O Abuso do Poder Econômico como Causa Petendi da Ação Constitucional de Impugnação de Mandato Eletivo

AutorMarco Antonio da Silva
CargoAdvogado Eleitoral
Páginas323-338

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Revista Logos | Edição 1/2015

O Abuso do Poder Econômico como Causa Petendi da Ação Constitucional de Impugnação de Mandato Eletivo

Marco Antonio da Silva Marco Antonio da Silva. É Advogado Eleitoral; Bacharel e Mestre em Direito pela Universidade Católica de Santos – UniSantos; Professor de Direito Constitucional da Universidade Paulista – UNIP; Professor de Direito Eleitoral da Escola Superior da Advocacia
– ESA/SP; Secretário de Assuntos Jurídicos da Comissão Executiva Estadual do Partido Socialista Brasileiro – PSB de São Paulo; Coordenador da Coordenadoria de Ensino Técnico, Tecnológico e Profissionalizante do Governo do Estado de São Paulo; Conselheiro Suplente do Conselho de Desenvolvimento da Região Metropolitana da Baixada Santista
CONDESB e Membro Titular da Comissão de Relações Internacionais da OAB/SP.

Resumo

O presente artigo versa sobre o abuso do poder econômico como causa de pedir da Ação Constitucional de Impugnação de Mandato Eletivo. Trata do abuso do poder econômico como elemento poluidor do processo eleitoral trazendo suas formas características apontadas pela doutrina e jurisprudência. Versa sobre a relação entre a ocorrência do abuso econômico e o manejo da Ação Constitucional, bem como do objeto tutelado pela Ação e da efetividade do art. 14, § 10, da Constituição Federal, ainda que a norma constitucional esteja carente de regulamentação própria. Analisa a Ação Constitucional de Impugnação de Mandato Eletivo como remédio apresentado pela Norma Magna para combater o desvirtuamento do processo eleitoral, seu desequilíbrio e garantir a higidez e a legitimidade do resultado do pleito.

Palavras-chaves: Direito Eleitoral. Abuso do Poder Econômico. Eleições. Ação Constitucional de Impugnação de Mandato Eletivo. Poluição Eleitoral.

Abstracto

Este artículo trata sobre el abuso del poder económico como la causa de la acción constitucional del impugnación del mandato electivo. Lo abuso del poder econômico como elemento contaminador del proceso electoralcon lo que sus formas características indicadas por la doctrina y la jurisprudência. También se ocupa de la relación entre el abuso económico y la gestión de la Acción Constitucional, así como el objeto protegido por la acción y la eficacia del art. 14, § 10, la Constitución Federal, a pesar de la disposición constitucional que se carece de regulación propia. Analiza la acción Constitucional del impugnación del mandato electivo como un remedio presentado por Norma Magna para combatir la distorsión del proceso electoral y para asegurar la solidez y legitimidad de los resultados de las elecciones.

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Palabras clave: Derecho Electoral. Abuso del Poder Económico. Elecciones. Acción Constitucional del Impugnación del Mandato Electivo. Contaminación Electoral.

1. Introdução

A República Federativa do Brasil vive o mais longo e sustentável período democrático. Com eleições periódicas os brasileiros já se acostumaram a escolher os seus representantes, em que pese o índice de alienação eleitoral nos diversos pleitos realizados no vasto território brasileiro, seja nas eleições gerais, seja nas eleições locais. Porém, algo desmotiva o cidadão quando o assunto é política, mas a democracia brasileira não está em crise.

Naturalmente, no Estado Democrático e Social de Direito as eleições devem ocorrer de maneira pacífica e livre, isto é, sem qualquer interferência ilícita na vontade do eleitor, para que assim não seja afetada a higidez do processo eleitoral e a soberania da vontade popular. Evitando-se o desvirtuamento do legítimo resultado do pleito.

A democracia convive com diversos elementos sociais, dentre eles com o sistema econômico vigente em cada Estado, bem como com a cultura econômica de cada povo. Os grupos de interesses e de Pressão são figuras presentes no processo eleitoral. O Poder econômico apresenta-se firmemente como elemento poluidor. A par disso, Hans Kelsen já analisava, ao seu tempo, em sua distinta obra “A Democracia”, a interface entre democracia e economia observando os sistemas econômicos, socialista e capitalista, com relação à democracia. Verifica-se, assim, a existência de umbilical relação entre o sistema de governo e o sistema econômico, ou melhor, entre o sistema democrático e os sistemas econômicos que notoriamente até pouco tempo rivalizavam.

Superada a fase do socialismo, ainda que existente em poucos Estados é notório que os partidos políticos, mesmo os socialistas, cresceram sob a égide do sistema capitalista e, por sua vez, o político passou a não mais se sobrepor ao econômico, especialmente no que se refere à concorrência pelo Poder Estatal.

