Ação Monitória

AutorManoel Antonio Teixeira Filho
Páginas2670-2698

Page 2670

Seção I - Generalidades
1. Escorço histórico

Na Idade Média, o processo era extremamente intricado, moroso, preso a inúmeras formalidades, que embaraçavam o procedimento. Esse processo não conhecia os princípios que assinalam o processo moderno, em especial o da oralidade, que se traduz na prevalência da palavra oral; na concentração de todos os atos processuais em uma só audiência; na imediação do juiz; na irrecorribilidade das decisões interlocutórias; na identidade física do magistrado, etc.

Já no final do século XII, todavia, concebe-se um outro processo, muito mais simplificado, que foi mais tarde regulamentado pelo Papa Clemente V, por meio da famosa Clementina Saepe, vindo a receber a denominação de processo sumário indeterminado. As características desse processo eram a redução, eliminação e simplificação dos atos processuais, que àquela altura eram exigidos para o processo ordinário (solemnis ordo iudiciorum). Juntamente com o processo sumário indeterminado surge o sumário determinado. Este processo tem sido apontado pela doutrina como a origem remota do moderno processo monitório.

O elemento distintivo do processo monitório, com relação ao sumário indeterminado, reside na possibilidade de o juiz proferir uma decisão de caráter condenatório, ainda que não seja plena, exaustante, a cognição aí realizada pelo magistrado. Convém lembrar que, na terminologia processual, o vocábulo cognição designa a relação que se estabelece entre o juiz, como sujeito cognoscente, e os fatos da causa, como objeto cognoscível. No processo monitório, os fatos se encontram geralmente documentados, motivo por que são os documentos que influenciam, de maneira preponderante, na formação do convencimento jurídico do magistrado, a respeito dos fatos narrados na inicial.

Essa nota característica do processo monitório, sob a perspectiva da cognição, levou Chiovenda a chamar de “declarações com predominante função executiva” as que são emitidas em sede de sentença monitória.

A propósito, o processo sumário determinado - também denominado de processus executivus - poderia ser utilizado por quem pretendesse obter, com rapidez, a satisfação dos

Page 2671

seus créditos representados por documentos. Do processo sumário determinado surgiram três outros, a saber:

  1. o processo de mandatum;

  2. o processo de arresto;

  3. o processo executivo.

    a) De mandatum. Este processo se caracterizava pelo fato de o juiz, antes mesmo de o réu oferecer a sua defesa, determinar, por meio de mandado, que este realizasse a pretensão desejada pelo autor. É interessante registrar que do mandatum poderia constar, ou não, uma cláusula justificativa. O mandato com cláusula (cum clausula) foi instituído no processo comum para atender aos casos em que o direito postulado fosse plausível, motivo por que não se deveria aguardar o oferecimento de exceções, pelo réu. Na hipótese de este não se opor ao mandado, era expedido o mandado sem cláusula (mandatum sine clausula); se, ao contrário, o réu apresentasse oposição (embargos) ao mandado, o procedimento passaria a ser o ordinário.

    O mandato sem cláusula (mandatum sine clausula) somente poderia ser utilizado nas situações em que houvesse uma forte presunção de existência do direito afirmado pelo autor ou em casos de urgência na emissão do mandado.

    Com o passar dos anos, formou-se a praxe de pedir ao juiz a expedição de mandado, sem a citação do réu, mesmo nos casos em que o crédito do autor não estava contido em documento. Esse mandado judicial, que impunha ao réu a prestação solicitada pelo autor, propiciava a este promover a correspondente execução. Esse mandatum de solvendo se justificava segundo a cláusula de que, se o devedor pretendesse oferecer exceções, poderia fazê-lo dentro de determinado prazo. Essa cláusula foi chamada de justificativa.

    b) De arresto. O processo de arresto, adotado pelo direito germâmico (Arrestprozess), possui natureza eminentemente cautelar, razão por que o seu estudo não interessa ao objetivo deste Caderno.

  4. Executivo. Este processo propagou-se em decorrência da intensificação das relações contratuais estabelecidas, nos séculos XII e XIII, nas cidades situadas no norte da Itália. Ocorre que quando o devedor confessasse a dívida, na presença do tabelião, este introduzia no documento de crédito o praeceptum guarantigiae, que permitia a execução aparelhada. Tempos depois, a possibilidade dessa execução foi estendida para os documentos públicos em geral e, ainda, para os documentos privados, desde que possuíssem a cláusula executiva.

