Evolução patrimonial desproporcional à renda do agente público é, por si, ato de improbidade administrativa

AutorMin. Marilza Maynard
Páginas51-61

Page 51

Superior Tribunal de Justiça Mandado de Segurança Nº 12.660 - DF Órgão julgador: 3a. Seção

Fonte: DJe, 22.08.2014

Relator: Ministra Marilza Maynard (Desembargadora convocada do TJ/SE)

MANDADO DE SEGURANÇA. SERVIDOR PÚBLICO. AUDITOR DA RECEITA FEDERAL DO BRASIL. CASSAÇÃO DE APOSENTADORIA. IMPROBIDADE ADMINISTRATIVA.

Page 52

NULIDADES DO PAD NÃO CONFIGURADAS. AUSÊNCIA DE PROVA PRÉ-CONSTITUÍDA. IMPOSSIBILIDADE DE DILAÇÃO PROBATÓRIA. PODER JUDICIÁRIO. COMPETÊNCIA PARA AFERIR A REGULARIDADE DO PROCEDIMENTO E LEGALIDADE DA DEMISSÃO. SANÇÕES DISCIPLINARES DA LEI N. 8.112/1990. APLICAÇÃO. INDEPENDÊNCIA EM RELAÇÃO ÀS PENALIDADES DA LIA. TRÂNSITO EM JULGADO DA AÇÃO DE IMPROBIDADE. DESNECESSIDADE. VARIAÇÃO PATRIMONIAL A DESCOBERTO. LICITUDE DA EVOLUÇÃO. ÔNUS DO INVESTIGADO. CONDUTA ÍMPROBA NÃO PRECISA ESTAR VINCULADA AO EXERCÍCIO DO CARGO. ART. 11 DA LEI N. 8.429/1992. DOLO GENÉRICO. FALTA DE TRANSPARÊNCIA E APRESENTAÇÃO DE DECLARAÇÕES DE BENS FALSAS. CONDUTA QUE SE AMOLDA NA HIPÓTESE DE CASSAÇÃO DE APOSENTADORIA. DISCRICIONARIEDADE ADMINISTRATIVA INEXISTENTE. DIREITO LÍQUIDO E CERTO NÃO CONFIGURADO.

- Não há falar em nulidade do Processo Administrativo Disciplinar.

  1. A quebra do sigilo bancário se deu após a instauração do Pro-cesso Administrativo Disciplinar n. 10768.005194/2003-72 e mediante prévia autorização judicial, nos termos do art. 3º, § 1º da Lei Complementar nº 105, de 10/1/2001.

  2. Quanto ao sigilo fiscal, ao que se tem, foram emitidos mandados de procedimento, ao contrário do air-mado. Consoante o art. 198, § 1º, II, do CTN, com a redação dada pela LC n. 104/2001, desde que instaurado processo administrativo, com o objetivo de investigar o servidor pela prática de infração administra-tiva, os dados iscais podem ser di-vulgados, de forma fundamentada e reservada, como ocorreu in casu.

  3. No que se refere à indevida utilização da Portaria COGER n. 007, de 28.1.2003, anoto que carece a impetração de prova do direito líquido e certo alegado, porquanto inexistem elementos pré-constituídos de que o Procedimento Administrativo Disci-plinar n. 10768.005194/2003-72 tenha sido instaurado originalmente pela Portaria COGER n. 07/2003, bem como de que o impetrante não fazia parte do rol de investigados naquele outro PAD (PROPINODUTO I).

  4. Também não se veriicou o alegado cerceamento de defesa, a autoridade coatora se negou a deferir a prova pericial, em razão do seu intuito protelatório e considerando a impossibilidade de sua realização sobre fatos já comprovados por provas documentais. Há relato de que foi entregue ao acusado documento com a exposição de motivos do indeferimento do pleito.

- O STJ tem jurisprudência ir-mada no sentido de que não cabe ao Poder Judiciário analisar o mérito administrativo, mas somente aferir a regularidade do procedimento e a legalidade do ato de demissão.

