Abordagens educativas, extensão rural e agricultura familiar em Biguaçu-SC

AutorCíntia Uller-Gómez - Reney Dorow - Lilian de Pellegrini Elias - Carolina Gartner
CargoDoutora em Ciências Humanas pela Universidade Federal de Santa Catarina, Florianópolis, Santa Catarina, Brasil - Mestrando em Agronegócios pela Universidade Federal do Rio Grande do Sul, Porto Alegre - Acadêmica de Economia pela Universidade Federal de Santa Catarina, Florianópolis - Mestre em Agroecossistemas pela Universidade Federal de ...
Páginas287-321
http://dx.doi.org/10.5007/1807-1384.2013v10n1p287
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ABORDAGENS EDUCATIVAS, EXTENSÃO RURAL E AGRICULTURA FAMILIAR EM
BIGUAÇU, SC
Cíntia Uller-Gómez1
Reney Dorow2
Lilian de Pellegrini Elias3
Carolina Gartner4
Resumo:
O artigo apresenta o esforço de adaptação, aplicação e descrição do processo de
“Investigação Temática” (FREIRE, 1975) associado aos Momentos Pedagógicos
(DELIZOICOV, 1991) como base para a elaboração de programas de extensão rural
uma conjugação até então usada apenas na área de ensino de ciências. O trabalho foi
realizado com comunidades rurais de Biguaçu, no litoral de Santa Catarina, tendo como
objetivo inicial compreender os motivos da pouca participação da população nas
atividades propostas pelos agentes de extensão rural e dos conflitos entre famílias.
Apontamos o “mercado” como tema unificador, que sintetiza um conjunto de “temas
geradores”: a) áreas de preservação permanente e floresta inclui a produção
clandestina de carvão vegetal até então ignorada pelos órgãos de assistência técnica; b)
o uso intenso de agrotóxicos em alguns cultivos; c) a segurança alimentar; d) a
assistência técnica. Concluímos que o fato de não se abordar os temas da população é
uma das principais causas da pouca participação e sugerimos um exemplo de programa
para iniciar o trabalho a partir do tema gerador relacionado à floresta. Com base nas
discussões geradas durante a pesquisa e nos desdobramentos do tema proposto em
atividades que incluem experimentos a campo com floresta e com aipins, diálogo com
órgãos ambientais, legalização da atividade carvoeira e busca de mercados diferenciados,
concluímos que a abordagem utilizada representa, de fato, um potencial para os trabalhos
de extensão rural e alertamos para a necessidade de formação em serviço e de inserção
desse tipo de conteúdo nos currículos das ciências agrárias.
Palavras-chaves: Agricultura familiar. Extensão. Tema gerador. Momentos pedagógicos.
Carvão vegetal.
1 Doutora em Ciências Humanas pela Universidade Federal de Santa Catarina, UFSC, Florianópolis, Santa
Catarina, Brasil. Analista Técnico em Gestão Ambiental da Fundação do Meio Ambiente, Gerência de
Licenciamento Agrícola e Florestal, Florianópolis, Santa Catarina, Brasil. E-mail: cintiaug@gmail.com
2 Mestrando em Agronegócios pela Universidade Federal do Rio Grande do Sul, Porto Alegre, Rio Grande
do Sul, Brasil, no Centro de Estudos e Pesquisas em Agronegócios, Bolsista EMBRAPA. Pesquisador no
Centro de Socioeconomia e Planejamento Agrícola, da Empresa de Pesquisa Agropecuária e Extensão
Rural de Santa Catarina E-mail: reney@epagri.sc.gov.br
3 Acadêmica de Economia pela Universidade Federal de Santa Catarina, Florianópolis, Santa Catarina,
Brasil. Bolsista CNPq da Rede Sul Florestal no Centro de Socioeconomia e Planejamento Agrícola da
Empresa de Pesquisa Agropecuária e Extensão Rural de Santa Catarina. E-mail: lilianpellegrini@gmail.com
4 Mestre em Agroecossistemas pela Universidade Federal de Santa Catarina, Florianópolis, Santa Catarina,
Brasil. E-mail: cgartner5@yahoo.com.br
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1 Introdução
Neste artigo, temos o propósito de apresentar e discutir o uso de abordagens
educativas como base para a elaboração de programas de extensão rural. Discutimos,
especificamente, o processo de Investigação Temática proposto por Paulo Freire em
Pedagogia do Oprimido (FREIRE, 1975) associado aos Momentos Pedagógicos,
propostos por Delizoicov (1991), como referenciais plausíveis para basear programas de
intervenção rural que visem à busca da autonomia da população. Quer-se assim contribuir
ao debate da extensão rural com elementos teórico-práticos que têm sido usados e
muitos discutidos na área de educação em ciências.