Este sintético estudo aborda essa realidade em que o poder econômico cada vez mais influência a aquisição do poder político/estatal, especialmente nas disputas eleitorais. Seja pala importância dos investimentos em propaganda eleitoral; seja pela importância da contratação de pessoal; seja, ainda, pelos recorrentes abusos econômicos de diversas espécies que possuem o condão de influenciar, ou mesmo determinar, o resultado das eleições.

O Estado Democrático, quando também capitalista, possibilita a concorrência não só no mercado, mas, igualmente, nas disputas políticas. No socialismo concentra-se o

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poder em determinada pessoa ou grupo, uma vez que o Poder político se sobrepunha ao poder econômico; no capitalismo o poder político é o objeto da disputa, sendo o poder econômico um dos instrumentos mais eficazes de contribuição na escalada em busca do Poder político/estatal.

Com isso, os abusos econômicos em eleições no Brasil ocorrem desmedidamente e há décadas, desde a época em que o voto de cabresto perdeu intensidade.

Mesmo com a promulgação da Constituição de 1988 pode-se afirmar que os abusos econômicos continuam recorrentes, em especial nos quintões mais longínquos e pobres desta nação. Contudo, hodiernamente existem instrumentos jurídicos idôneos, efetivos e eficazes ao combate de tais abusos, sendo o de mais elevado grau a Ação Constitucional de Impugnação de Mandato Eletivo.

Os abusos ocorrem porque o Estado Democrático possibilita em prestígio as liberdades, que o cidadão utilize dos instrumentos lícitos que estejam ao seu alcance para atingir suas pretensões. Deveras, o abuso do poder econômico é em linhas gerais abuso do direito – uso excessivo do que é aparentemente lícito –, pois todos possuem a possibilidade de investir em suas campanhas, mas a forma como o numerário é captado ou utilizado, bem como sua quantidade e origem, podem configurar o abuso ora tratado, podendo incidir, ainda, em razão de inobservâncias formais das normas de direito eleitoral, observando-se a gravidade das circunstâncias, sendo desnecessário a potencialidade para afetar a lisura e a normalidade das eleições, conforme preceitua o art. 22, XVI, da LC nº 64/90.

2. A configuração do Abuso do Poder Econômico

Fato comum em campanhas eleitorais é a omissão nas prestações de contas do fluxo financeiro, arrecadações e gastos, de candidatos. Deveras, a movimentação financeira de candidatos deve ocorrer através de conta corrente específica aberta em instituição financeira nos termos da legislação eleitoral.

Toda a movimentação financeira deve ser informada à Justiça Eleitoral mediante declarações de contas. Tais prestações são disponibilizadas à população como forma de controle social exercido pelo povo, uma vez que é prerrogativa do eleitor não só verificar às propostas do candidato, mas também sua vida pregressa, bem como suas fontes de “financiamento” de campanha.

A legislação articula procedimentos para gastos e arrecadações. Apenas a título de exemplo os pagamentos devem ser efetuados mediante cártulas de cheques vinculadas à conta corrente, com emissão de nota fiscal, bem como todos os gastos e recursos arrecadados, ainda que doações ou estimados, devem ser computados nas prestações

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de contas dos candidatos a serem destinadas à Justiça Eleitoral como forma de controle judicial e social das arrecadações e despesas de campanhas (accountability).

Ocorre que, o candidato, muitas das vezes, seja em razão de seus “patrocinadores” não figurarem nas prestações de contas, seja em razão da utilização de dinheiro oriundo de fontes ilícitas ou vedadas2, efetua subdeclarações, deixando, assim, de fazer constar parte ou, grande parte, dos recursos arrecadados e/ou das despesas realizadas.

Subdeclarações concernentes ao número de cabos eleitorais; despesas com combustível, propaganda, locação de imóveis, uniformes, alimentação e tantas outras são comuns e verificáveis pela incompatibilidade da propaganda realizada, dos instrumentos e mão-de-obra utilizados, em comparação com as arrecadações e gastos declarados.

Por essas razões, as prestações de contas parciais não podem ser tidas como insignificantes ou inúteis, pois necessárias ao exercício do controle social, bem como efetivam o princípio jurídico da transparência. As prestações de contas são instrumentos idôneos para observar flagrante desigualdade de oportunidades entre partidos políticos e candidatos. Aliás, tal desigualdade é facilmente observada empiricamente pelos eleitores quando do início do período de propaganda eleitoral, período este em que o poder econômico fica mais evidente.

Gilmar Ferreira Mendes ensina:

“A importância do princípio da igualdade está em que sem a sua observância não haverá possibilidade de se estabelecer uma concorrência livre e equilibrada entre os partícipes da vida política, o que acabará por comprometer a essência do próprio processo democrático”. (MENDES, 2012, pag. 599)

As omissões quando oportunizada prestação de contas não podem ser encaradas como simples...

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