- Orienta-se esta Corte no sen-tido de que as sanções disciplinares previstas na Lei n. 8.112/1990 são independentes em relação às penalidades previstas na LIA, não havendo necessidade de se aguardar o trânsito em julgado da ação de improbidade administrativa para aplicação das penas de demissão ou de cassação de aposentadoria.

- Restou comprovado no Processo Administrativo Disciplinar a existência de variação patrimonial a descoberto e que o indiciado não conseguiu comprovar a origem desse patrimônio. É do servidor acusado o ônus da prova no sentido de demonstrar a licitude da evolução patrimonial constatada pela administração. Precedentes.

- A conduta do servidor tida por ímproba não precisa estar necessariamente vinculada com o exercício do cargo público. Precedente.

- É entendimento deste Tribunal o de que os atos de improbidade administrativa, descritos no art. 11, caput, da Lei n. 8.429/1992, dependem da presença de dolo genérico, ou seja, dispensam a demonstração de ocorrência de dano para a administração pública ou enriquecimento ilícito do agente.

- No caso dos autos, o dolo se conigura pela manifesta vontade do agente em realizar conduta contrária ao dever de legalidade, consubstanciada na falta de transparência da evolução patrimonial e da movimentação inanceira, princi-palmente se considerado que foram apresentadas declarações de bens falsas, referentes aos anos calendários sob exame.

- Esta Corte irmou orientação no sentido de que a Administração Pública, quando se vê diante de situações em que a conduta do investi-gado se amolda nas hipóteses de de-missão e de cassação de aposentadoria de servidor público, não dispõe de discricionariedade para aplicar pena menos gravosa.

Segurança denegada.

ACÓRDÃO

Vistos, relatados e discutidos os autos em que são partes as acima indicadas, acordam os Ministros da Terceira Seção do Superior Tribunal de Justiça, na conformidade dos vo-tos e das notas taquigráicas a seguir, por unanimidade, denegar a ordem, nos termos do voto da Sra. Ministra Relatora. As Sras. Ministras Laurita Vaz e Maria Thereza de Assis Moura e os Srs. Ministros Sebastião Reis Júnior, Marco Aurélio Bellizze, Moura Ribeiro, Regina Helena Cos-ta, Rogerio Schietti Cruz e Nei Cor-deiro votaram com a Sra. Ministra Relatora.

Presidiu o julgamento o Sr. Ministro Jorge Mussi.

Page 53

Brasília, 13 de agosto de 2014 (data do julgamento).

MINISTRA MARILZA MAYNARD (DESEMBARGADORA CONVOCADA DO TJ/SE)

Relatora

RELATÓRIO

A EXMA. SRA. MINISTRA MARILZA MAYNARD (DESEMBARGADORA CONVOCADA DO TJ/SE):

Trata-se de mandado de seguran-ça, com pedido de liminar, impetrado por (...), contra ato comissivo do Ministro de Estado da Fazenda, consistente na cassação de sua aposentadoria (Portaria Ministerial n. 367, publicada em 07.11.2006).

Alega o impetrante ter sido Auditor Fiscal da Receita Federal por mais de 22 (vinte e dois) anos. Sustenta que, administrativamente, foi cassada sua aposentadoria, com fundamento no art. 132, IV, da Lei n. 8.112/90 e em decorrência do que constou no Processo Administrativo Disciplinar n. 10768.005194/2003-72 - prática de atos de improbida-de administrativa, tipiicados nos arts. 9º, VII e 11, caput, da Lei n. 8.429/92.

Alega que sua aposentadoria não poderia ter sido cassada administrativamente por ato de improbidade, uma vez que o art. 20, caput, da Lei n. 8.429/92 prevê que a perda da função pública só se efetiva com o trânsito em julgado da sentença judi-cial condenatória.