A discussão está baseada em resultados de uma pesquisa realizada entre 2007 e
2008 (ULLER-GÓMEZ & GARTNER, 2008)5 nas microbacias rurais de São Mateus e de
Fazendas, no município de Biguaçu, no litoral de Santa Catarina, cujo objetivo era
compreender os motivos da pouca participação da população nas atividades propostas
pelos agentes de extensão rural e dos conflitos entre famílias, e sugerir propostas para
melhorar essa participação. Amparamo-nos também em resultados de um processo de
pesquisa-ação interinstitucional que foi deflagrado a partir dessa pesquisa e se estende
até os dias atuais.
Para atender ao objetivo proposto, este texto contém, além desta introdução, as
seguintes seções: a) uma discussão acerca da demanda atual sobre o aprofundamento
teórico sobre abordagens educativas apropriadas ao processo de extensão rural; b) a
apresentação da abordagem metodológica utilizada e dos procedimentos efetuados em
campo; c) a apresentação e discussão do processo empreendido e dos resultados
obtidos; d) uma sugestão de programa de ação para as comunidades investigadas; e)
conclusões acerca do método proposto e um relato dos encaminhamentos, avanços e
possibilidades a partir da pesquisa iniciada em 2007.
2 A demanda por uma abordagem educativa na extensão rural
5 Essa pesquisa foi realizada em forma de consultoria para o Projeto de Recuperação Ambiental e de Apoio
ao Pequeno Produtor Rural PRAPEM/Microbacias 2, um projeto do Governo do Estado de Santa Catarina
cuja principal executora foi a Empresa de Pesquisa Agropecuária e Extensão Rural de Santa Catarina
Epagri.
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No Brasil, os serviços de extensão rural originaram-se no final da década de 1940,
em Minas Gerais, com o objetivo de promover a melhoria das condições de vida da
população rural e apoiar o processo de modernização da agricultura.
Esses serviços foram inseridos na política de industrialização do país, para a qual
seria necessária a modernização da agricultura com a intenção de aumentar a
produtividade agrícola, substituir importações, gerar matéria-prima e liberar mão-de-obra
para a indústria. Esse processo, pautado na valorização extrema do conhecimento
técnico-científico e na desvalorização do saber dos agricultores, levou à produção e
divulgação de tecnologias agrícolas a partir do que ficou conhecido como “padrão
tecnológico moderno”, difundido nos países centrais nas décadas de 1920/1930, e nos
países periféricos a partir de 1960, através do que se convencionou chamar de
“Revolução Verde”.
De acordo com Müller (2001), os defensores da modernização da agricultura se
apoiavam nas previsões malthusianas de escassez de alimentos em função do
crescimento geométrico da população mundial. Nesse contexto, conforme relata a mesma
autora, a pesquisa agropecuária, o crédito rural e a assistência técnica e extensão rural
foram oficialmente considerados fatores-chave para a modernização da agricultura
brasileira. Paralelamente ocorreu a introdução do ensino, nos cursos de ciências agrárias,
de conteúdos que capacitassem os profissionais egressos a trabalhar dentro da proposta
de agricultura que se queria implantar: difundir pacotes tecnológicos e conseguir crédito
para esse fim.
Leal e Braga (1997, p.278) ao analisarem a gênese do ensino de “extensão rural”
na Universidade de Viçosa, estado de Minas Gerais a primeira escola de Ciências
Agrárias da América Latina que teve o conteúdo de “extensão rural” incorporado ao
currículo constataram que os conteúdos e as metodologias de ensino utilizados podem
ser agrupados em períodos diretamente relacionados às “estruturas econômicas e
políticas da agricultura e com a história da própria Extensão Rural no Brasil”. Seiffert
(1990), por sua vez, ao analisar os serviços de extensão rural no estado de Santa
Catarina ressalta que sempre houve o entendimento de que o desenvolvimento do espaço
rural dependia, necessariamente, de fatores exógenos, incluindo a incorporação de novos
valores pela população em questão.

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