Ação civil pública

AutorRaimundo Simão de Melo
Ocupação do AutorAdvogado e Consultor Jurídico
Páginas166-314

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1. Considerações preliminares

O primeiro texto legal a tratar da Ação Civil Pública no sistema processual brasileiro foi a Lei Complementar n. 40/81 (Lei Orgânica Nacional do Ministério Público), de forma ainda muito restritiva. A Lei n. 7.347/85, numa visão mais progressista, ampliou consideravelmente o seu objeto e o rol de legitimados ativos. A Constituição Federal de 1988 alçou-a como instrumento de cidadania, destinado à defesa de quaisquer interesses metaindividuais da sociedade.

Na Justiça do Trabalho, depois de algum tempo, vem-se desenvolvendo esse importante instrumento de cidadania, porque a seara trabalhista é um dos campos mais férteis para a defesa coletivizada de direitos e interesses metaindividuais em razão da patente desigualdade entre empregados e empregadores, além de outras peculiaridades que inibem a atuação individualizada dos trabalhadores.

Reconhecidamente, a concepção individualista liberal marcou a atuação da Justiça do Trabalho por muitos anos, acostumada que foi a julgar a tradicional reclamação trabalhista, inicialmente com bastante atuação do jus postulandi das partes. Na Justiça do Trabalho o trabalhador procura a reparação dos seus direitos violados, na maioria flagrante dos casos, depois de rescindido o contrato de trabalho, quando, então, premido por necessidades alimentares e outras decorrentes do desemprego e diante da conhecida e insuportável demora da solução judicial, submete-se a transações quase sempre desvantajosas.

Após o advento da Constituição Federal de 1988, que alterou as funções do Ministério Público do Trabalho e, mais precisamente, com a Lei Complementar n. 75/93, que as regulamentou, é que começaram a ser ajuizadas ações coletivas preventivas para defesa de interesses difusos, coletivos e individuais homogêneos no âmbito dessa Justiça especializada. A partir de então, iniciaram-se grandes polêmicas sobre a aplicação dos novos institutos processuais, sendo que a primeira delas disse respeito ao cabimento da Ação Civil Pública trabalhista, rejeitada por alguns, até mesmo por membros do Parquet trabalhista, que diziam não caber essa ação na Justiça do Trabalho. Foi preciso, para acabar com a descabida celeuma, que a Lei Complementar n. 75/93 estabelecesse explicitamente sobre o seu cabimento na esfera trabalhista, dizendo o art. 83 e inc. III que:

“Compete ao Ministério Público do Trabalho o exercício das seguintes atribuições junto aos órgãos da Justiça do Trabalho: ... promover a Ação Civil Pública no âmbito

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da Justiça do Trabalho, para defesa de interesses coletivos, quando desrespeitados os direitos sociais constitucionalmente garantidos.”

Assim, devido à proliferação dos conflitos na complexa relação entre capital e trabalho, bem como a criação de novos direitos sociais para os trabalhadores (CF, arts. 7º usque 11), avulta a necessidade da instituição de novos e eficazes mecanismos de tutela desses direitos. O Inquérito Civil, em âmbito administrativo, e a Ação Civil Pública, no âmbito da Justiça do Trabalho, surgem, nos dias atuais, como instrumentos efetivos de defesa dos interesses e direitos difusos, coletivos e individuais homogêneos1 (art. 81 e seguintes do CDC).

Nelson Nery Junior tem a seguinte opinião sobre a Ação Civil Pública trabalhista:

“A Ação Civil Pública, expressão que, diante do direito positivo vigente, é sinônima de ação coletiva, pode ser ajuizada na Justiça do Trabalho, com base no sistema constitucional e legal brasileiro. O sistema da CLT mostra-se, hoje, insuficiente para atender à demanda dos direitos transindividuais de natureza trabalhista, razão pela qual cada vez mais estão sendo ajuizadas ações cole-tivas, de variada ordem, na Justiça do Trabalho.”2

Contudo, a Ação Civil Pública, por se tratar de instrumento de defesa dos interesses da sociedade, de caráter ideológico, ainda tem sido encarada por alguns operadores do direito, em especial na esfera trabalhista, mediante uma visão preconceituosa. Isso tem inibido, de certa forma, a sua utilização pelos demais legitimados concorrentes, em especial os sindicatos profissionais, que enfrentaram por muito tempo a rejeição jurisprudencial no que diz respeito ao instituto da substituição processual, o que só recentemente foi superado pela jurisprudência do STF, depois acompanhada pelo TST. A substituição processual é um instrumento que se destina à coletivização da solução de conflitos de interesse no âmbito individual, quando ocorrentes lesões de origem comum, atingindo mais uma vítima, como se verá no Capítulo V deste trabalho, no qual se abordará especificamente esse importante tema. Se em relação ao histórico instituto da substituição processual sempre houve rejeição quanto à atuação sindical, no que diz respeito à Ação Civil Pública para tutela de direitos difusos e coletivos, a situação sempre foi e continua sendo pior.

2. Finalidade da Ação Civil Pública

A Ação Civil Pública, como espécie das ações coletivas, tem por finalidade proteger os direitos e interesses metaindividuais — difusos, coletivos e individuais homogêneos — de ameaças e de lesões.

Destaca-se sua importância porque tais direitos são bens do povo e, por isso, constituem interesse público primário da sociedade, que, na maioria das vezes, não podem ser tutelados individualmente porque o cidadão é quase sempre um

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hipossuficiente que não dispõe de condições técnicas, financeiras e até psicológicas para enfrentar os poderosos em demandas que duram muitos anos perante o Judiciário. Em outros casos, nem mesmo compensa a atuação individualizada diante do baixo valor econômico...

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