Airma a ocorrência dos seguin-tes vícios formais no referido Processo Administrativo Disciplinar: 1) quebra dos sigilos fiscal e bancário sem a formação de processo administrativo e sem mandado de proce-dimento fiscal; 2) utilização indevi-da da Portaria COGER n. 007, de 28.01.2003, constituída para auditar os trabalhos iscais realizados pelos servidores que respondem ao PAD n. 10167.000010/2003-57 (PROPINODUTO), quando o autor desse processo não fez parte e 3) cerceamento de defesa, porquanto indeferida a produção de prova pericial.

Assevera que a movimentação inanceira incompatível com a renda e patrimônio declarados, seria, no máximo, um ilícito tributário, por-quanto, para que tivesse relexo ad-ministrativo/disciplinar seria necessário que houvesse demonstração da prática do ilícito administrativo, tipi-icado como tal pela Lei n. 8.112/90.

Sustenta ser indevido o enquadramento no caput do art. 11 da Lei n. 8429/92, pois não se demonstrou sua intenção dolosa em descumprir normas fundamentais da boa administração.

Pondera, por im, que não foi considerado o disposto no art. 128, da Lei n. 8.112/90, que prevê, na aplicação das penalidade disciplinares, a análise da natureza e da gravidade da infração cometida e os danos que dela provierem ao serviço público.

Requer a concessão da ordem com a anulação do ato administrativo impugnado (Portaria n. 367/2006), garantindo todos os direitos e vantagens daí advindos, como o pagamento de eventuais parcelas vencidas ou vincendas, com juros e correção monetária.

Em suas informações, a autorida-de impetrada aduz que para se verii-car a inexistência de nexo causal entre o enriquecimento patrimonial e a atuação funcional seria necessária a dilação probatória, inadequada em sede de mandado de segurança, por isso requer a extinção do processo sem resolução de mérito, nos termos do art. 267, VI, do CPC. Airma ser vedado ao Poder Judiciário ingressar no mérito da punição administrativa, rejeitando a convicção formada em processo administrativo regularmente desenvolvido.

Pondera que o PAD obedeceu ao devido processo legal e à ampla defesa, sendo que a negativa de prova pericial deu-se em razão de sua abu-sividade.

Alega que evolução patrimonial desproporcional ao patrimônio ou à renda do agente público é, per se, ato de improbidade administrativa e que essa conduta, imputada ao impetrante, está legalmente prevista no art. 9º, VII, da Lei n. 8.429/92. Assevera que a conduta do impetrante justii-ca a pena cominada, não sendo, por este motivo, desproporcional.

Sustenta, por im, que a aplica-ção da pena de demissão ou de cas-sação de aposentadoria, após regular processo administrativo disciplinar, independe de pronunciamento judicial, muito menos de trânsito em julgado.

Indeferida a liminar (ls. 283-284).

O Ministério Público Federal às fls. 291-300, opinou pela dene-gação da ordem, em parecer assim resumido:

"MANDADO DE SEGURANÇA. PENA DE CASSAÇÃO DE APOSENTADORIA. PRÁTICA DE ATOS DE IMPROBIDADE. PROCESSO ADMINISTRATIVO DISCIPLINAR. DESENVOLVIMENTO REGULAR. VÍCIOS NÃO COMPROVADOS. AUSÊNCIA DE DIREITO LÍQUIDO E CERTO A SER TUTELADO.

I - Ao Poder Judiciário não é permitido adentrar no exame do mérito administrativo, mas exclusivamente controlar a regularidade, a legalidade e a constitucionalidade do processo administrativo disciplinar, a menos que se revelem, com nitidez, a prática abusiva de atos com excesso ou desvio de poder.

II - Na hipótese em comento, o procedimento administrativo disciplinar não padece de nenhuma irregularidade, pois não houve o alegado cerceamento de defesa, tampouco, violação do princípio da proporcionalidade.

Page 54

III - Parecer pela denegação da...

Para continuar a ler

PEÇA SUA AVALIAÇÃO

VLEX uses login cookies to provide you with a better browsing experience. If you click on 'Accept' or continue browsing this site we consider that you accept our cookie policy. ACCEPT