendt (2002) afirma que o sentido da
política é a liberdade. Pensar a política e a
ação política como liberdade tem
implicações tão determinantes que nos
permite, por exemplo, admitir que a política
é condição para a existência da democracia.
Mas, isso se pensarmos a democracia como
uma guardiã da diversidade, como um
espaço legítimo para a pluralidade, e não
apenas como resultado de um sufrágio.
Além disso, isso redefine o sentido
tradicional de política como um lugar
(locus) associado à existência de autoridade
e de governos (Aristóteles). Estes locus de
poder se redefinem quando se pensa a
política como liberdade porque o próprio
sentido de poder e autoridade se modificam.
Essas concepções são centrais
neste estudo. Igualmente é central a ideia de
que conceber o fenômeno político apenas o
vinculado à participação em espaços
públicos de representação institucional,
sejam eles de governos ou movimentos, é
limitante. Em outras palavras, afirmar que
participação e ação política são sinônimas
ou equivalem a participação na política
(burocrática, de governos ou institucional)
esteriliza o fenômeno político e limita o seu
sentido. Para Arendt (1993; 1999) o
imperativo do temor, que pode ser a

Para continuar a ler

PEÇA SUA AVALIAÇÃO

VLEX uses login cookies to provide you with a better browsing experience. If you click on 'Accept' or continue browsing this site we consider that you accept our cookie policy. ACCEPT