Abandono familiar

AutorJadir Cirqueira de Souza
Páginas75-81

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É sabido que no ventre materno a criança pode sofrer seqüelas irreversíveis na sua saúde física e mental. Entretanto, o trabalho será desenvolvido a partir do nascimento com vida. O início da vida humana produz intermináveis discussões acadêmicas e filosóficas, sociológicas e jurídicas. São múltiplos os fundamentos. O objeto do presente capítulo é mais simples, entretanto.

O abandono material e moral, a omissão ou a negligência dos pais, da sociedade e do Estado são as primeiras formas de lesão e/ou violação dos iniciais direitos de qualquer recém-nascido. É a partir delas que se projetam as demais, uma vez que à medida que a criança aumenta sua idade, ao lado das tímidas e insuficientes ações governamentais, diversificam-se, de forma crescente, as ações e os mecanismos de lesão dos novos direitos.

Preliminarmente, é preciso relembrar que ainda com expressivo apoio de significativa parcela da população e das autoridades públicas, que não conhecem os graves efeitos e conseqüências, como uma das perversas formas de manutenção do abandono familiar, serão discutidas as questões relativas à continuidade do processo de institucionalização das crianças e dos adolescentes nos abrigos, praticada, ainda, nos mesmos moldes dos orfanatos, asilos e sistemas de segregação infantil do início do século XIX. Portanto, ao invés de enfrentar os problemas e fortalecer a família, ainda pratica-se a institucionalização das crianças e dos adolescentes. É uma das formas perversas de manutenção dos graves problemas vividos pela comunidade infanto-juvenil pobre, sobretudo aquela abandonada pela família, pela sociedade e pelo Estado.

De outro lado, as estatísticas oficiais não são conclusivas a respeito do número de lesões ou mesmo da quantidade e/ou qualidade dos principais mecanismos de violação. Por esse motivo, os números apresentados não espelham a dura realidade da vida das crianças brasileiras, principalmente as mais carentes, que moram nas favelas, periferias e na zona rural e que, algumas vezes, portanto, sequer integram as cifras ou estatísticas governamentais. É possível que os resultados sejam piores em que pese a seriedade de algumas das fontes oficiais. Entretanto, a discussão sobre a metodologia, confiabilidade e demais dados não servem para esconder ou diminuir os efeitos da dura realidade social infantil. Assim, os dados que serão apresentados foram colhidos particularmente dos sítios oficiais do governo federal, da doutrina jurídica e da imprensa.

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No plano científico mais específico, DESLANDES destaca que as violências física, sexual e psicológica, o abandono intencional e a negligência são as principais formas de violação dos direitos das crianças em tenra idade.1Ao retornar ao ponto central, observa-se que a primeira forma de violação dos direitos, objeto da primeira parte do capítulo, é aquela que ocorre de maneira silenciosa e longe da visão protetiva da sociedade e do Estado, ou seja, o abandono familiar, seja moral, seja material, decorrente da própria omissão ou negligência dos pais, da sociedade e do Estado.

De início, logo após o nascimento, já se pode apontar que o abandono familiar, entre outras mazelas sociais, provoca fome, desnutrição, frio, pobreza, vitimização do crime, castigos físicos, etc.2Como sabido, o processo de rejeição da criança inicia-se, ainda, no ventre materno. Os problemas de saúde física ou mental da mãe ou da própria criança reforçam e/ou colaboram diretamente para o surgimento das primeiras seqüelas médicas na formação do recém-nascido.

Não é demais relembrar que muitas crianças perdem a chance de nascer com vida, ainda no ventre materno. A morte na fase gestacional, ora é provocada pela ação ou omissão da mãe, ora é provocada pela ação ou omissão do Estado ou da sociedade, que não permitem ou não concedem às famílias carentes, o usufruto dos benefícios sociais, assistenciais e hospitalares adequados. A interrupção precoce da vida das crianças não entra nas estatísticas oficiais, uma vez que, comumente, ocorrem longe da visão estatal e não ingressam no cotidiano social. Apenas como reforço de convencimento, DIMENSTEIN destaca que, no Brasil, ocorrem quase dois abortos ilegais ou clandestinos por minuto. Significa que, por ano, cerca de 952 mil mulheres interrompem a gravidez.3Nesse aspecto, muito embora o ECA proteja a vida da criança - inclusive antes, durante e após o nascimento - a falta de condições ma-

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