    A contar do século XVII, no processo cameral alemão, permitiu-se a expedição do mandado sem cláusula (mandatum sine clausula) sempre que o devedor oferecesse documento público contendo a cláusula executiva.

    Foi do processo sumário executivo (processus sumarius executivus) que derivou o processo monitório dos tempos atuais.

    Page 2672

2. Conceito

O conceito de ação monitória pode ser tomado, em larga medida, ao próprio art.
1.102-A do CPC: a) é a ação, b) de conteúdo cognitivo, c) submetida ao procedimento especial de jurisdição contenciosa, d) mediante a qual a parte pretende obter a satisfação de um crédito, e) representado por documento f) destituído de eficácia executiva.

  1. Ação. A monitória consiste em ação e, como tal, traduz o direito público subjetivo, de natureza constitucional (CF, art. 5.º, XXXV), pelo qual alguém, atendidas as respectivas condições previstas em lei (legitimidade, interesse processual e possibilidade jurídica do pedido), invoca a prestação da tutela jurisdicional do Estado, com vistas à satisfação de um bem ou de uma utilidade da vida.

  2. Conteúdo cognitivo. Pudemos definir, em linhas anteriores, a cognição como a relação que se forma entre o juiz (sujeito cognoscente) e os fatos da causa (objeto cognoscível). Sob esse ângulo, devemos dizer que a cognição está presente em todos os processos: de conhecimento, de execução e cautelar. O que se passa é que, no primeiro, ela se manifesta de maneira intensa, sendo ampla, do ponto de vista horizontal (extensão) e exaustante, sob o aspecto vertical (profundidade); daí o motivo por que se convencionou denominar de cognitivo esse processo.

    Nos processos de execução e cautelar, embora também haja cognição, esta é menos ampla e profunda, pela própria natureza desses processos.

    Sendo assim, não se pode negar que também na ação monitória haja cognição. O que se discute, em doutrina, é se essa “carga” cognitiva é suficiente para introduzir a referida ação nos domínios do processo de conhecimento. Se considerarmos que se tem reconhecido, tradicionalmente, a existência de três processos: conhecimento, execução e cautelar, devemos concluir que a ação monitória pertence ao primeiro, pois a cognição será estabelecida no tocante aos fatos da causa, materializados em documentos, ou seja, em prova preconstituída. É evidente que se trata de um processo cognitivo sui generis, que não se ajusta, por inteiro, aos moldes clássicos. Justamente por essa peculiaridade é que alguns estudiosos têm considerado a ação monitória como um terceiro gênero (tertium genus), colocando-a entre os processos de conhecimento e de execução.

    c) Procedimento especial. O procedimento constitui o conjunto de atos, geralmente preclusivos, praticados pelas partes, pelo juiz, pelo Ministério Público, por auxiliares do juízo e por terceiros interessados, que se desenvolvem de forma legalmente preordenada, em direção à sentença de mérito, que solucionará o conflito de interesses. É o rito processual, por assim dizer. O processo, por sua vez, é o método, a técnica, o instrumento de que se vale o Estado para prestar a tutela jurisdicional invocada pela parte.

    No âmbito do CPC, o procedimento é comum ou especial: aquele se subdivide em ordinário, sumário; este compreende os de jurisdição contenciosa (CPC, arts. 890 a 1.102-C) e os de jurisdição voluntária (CPC, arts. 1.103 e 1.210). A doutrina tem lançado justas críticas à expressão “jurisdição voluntária”, por entender que, no caso, não há jurisdição,

    Page 2673

    mas simples administração pública de interesses privados; e nada tem de voluntária, pois a atuação do juiz não pode ser realizada ex officio, senão que mediante provocação do interessado (CPC, art. 2.º). Demais, não há, aqui, processo, mas procedimento; nem partes, mas interessados. No processo do trabalho, o procedimento compreende, basicamente, o ordinário e o sumaríssimo, ambos previstos na CLT. Certo segmento da doutrina, contudo, sustenta a existência de um terceiro procedidmento, o sumário, instituído pela Lei
    n. 5.584/70.

    Seja como for, a ação monitória integra, tecnicamente, o elenco dos procedimentos especiais de jurisdição contenciosa - expressão que, por seu turno, revela...

Para continuar a ler

PEÇA SUA AVALIAÇÃO

VLEX uses login cookies to provide you with a better browsing experience. If you click on 'Accept' or continue browsing this site we consider that you accept our cookie policy. ACCEPT