Ação Declaratória Incidental de Inconstitucionalidade

AutorAdailson Lima e Silva
Ocupação do AutorBacharel em Direito pela Universidade Federal de Uberlândia (UFU)
Páginas117-177

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3.1. Surgimento da ação declaratória

O surgimento da ação declaratória é controvertido na doutrina pátria e alienígena, pairando as divergências quanto ao seu alcance e ao ordenamento jurídico do qual se originou.

No Brasil, Edson Prata,1 representante da escola de processualis-tas do Tiângulo Mineiro, informa que os precedentes da ação declaratória advêm do Direito romano, de forma mais precisa do Período das Legis Actiones, quando leciona: "Trata-se do primeiro período do sistema de justiça privada romana. Surgiu provavelmente com as primeiras manifestações do sentimento de direito do povo romano e se corporificou, em definitivo, com a Lei das XII Tábuas". E encerra dizendo: "Podemos dividir as ações da lei em declaratórias e executivas. São declaratórias: a) per sacramentum, por aposta sacramental; b) iudicispostulatio, ou petição de juiz; c) per conditionem, ou pedido de prazo".

Na Argentina, sustenta Guillermo J. Enderle que seu nascedouro foi no Direito Egípcio, com estas considerações: "Los primeros antecedentes de la figura em estúdio los hallamos em los documentos judiciales greco-egipcios".2

Na Itália, Giuseppe Chiovenda entende que a origem da ação declaratória ocorreu de forma bifronte, citando para tanto o Direito romano ao lado do Direito egipício, quando doutrina: "Nel processo clássico servivano a questo scopo le formulae praeiudiciales o praeiu-dicia". E termina: "Quanto ai documenti giudiziali greco-egizi essi ci presentano esempi di tipiche azioni d'accertamento".3

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Na Alemanha, Weismann,4 citado por Prieto Castro,5 faz um brilhante estudo sobre as origens e conteúdo da ação declaratória, quando leciona: "Casos especiales de declaración ofrece algunos el Derecho germânico: a) El litigio entre pretendientes... b) Provocatio ad agendum... c) Obtención de seguridad". Continua: "El derecho franco: a) procedimiento inquisitorial... b) procedimientos que se ha encontrado en algunos documentos (...) solicitándose su reconoci-miento (...) renovado el documento en que constaban en el mismo plazo, so pena de extinción del crédito y de la caducidad del titulo". E termina: "El Derecho italiano: a) Las acciones as silentium imponi... b) Confirmación judicial... c) Acción de nulidad (querella nullitatis) (...) f) La demanda incidental... g) La provocación singular que hemos visto antes para la renovación de los títulos de deuda... h) Publicatio testium... i) El procedimiento provocatorio... j) las provocaciones especiales ex lege diffamariy lex si contendat. Son el llamado litigio entre pretendientes y la apelación extrajudicial".

Apenas por entendê-la como a mais completa e a mais cientificamente defensável dentre as pesquisadas, passaremos a tecer alguns comentários sobre a doutrina de Weismann, acima mencionado, da forma que se segue:

3.1.1. As ações prejudiciais

Duas facções doutrinárias disputam a primazia de terem encontrado a origem das ações declaratórias. Ambas têm origem alemã, como demonstraremos a seguir.

Uma corrente é liderada por Weismann,6 com sua "Die Fes-tellungsklage", que se traduz do alemão para o português por "ação declaratória", que sustenta a origem miscigenada, a origem mesclada da ação declaratória, fundindo institutos e princípios de várias culturas jurídicas para chegar ao que chamamos hoje de ação declaratória,

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disciplinada pelo art. 4o, como também pelos arts. 5o e 325 do Código de Processo Civil.

Outra facção doutrinária é liderada por Degenkolb,7 com exposição feita na obra "Einlassungszwang und Urteilsnorm", cuja tradução para o vernáculo é "Intervenção coativa e força normativa da sentença", que assevera que a ação declaratória se originou dos prae-judicia do Direito romano.

A segunda corrente, ou seja, a liderada por Degenkolb, na obra acima mencionada, tem em solo brasileiro seguidores de nomeada, dentre eles podem ser citados Alfredo Buzaid,8 como líder pátrio desta corrente de pensadores, em sua Ação declaratória, que sustenta: "A despeito do brilho com que foi sustentada, esta opinião não merece acolhida. A existência das formulae et actiones praeiudiciales, no direito romano clássico, denota claramente que, além da tutela judicial posterior à violação do direito, existia uma forma autônoma, sem con-demnatio e composta somente de intentio, denominada praeiudicium, consistente em um juízo normativo de eventual juízo sucessivo, aplicado nas situações ou questões de estado e nas mais variadas hipóteses de incerteza jurídica. Os romanos não só tiveram consciência da função declaratória das ações prejudiciais, mas as distinguiram das ações de condenação".

Na mesma linha o entendimento de Celso Agrícola Barbi,9 no compêndio Ação declaratória principal e incidente, quando leciona: "As fórumlas prejudiciais não existiam, porém, apenas como juízos preparatórios de outros a serem decididos, mas também como questões principais e independentes de quaisquer outras. Segundo Chioven-da, são numerosos os casos obtidos nas fontes romanas em que os praejudicia constituíam casos típicos de ação declaratória, tal como hoje é admitida".

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Acompanhando o mesmo raciocínio estão Adroaldo Furtado Fabrício,10 Ada Pellegrini Grinover11 e João Batista Lopes.12

Não obstante, ousamos discordar da doutrina retromenciona-da, pois o próprio Alfredo Buzaid, na sua Ação declaratória, leciona: "O direito brasileiro, em face desse instituto, deu-lhe um tratamento diverso do que é dispensado na França, na Itália, na Inglaterra e noutros países da Europa. Enquanto lá só pode ser declarada a usucapião quando o réu exerce o direito de defesa, o Brasil deu um passo adiante, atribuindo ao possuidor uma aço tendente a declarar a aquisição da propriedade".

Na mesma linha de raciocínio, Celso Agrícola Barbi,13 no compêndio Ação declaratória principal e incidente, informa: "Ao elaborar-se o Código Processual para o Império alemão, foram abandonados esses Juízos, sendo a lacuna preenchida pela introdução da ação declaratória. A origem desta nesse Código não deve, porém, ser buscada na actio praejudicialis romana, nem nos juízos provocatórios. O direito processual francês usava, tradicionalmente, um tipo de ação destinada ao reconhecimento de escritos e títulos — action em reconnaissan-ce d'ecrit ou de titre —, a qual se encontrava na Ordenança de Villers-Cotterets, de agosto de 1539, no § 92, e essa ação foi introduzida na Alemanha na segunda metade do século XVI".

Logo, se na Alemanha a ação declaratória não advém das ações prejudiciais, porém das ações de reconhecimento francesas; se a ação de usucapião é exemplo de ação declaratória, como menciona o saudoso Prof. Alfredo Buzaid; se, na verdade, a ação de usucapião não retrata uma descendente das "ações prejudiciais", mas caso típico de "litígio entre pretendentes" de um bem corpóreo, logo nem toda ação declaratória teve origem nas ações prejudiciais.

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As evidências doutrinárias estão a indicar a origem multipro-cesssual da ação declaratória hoje vigente no Brasil, advinda de vários ordenamentos processuais oriundos de diversas nações.

Posto isto, entendemos, com a devida "venia", que as formulae praeidiciales eram ações que não tinham cunho condenatório, na verdade, tratava-se de requisitos...

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